Muitos apostam que a chamada onda conservadora, que promoveu uma mudança radical no Congresso nas eleições de 2018 e elegeu o presidente Jair Bolsonaro, terá um efeito duradouro sobre a política no Brasil. Isso pode mesmo acontecer, mas, ao menos em Curitiba e nas quatro maiores capitais de estados do Brasil, a onda conservadora atingiu pouco as eleições para prefeitos de 2020.
Entre os candidatos com chances reais de vitória em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza e Salvador, nenhum faz uma defesa sistemática dos valores conservadores em pautas de costumes. Por outro lado, São Paulo tem um candidato em ascensão nas pesquisas que defende abertamente a descriminalização das drogas e do aborto.
Confira os posicionamentos em pautas de costumes dos candidatos mais cotados para assumir as prefeituras dessas cinco capitais.
São Paulo não tem candidatos conservadores com grandes chances de vitória
Em São Paulo*, nenhum dos atuais favoritos – Bruno Covas (PSDB), Celso Russomanno (Republicanos) e Guilherme Boulos (Psol) – manifesta publicamente posições conservadoras nas pautas de costumes mais debatidas pela sociedade.
Covas costuma tergiversar ao tratar de questões do tipo. Perguntado recentemente pelo jornalista Ricardo Noblat sobre a descriminalização das drogas, o atual prefeito da maior capital do país não quis dar uma resposta clara. "O Uruguai avançou nessa questão, e daqui a pouco a gente vai ter os resultados de um país, de um ponto de vista cultural, muito parecido com o nosso, para poder discutir essa questão aqui no Brasil. Esse é um grande tabu, há grandes prós e contras”, afirmou.
Sobre outros temas, Covas não costuma se posicionar publicamente. Em 2015, quando era deputado federal, votou a favor de um projeto de lei que estabelecia penas para quem tenta induzir uma gestante a fazer o aborto. Em 2020, sancionou uma lei específica em São Paulo para combater a discriminação a pessoas LGBT – o projeto, de 2015, foi de autoria da então vereadora e atual deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP).
O caso do candidato Celso Russomanno é mais complicado. Ele é do Republicanos, partido vinculado à Igreja Universal, e diz contar com o apoio do bolsonarismo. Suas posições sobre pautas de costumes, no entanto, são pouco claras.
Ele diz que é contra o aborto, exceto nos casos em que a prática é "legalizada no Brasil". O aborto é crime no Brasil - não existe na lei brasileira o chamado "aborto legal". O que ocorre é que não há punição para quem o pratica em três situações: anencefalia do feto, gravidez decorrente de estupro e risco de morte da mãe.
Questionado há algumas semanas pelo jornal O Globo sobre sua opinião em temas como aborto, casamento gay e ideologia de gênero, ele respondeu somente que “isso não diz respeito a São Paulo”.
Já o candidato Guilherme Boulos (Psol) segue abertamente a cartilha progressista. É a favor da descriminalização das drogas, defende a ideia de regulamentar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e fala do aborto como “uma questão de saúde pública”.
Rio tem bispo evangélico e delegada de esquerda atrás de Paes
No Rio de Janeiro**, o atual favorito à vitória, Eduardo Paes (DEM), não tem um histórico nem de luta por valores conservadores, nem de medidas de viés progressista. Em entrevista recente a um pastor evangélico no YouTube, ele contou sobre suas breves experiências com igrejas cristãs, e disse que respeita os valores morais que aprendeu de sua família.
"Fui prefeito por oito anos. Durante os oito anos, eu fiz alguma coisa de ideologia de gênero como prefeito? Não. Se alguém disser 'ah, o Eduardo agora vai fazer', é mentira. Se eu tivesse que fazer, eu já teria feito. Escola é para aprender português, matemática, ciências”, disse Paes.
Marcelo Crivella (Republicanos), atual prefeito do Rio e bispo evangélico licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, já entrou em diversas polêmicas pela forma como manifesta alguns de seus posicionamentos. Em 2008, por exemplo, afirmou que Fernando Gabeira (PV), então postulante à prefeitura do Rio junto com ele, defendia o “homem com homem”.
