As eleições municipais envolvem bem mais que a disputa pelas prefeituras: as alianças feitas pelos partidos nas principais cidades do país são uma espécie de laboratório para a corrida presidencial de 2022.
Jair Bolsonaro (sem partido), Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) vão usar o pleito desse ano para medir a própria força e, além disso, para atingir o eleitorado em regiões do Brasil em que, hoje, têm pouca ou nenhuma penetração.
Um dos exemplos da regionalização dessas disputas é a eleição para prefeito de Fortaleza. Na capital cearense, o páreo está acirrado entre os candidatos de Bolsonaro, Lula e Ciro. Duas pesquisas do Datafolha mostram isso. Uma delas, divulgada dia 28 de outubro, o bolsonarista Capitão Wagner (Pros) lidera a corrida, com 31% das intenções de voto, seguido pelo pedetista Sarto (22%) e pela petista Luizianne Lins (19%). No dia 5 de novembro, Capitão Wagner tinha 29%, Sarto 26% e Luizianne Lins 18%.
Wagner, aliás, é um dos poucos candidatos que têm o apoio declarado de Bolsonaro. O presidente, que já deixou claro o seu interesse em concorrer à reeleição em 2022, adotou até agora uma postura cautelosa no pleito municipal, prometendo que se engajará apenas nos últimos 15 dias da campanha. A principal exceção é São Paulo, capital em que o presidente apoia Celso Russomanno (Republicanos) com veemência.
O ex-presidente Lula, por outro lado, está usando o horário eleitoral para promover sua imagem e questionar a perda de direitos políticos causada pelas condenações na Justiça. Um exemplo ocorreu na terça-feira (27), quando, a propósito do aniversário de 75 anos de Lula, o PT exibiu uma homenagem ao ex-presidente em pelo menos quatro capitais: Recife, Curitiba, Rio, Manaus e Salvador.
“Lula tem uma missão complicada porque precisa ter as condenações anuladas. Essa campanha serve para ele dizer ‘eu estou por aqui ainda, não se esqueçam’. No horário eleitoral, às vezes, ele aparece mais que o candidato a prefeito, o que mostra que muitas candidaturas estão a serviço dele”, avalia Ricardo Ismael, cientista político da PUC-RJ.
Doria tenta reconquistar eleitores tucanos
Também com ambições presidenciais, Ciro e Doria se movimentam para tentar viabilizar uma terceira via entre o petismo e o bolsonarismo. Ambos buscam espaço fora de seus redutos eleitorais – Ceará e São Paulo, respectivamente.
O desafio do governador paulista é reconquistar o eleitorado tucano que se aproximou de Bolsonaro nos últimos anos. Os resultados dessas eleições na capital e nas cidades do interior de São Paulo dirão se Doria terá força para enfrentar uma disputa presidencial em 2022.
“Um passo de cada vez. Após as eleições deste ano teremos uma indicação mais clara da força dessa união, que, no plano nacional, integra PSDB, MDB e DEM”, disse Doria na convenção tucana que oficializou a candidatura de Bruno Covas (PSDB) à prefeitura da capital paulista. A reeleição do prefeito seria uma uma derrota do bolsonarismo “pelo centro”, segundo o governador.
Ciro busca espaço ao centro e entre os petistas
Quem também tenta conquistar o eleitorado mais moderado é Ciro Gomes. Ele fortaleceu uma aliança de centro-esquerda PDT e PSB em várias capitais e apostou em candidatos competitivos ou nomes novos, como Martha Rocha (PDT), no Rio de Janeiro; Juliana Brizola (PDT), em Porto Alegre; Goura (PDT), em Curitiba; e Márcio França (PSB), em São Paulo.
“Esse voto [em São Paulo] também representa uma coisa muito importante. A gente vai estar na principal cidade da América do Sul dando um sinal de que o Brasil está construindo um caminho novo, diferente dos ódios e paixões que levaram o nosso país à tragédia que nós estamos passando hoje”, afirmou o ex-governador do Ceará no horário eleitoral de França.
Impulsionado por Ciro, o presidente do PDT, Carlos Lupi, costurou outra aliança importante em Salvador. Desta vez com o DEM de ACM Neto, que lançou seu vice, Bruno Reis (DEM), para prefeito. O acordo prevê o apoio do PDT ao DEM nas eleições para o governo baiano em 2022, em troca do apoio dos Democratas a Ciro nas presidenciais. No início de novembro, Ciro deve visitar a capital baiana e participar de eventos ao lado de Reis.
“Ciro vai continuar articulando uma candidatura forte de centro-esquerda que possa inclusive rivalizar com a candidatura do PT. Ele pode até pegar o eleitorado de centro, mas ele disputa o espaço do PT”, avalia Ricardo Ismael, cientista político da PUC-RJ.
As relações entre Lula e Ciro começaram a se normalizar em setembro, segundo reportagem de O Globo desta quinta-feira (29), quando os dois se encontraram em São Paulo para selar a paz. Eles estavam rompidos desde 2018, quando Ciro recusou ser vice de Lula na eleição presidencial e, em seguida, viajou para a Europa ao invés de apoiar Fernando Haddad (PT) no segundo turno. No encontro, os dois não conversaram sobre as eleições de 2022.
Ainda de acordo com a reportagem, o PT apoia 173 candidatos a prefeito do PDT nessas eleições. Por sua vez, o PT encabeça 134 chapas com o apoio do PDT. Essas alianças, contudo, não se dão em nenhuma capital.
Metodologia da pesquisa citada na reportagem
- Sob encomenda do jornal O Povo, o Datafolha ouviu 868 eleitores de Fortaleza entre os dias 26 e 27 de outubro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação CE-07074/2020.
- Sob encomenda do jornal O Povo, o Datafolha ouviu 868 eleitores de Fortaleza em 4 e 5 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral com número CE- 05742/2020.
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