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Votação nas eleições de 2018.
Candidatos da área da saúde buscam aproveitar percepção positiva da população, por conta da pandemia do novo coronavírus.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo Gazeta do Povo

As eleições municipais de 2020 registram um boom de candidatos das forças policiais e armadas, de religiosos e de profissionais da área de saúde. A entrada maciça na política dessa última categoria é considerada um reflexo da pandemia do novo coronavírus.

Entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem – três profissões na linha de frente contra a Covid-19 no Brasil –, o pleito de novembro terá 11.211 candidatos, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O número é quase 18% maior do que em 2016 e está acima da alta geral de candidatos nestas eleições, de quase 10%. A categoria com maior crescimento é a dos técnicos de enfermagem, que passaram de 3.219 em 2016 para 4.614 candidatos neste ano, acréscimo de 43%. Destes, cerca de 97% disputam cargos de vereador em mais de 2,3 mil cidades brasileiras.

Um deles é o enfermeiro Tiago Freire, 40, candidato a vereador pelo Avante em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Em sua primeira disputa e com atuação na linha de frente da Covid-19, Freire explica que a candidatura é um reflexo da pandemia. "A nossa categoria vem sofrendo com vários impasses, baixo salário, carga horária em excesso. O cansaço físico e mental dos profissionais da saúde não tem uma representatividade", afirmou à Gazeta do Povo.

Os técnicos de enfermagem candidatos são, em sua maioria, mulheres (73%) e pretos ou pardos (54%), acima do índice de todas as candidaturas, que é de cerca 33% e 50%, respectivamente.

A presença de médicos, por sua vez, aumentou 6%. Entre os 2.715 candidatos, mais de 1,3 mil profissionais fazem campanha para a prefeitura de 1.078 cidades. A maioria é de homens (85%) e brancos (75%).

Os enfermeiros respondem por 3.882 candidaturas, sendo a maior parte para as Câmaras Municipais. A categoria também ganhou mais espaço nas campanhas para o Executivo, com 251 candidatos em 239 municípios.

Profissionais da saúde estão em todos os partidos

Praticamente todos os partidos políticos investiram nesse tipo de candidato em 2020. O mais representativo é o MDB (1.023 candidatos), seguido por PSD (854), PP (808), PSDB (693) e DEM (688). Entre os cinco primeiros da lista, os tucanos foram a única legenda a perder candidatos na área.

O levantamento aponta, ainda, que profissionais de saúde como psicólogos (46,43%), farmacêuticos (11,78%), fisioterapeutas (22,87%) e fonoaudiólogos (48,28%) também apresentaram altas expressivas no número de candidatos em 2020. Considerando ainda agentes de saúde e sanitaristas, odontólogos, nutricionistas, terapeutas e paramédicos, os profissionais da saúde representam 19.826 candidaturas, contra 17.098 na eleição passada.

A percepção positiva da população em relação a esses profissionais pode ter estimulado representantes da área a lançarem candidaturas. Para o pesquisador do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Guilherme Russo, o aumento de candidaturas de profissionais da saúde pode qualificar a agenda da saúde pública. “Só de se discutir mais a gestão da pandemia nos municípios, que são os principais encarregados na luta contra o coronavírus, com mais candidatos para contar sobre os bons e maus resultados, o efeito já pode ser bastante positivo”.

Número de religiosos também aumentou

Cresceu, também, o número de candidatos ligados a igrejas, que é 14% maior em relação a quatro anos atrás. De acordo com levantamento da Gazeta do Povo, são 902 os candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito que declararam à Justiça eleitoral a profissão de bispo, pastor, padre e missionário. Em 2016, esses profissionais eram 774.

Porém, o contingente de religiosos pode ser ainda maior, já que muitos candidatos podem ter informado ao TSE uma profissão diferente. Analisando os nomes com os quais os candidatos se apresentam na urna, a realidade é outra. São 5.391 os candidatos que usam bispo, pastor, padre ou missionário no nome da candidatura nessa eleição. Já em 2016, eram 4.204, ou seja 22% a menos. Nesse ano há ainda dois candidatos a vereador que se apresentam como pais de santo.

De acordo com Luciana Panke, cientista política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse crescimento tem dois motivos: por um lado, reflete uma tendência da política nacional que vem desde 2018 e deve se manter até 2022; por outro, é consequência da a pandemia.

"É um ano em que a fragilidade humana está muito exposta porque o coronavírus mudou drasticamente nossa rotina e afetou as relações pessoais e familiares. Quantas pessoas perderam seus entes queridos? Isso vai levar a uma busca religiosa, espiritual. A religião vira um alicerce nesse momento de crise", analisa a professora.

Quantidade de candidatos militares e policiais dobrou

O número de policiais civis, militares e de membros da ativa e da reserva das Forças Armadas que se candidataram a prefeito neste ano é o dobro do que foi registrado nas eleições municipais de 2016. São 388 candidatos a prefeito, contra 188 que disputaram o Executivo municipal há quatro anos, antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e da entrada de integrantes do Exército no governo federal.

Levando-se em conta os postulantes a vice-prefeito e vereador, 6.723 policiais e militares vão participar do pleito deste ano em todo o país. Isso representa um aumento de 11,4% em relação às últimas eleições, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O maior aumento é entre os que se declaram "membro das Forças Armadas". Eram 123 candidatos em 2016. Em 2020, são 182. Em números absolutos, entretanto, o total é maior entre os PMs: eles eram 3.205 nas eleições passadas, agora são 3.561 (11% mais).

Para especialistas, esse crescimento se deve à presença de Bolsonaro na Presidência – e, consequentemente, à defesa de uma pauta conservadora com a qual parte dos PMs se identifica – e ao fortalecimento do corporativismo militar e policial. "Os Bolsonaro sempre fizeram política nas corporações", diz o cientista político Carlos Melo, do Insper.

O professor Glauco Peres da Silva, da USP, vê duas possibilidades para explicar a curva crescente de candidatos militares e policiais. "Você tem dois movimentos: pensar que, de fato, há militares que estão tentando mudar de carreira, entrar na política. Há também outro grupo, de pessoas que já eram candidatas, mas não usavam essa bandeira", diz.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, destaca que o discurso desses candidatos vai além da pauta da segurança e passa por uma defesa da "ordem", associada a grupos pentecostais. "Policiais estão indo além da figura da família Bolsonaro. O bolsonarismo é maior do que o Bolsonaro em si. Tem a ver com esse momento de convergência à direita, mas uma convergência a partir de um discurso de ordem", explica.

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