Políticos tradicionais perdendo espaço na Câmara dos Deputados e no Senado e dando lugar a novos nomes, muitos deles não ligados à política, além de governadores eleitos sem experiência prévia na administração pública. A descrição resume a onda de mudança que se espalhou pelo Brasil na eleição de 2018. Mas esse movimento de renovação política visto há dois anos agora dá sinais de que não terá a mesma força nas disputas municipais do próximo domingo (15) – pelo menos é o que mostram as pesquisas de intenção de voto.
No último pleito, foram eleitos 243 deputados federais em primeiro mandato, fechando um índice de renovação na Câmara de 47%. No Senado, das 54 vagas que estavam em aberto, 46 passaram a ser ocupadas por novatos. Nos estados, sete governadores eleitos não tinham nenhuma passagem pela vida política, como o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC), no Rio de Janeiro; e o empresário Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais.
Essa renovação veio como consequência de uma polarização na sociedade, de direita contra esquerda, de uma agenda antibrasília e anticorrupção. Naquele ambiente, os outsiders surgiram como uma opção para a população que clamava por mudanças na condução política do país.
“Não há nada mais antigo do que esse argumento da renovação política. Sempre existiu, com mais ou menos intensidade. O que vimos em 2018 foi de fato um movimento que se concretizou em mudanças nos quadros políticos, uma mudança mais clara”, observa o professor da FGV Direito Rio, Michael Mohallem.
Os temas que estavam em discussão em 2018, porém, parecem distantes das campanhas municipais deste ano. Neste pleito, o que se fala em Brasília não é exatamente o foco de atenção da população, mais preocupada com questões que afetam o dia a dia. “Na eleição municipal, a agenda nacional tem menor impacto. O Brasil é um país muito grande e as agendas das disputas, com exceção das grandes cidades, são muito provincianas. Os caciques são construídos na trajetória local e a agenda nacional nem sempre ecoa”, explica Mohallem.
Políticos profissionais devem vencer nas principais capitais, apontam pesquisas
O que se vê nas principais capitais do Brasil é uma predominância de candidatos que já estão envolvidos no cenário político, seja nacional ou local. Mesmo em cidades onde há a possibilidade de se concretizar uma mudança de grupo político no controle, seja evitando a reeleição ou a vitória de apadrinhados, o poder seguirá na mão de políticos profissionais.
Em São Paulo, por exemplo, os quatro melhores colocados na disputa, segundo o Datafolha, são diretamente ligados à política: Bruno Covas (PSDB) é o atual prefeito da cidade; Guilherme Boulos (Psol) é militante político e foi candidato a presidente em 2018; Celso Russomanno (Republicanos) acumula mandatos de deputado federal; e Márcio França (PSB) foi governador do estado.
No Rio de Janeiro, a situação é parecida. Eduardo Paes (DEM) é ex-prefeito; Marcelo Crivella (Republicanos) é o atual mandatário carioca; Delegada Martha Rocha (PDT) está no segundo mandato de deputada estadual; e Benedita da Silva (PT) é deputada federal com vasta carreira na política, tendo sido governadora do estado. Eles são os candidatos com maior expressão entre os eleitores, também segundo levantamento do Datafolha.
Esse cenário contrário à renovação política se espalha por outras capitais, inclusive nas quais a reeleição de políticos tradicionais ou de apadrinhados é uma possibilidade real. Rafael Greca (DEM) e Gean Loureiro (DEM), por exemplo, encaminham a reeleição em Curitiba e Florianópolis, respectivamente, de acordo com levantamentos do Ibope.
Em Salvador, o candidato e vice do atual prefeito ACM Neto (DEM), Bruno Reis (DEM), pode levar a disputa ainda no primeiro turno, também segundo pesquisa Ibope.
Mudança via Bolsonaro ficou limitada
O descolamento de temas e polarizações nacionais é o que reduz os efeitos do engajamento do presidente Jair Bolsonaro nas eleições municipais. Discretamente, ele tem demonstrado apoio a alguns candidatos, como Crivella, no Rio, e Russomanno, em São Paulo. No entanto, a participação dele pouco tem feito diferença – ambos correm o risco de não conseguirem ir ao segundo turno.
Uma das explicações para esse resultado até agora inexpressivo é que o discurso antiesquerda do presidente pouco importa nas cidades. O mais relevante é resolver os problemas locais. “Essa onda bolsonarista, de renovação política via Bolsonaro, provavelmente não se dará na eleição municipal”, projeta Mohallem. “O fato é que é difícil colar pecha de esquerda em qualquer partido. Nas cidades, a disputa se dá de outras formas”, completa o professor da FGV Direito Rio.
Além disso, o fato de o presidente ter deixado o PSL, partido pelo qual foi eleito em 2018, dispersou o bolsonarismo. Por mais que Bolsonaro tenha proximidade com várias lideranças do partido, ele não é mais o porta-voz da legenda. Sem contar que o partido que tentou criar, o Aliança pelo Brasil, não se viabilizou para o pleito municipal.
“O próprio Bolsonaro saiu do PSL, não conseguiu fundar o Aliança pelo Brasil. E o que poderia ser um movimento de renovação municipalista ficou mais difícil. O Republicanos foi o mais próximo que ficou do que era o PSL de Bolsonaro. E isso dificultou esse movimento”, analisa Mohallem.
Metodologia das pesquisas citadas na reportagem
- Sob encomenda da TV Globo e do jornal Folha de S. Paulo, o Datafolha ouviu 1.512 eleitores de São Paulo entre os dias 9 e 10 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação SP-05584/2020.
- Sob encomenda da TV Globo e do jornal Folha de S. Paulo, o Datafolha ouviu 1.148 eleitores do Rio de Janeiro entre os dias 9 e 10 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação RJ-02768/2020.
- Sob encomenda da NSC Comunicação, o Ibope ouviu 602 eleitores de Florianópolis entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 4 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral sob a identificação SC-07120/2020.
- A pesquisa do Ibope, encomendada pela RPC TV, ouviu 805 eleitores de Curitiba entre 20 e 22 de outubro. O nível de confiança do levantamento é de 95% e a margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número PR-01535/2020.
- Sob encomenda da TV Bahia, o Ibope ouviu 602 eleitores de Salvador entre os dias 28 e 30 de outubro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 4 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral sob a identificação BA-06917/2020.
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Auxílio Brasil: PT quer pagar benefícios sociais somente para quem se vacinar
Gestão da pandemia e retomada econômica: os desafios de Bruno Covas em São Paulo
DEM e PSDB esboçam 3ª via contra Bolsonaro e a esquerda em 2022
Eduardo Paes vai assumir o Rio com menos dinheiro e mais problemas. Veja os desafios
Deixe sua opinião