As eleições de 2020 marcam um recorde na quantidade de candidatas mulheres na disputa: são 183.236 candidaturas femininas. O número significa um avanço de 17,8% na comparação com o pleito municipal de 2016. Mesmo assim, a participação das mulheres na corrida eleitoral ainda tem mais relação com a lei que prevê a reserva de pelo menos 30% de candidaturas para elas do que, de fato, com um ganho de representatividade feminina na política.
Um exemplo disso é que, ao mesmo tempo em que as mulheres são 33,23% do total de candidaturas neste ano, elas são apenas 13% na concorrência pelas prefeituras. No caso das vagas para vereador, elas atingem 34,4% de todo o universo de candidatos às Câmaras Municipais — as candidatas a vice-prefeita representam 21% do total de postulantes ao cargo. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram coletados nesta segunda-feira (5).
“A participação política das mulheres tem aumentado, mas isso não se reflete no número de candidaturas dentro dos partidos políticos. Esse número de 13% tem mais a ver com a dificuldade dos partidos em darem chance a mulheres candidatas”, analisa Beatriz Rodrigues Sanchez, cientista política especializada em representação.
Apesar de constar na Lei das Eleições de 1997 (Lei nº 9.504), o dispositivo que prevê que os partidos preencham o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo nas eleições proporcionais – ou seja, para deputados estaduais e federais e vereadores – acabava não sendo cumprido por brechas encontradas pelos partidos. A Lei nº 12.034/2009, porém, acabou com essas controvérsias, o que resultou no aumento de candidaturas femininas.
O que ocorre é que, em muitos casos, os partidos recorrem às candidatas mulheres somente para preencher a cota dos 30%. “O que vemos é que as cotas nos cargos proporcionais acabam se tornando um teto e não um mínimo. Os partidos cumprem os 30%, quando cumprem, e não se esforçam ou não procuram aumentar a porcentagem de candidatas mulheres”, prossegue Beatriz.
Falta incentivo à participação feminina dentro dos partidos
É a partir dos partidos políticos que as candidaturas nascem e são oficializadas. No entanto, a participação dentro das agremiações é limitada, com poucas vozes femininas nas lideranças e com poder de decisão. Segundo Noemi Araújo, cientista política e articuladora política voluntária do #ElasNoPoder, movimento que incentiva as mulheres a se candidatarem a cargos eletivos no Brasil, a estrutura dos partidos ainda é quase exclusivamente masculina, o que resulta na priorização de candidatos homens.
“Dentro dos próprios partidos políticos não há, ainda, o incentivo de igual modo como para os homens, desde os cargos nos diretórios regionais e municipais, até mesmo a busca por candidatas mulheres”, diz Noemi. “Os partidos não veem a real necessidade e importância de colocar mulheres para disputarem as vagas. Naturalmente, acabam se limitando aos 30% como efeito de preenchimento de regra, para evitarem penalizações, ao invés de estimularem outras candidaturas”, continua.
Para Beatriz, a mesma política de cotas para candidatos poderia se estender para dentro dos partidos e, assim, aumentar a quantidade de mulheres em cargos de liderança, nos quais possam tomar decisões estratégicas, como a destinação de recursos. “Enquanto forem os homens decidindo isso sozinhos, vai ser difícil aumentar a participação das mulheres”, diz.
A questão financeira, aliás, é um dos aspectos que contribuem para que as chances de sucesso de candidaturas femininas sejam menores. Hoje, a maioria dos recursos vão para candidatos homens, apesar de o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF) já terem decidido, em 2018, sobre a reserva de pelo menos 30% dos recursos de fundo eleitoral para as campanhas de candidatas. Assim como a cota de candidatos, a do fundo também acaba se limitando ao mínimo.
“A decisão do STF foi muito importante para pelo menos garantir o mínimo de condições financeiras e materiais para que mulheres possam construir candidaturas competitivas”, comenta Beatriz.
Sucesso eleitoral é incentivo para que outras mulheres entrem na política, dizem especialistas
Isso tudo reflete na competitividade das campanhas, especialmente para cargos majoritários, como é o caso das prefeituras. Hoje, das 26 capitais brasileiras, somente três mulheres são prefeitas: Cinthia Ribeiro (PSB), em Palmas (TO); Socorro Neri (PSBD), em Rio Branco (AC); e Teresa Surita (MDB), em Boa Vista (RR). E, para o pleito deste ano, ainda são poucas as candidatas femininas com candidaturas competitivas e chances de vitória nas urnas.
Em Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PC do B) lidera a corrida pela prefeitura, segundo levantamento do Instituto Real Time Big Data (veja a metodologia e o número do registro abaixo), com 21% das intenções de voto — o segundo colocado é José Fortunati (PTB) com 11%. Em Recife, Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) estão empatados tecnicamente com 22% e 16%, respectivamente, de acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) (veja a metodologia e o número do registro abaixo).
Das candidatas à reeleição, Cinthia Ribeiro também saiu na frente em Palmas, de acordo com a levantamento do Instituto FC Pesquisas (veja a metodologia e o número do registro abaixo): 19% contra 8% dos candidatos Júnior Geo (Pros) e Gil Barison (Republicanos). Já Socorro Neri, atual prefeita de Rio Branco, tem 20% e aparece empatada tecnicamente com Minoru Kinpara (PSDB) — a pesquisa é do Instituto Real Time Big Data (veja a metodologia e o número do registro abaixo).
Ao ver outras mulheres em cargos importantes, como o de prefeita, as mulheres sentem-se representadas e mais propensas a também fazer parte do processo eleitoral. Por isso, a visibilidade das candidatas nas capitais é primordial para o aumento da participação feminina na política, aponta Beatriz. “Quando as mulheres ocupam espaços de poder, outras mulheres passam a acreditar que também podem ocupar esses espaços. Se as mulheres não se enxergam nas câmaras municipais e nas prefeituras, é muito difícil que elas queiram se arriscar a se candidatar.”
“Quando vemos mais candidaturas femininas, entendo que há uma possibilidade maior de sucesso eleitoral. É proporcional. Esse dado é importante não só no sentido de representação como um todo da mulher participando e com mais chances de vencer, como para a própria população. Diversos estudos mostram que quanto mais mulheres nos espaços políticos e espaços de decisão, melhores serão as políticas públicas elaboradas e implementadas”, complementa Noemi.
Metodologia das pesquisas citadas
- O Instituto Real Time Big Data ouviu 1.000 eleitores em Porto Alegre entre os dias 18 e 19 de setembro. A margem de erro do levantamento é de 4 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%. O registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o número RS-01713/2020.
- O Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) ouviu 800 eleitores em Recife entre os dias 22 e 23 de setembro. A margem de erro do levantamento é de 3,5 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95,45%. O registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o número PE-05966/2020.
- O Instituto FC Pesquisas ouviu 800 eleitores em Palmas entre os dias 10 e 13 de setembro. A margem de erro do levantamento é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%. O registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o número TO-04199/2020.
- O Instituto Real Time Big Data ouviu 800 eleitores em Rio Branco entre os dias 23 e 25 de setembro. A margem de erro do levantamento é de 4 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%. O registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o número AC-03815/2020.
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