Apesar de se dizer contrário ao aborto, Crivella foi o autor, em 2004, de um Projeto de Lei do Senado que propunha não penalizar os envolvidos em aborto em casos de bebês com anencefalia.
Ainda em relação à eleição do Rio, a ex-delegada de polícia Martha Rocha (PDT) costuma usar em sua campanha, junto a seu nome, o epíteto de delegada, algo que muitas vezes serve para associar políticos a pautas conservadoras. Mas esse não é o caso dela.
Martha se posiciona pouco sobre pautas de costumes, mas já recebeu o título de Musa da Cidadania LGBT em uma premiação de de direitos humanos promovida por uma revista. O motivo foi ela ter determinado, em 2012, a inclusão dos nomes sociais dos travestis em registros de ocorrência no estado do Rio de Janeiro.
Em Curitiba, Greca evita abordar pautas de costumes; Francischini se diz pró-vida
Em Curitiba***, o candidato à reeleição Rafael Greca (DEM), favorito à vitória, não costuma dar declarações sobre pautas de costumes. Em 2012, contudo, já disse à Gazeta do Povo que é contrário à legalização do aborto.
O candidato Fernando Francischini já criticou a hipocrisia da esquerda ao se dizer defensora dos direitos humanos e lutar por ampliar a legalização do aborto, durante a conferência conservadora Conservative Political Action Conference (CPAC) em São Paulo, no ano passado.
Já Goura (PDT) é deputado estadual, professor de ioga, defensor de causas ambientais, cicloativista e diz em seu projeto que pretende “desnaturalizar o racismo e LGBTI+fobia institucional”. Em 2019, segundo a Folha de Londrina, ele sinalizou em uma sessão da Assembleia Legislativa que não é contra a legalização do aborto.
Fortaleza e Salvador têm candidatos pouco engajados em pautas de costumes
Ao contrário de Rio, São Paulo e Curitiba, as duas maiores capitais do Nordeste não têm candidatos com chances de vitória que sejam radicalmente progressistas.
Em Salvador****, o favorito à eleição, Bruno Reis (DEM), disse em entrevista ao site bahia.ba que é contra a descriminalização das drogas no atual cenário de seu estado e que uma mudança nesse sentido “não pode vir sem um amplo debate da sociedade sobre o tema”. Em relação ao aborto, Reis se alinha ao que está previsto na legislação brasileira: que o aborto não seja punido em casos de gravidez de risco, de estupro ou quando o feto for anencefálico.
Em Fortaleza*****, os dois líderes nas pesquisas, Capitão Wagner (Pros) e Sarto (PDT), manifestam opiniões parecidas em relação ao aborto. Ambos já afirmaram a jornais que concordam com a legislação brasileira sobre o aborto tal como ela é hoje. Wagner, que conta com o apoio do presidente da República Jair Bolsonaro, já se manifestou contra a ideologia de gênero e a descriminalização das drogas.
Metodologias das pesquisas que foram citadas nesta reportagem
*São Paulo: A pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas, contratada pelo próprio Instituto, ouviu 1.000 eleitores de São Paulo entre os dias 29 de outubro e 1 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação SP-09440/2020.
**Rio de Janeiro: A pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas, contratada pelo próprio Instituto, ouviu 910 eleitores do Rio entre os dias 29 de outubro e 1 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3,5 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação RJ-05250/2020.
***Curitiba: A pesquisa do Ibope, encomendada pela RPC TV, ouviu 805 eleitores de Curitiba entre 20 e 22 de outubro. O nível de confiança do levantamento é de 95% e a margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número PR-01535/2020.
****Salvador: Sob encomenda do Bahia Notícias, o Paraná Pesquisas ouviu 800 eleitores de Salvador entre 2 e 5 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3,5 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação BA-06539/2020.
*****Fortaleza: Sob encomenda do jornal O Povo, o Datafolha ouviu 868 eleitores de Fortaleza entre os dias 4 e 5 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação CE-05742/2020.
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