A pandemia da Covid-19 teve impacto direto sobre as eleições municipais de 2020, com a alteração do calendário eleitoral e a adoção de cuidados extras para evitar a infecção de eleitores e mesários no dia do pleito. Mais do que isso, o novo coronavírus pode ter, também, reflexos no resultado das eleições, a depender do número de pessoas que optarem por não sair de casa para votar por medo de se contaminar. Com isso, é grande a chance de que o índice de abstenção, que já vem crescendo nos últimos anos, aumente ainda mais.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde 2004 as eleições municipais apresentam elevação na ausência de votantes. Naquele ano, a abstenção no primeiro turno foi de 14,22%. No pleito seguinte, de 2008, o índice subiu para 14,5%. Em 2012, atingiu 16,41%. Na mais recente, em 2016, a abstenção chegou a 17,58% – todas essas taxas são relativas ao primeiro turno. E, para 2020, há o elemento pandemia.
Algumas pesquisas eleitorais deste ano apontaram que há uma parcela de eleitores que não pretende ir às urnas em 15 de novembro. No Rio de Janeiro, segundo levantamento do Datafolha divulgado em 8 de outubro, 21% dos entrevistados disseram considerar a possibilidade de não votarem devido ao medo de se infectarem com a Covid-19. Em São Paulo, esse índice é de 21% e, em Belo Horizonte, de 18% – ambos os números também foram coletados pelo Datafolha e divulgados em 8 de outubro.
Na época das pesquisas os dados de infecção e mortes relativos à pandemia estavam diminuído praticamente em todo país, inclusive em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, o que indicaria menos preocupação no dia da votação. Entretanto, dados do Ministério da Saúde na semana que antecede ao pleito mostram que o número de casos voltou a subir em alguns estados, de todas as regiões do país.
Apesar disso, segundo o cientista político e professor da FGV CPDOC, Sérgio Praça , a pandemia pode ser apenas uma justificativa para quem já não pretendia participar do pleito, inflando antecipadamente a taxa de abstenção.
“Acredito que o impacto da pandemia, do medo de sair para votar, está superestimado. Quem não vai votar neste ano talvez já não fosse votar antes de qualquer maneira. Dos que querem votar, acredito que poucos vão desistir”, avalia.
Para tentar evitar que a abstenção seja um fator significativo neste ano, o TSE vai implementar um protocolo de segurança sanitária no dia do pleito. O horário da votação, por exemplo, vai ser ampliado, das 7h às 17h, sendo que o período até as 10h será preferencial para maiores de 60 anos – grupo considerado de risco para o novo coronavírus.
O uso de máscara será obrigatório e haverá distribuição de álcool em gel em todas as seções. Além disso, o TSE recomenda que os eleitores levem a própria caneta para assinar a presença no caderno de votação.
Justificativa por aplicativo facilita a vida de quem não quer votar
O aumento da taxa de abstenção nos últimos anos aliado à pandemia já seria suficiente para as pessoas deixarem de sair de casa no dia da eleição. Mas outros fatores também podem contribuir: a facilidade na hora de justificar a ausência e o custo para quem não justificar.
Até o último pleito, os eleitores tinham que se deslocar às seções eleitorais no dia da votação para justificarem a ausência. Mas, devido à Covid-19, o TSE transferiu essa tarefa para o aplicativo e-Título. Dessa forma, o eleitor terá até 14 de janeiro de 2021 para explicar a ausência no primeiro turno e até 28 de janeiro em relação ao segundo turno. O aplicativo é gratuito e pode ser baixado para aparelhos Android e iOS.
Quem não justificar a ausência até essas datas deverá pagar uma multa para regularizar a situação com a Justiça Eleitoral. Em geral a multa é de R$ 3,51 para cada turno de ausência e pode ser quitada pela internet – os juízes eleitorais podem alterar o valor dependendo da situação. Ou seja, quem não quiser votar nem sequer precisa sair de casa para fazer a justificativa ou pagar a multa.
“Isso pode ter um impacto real na eleição”, aponta Praça. “O índice de abstenção já é bem alto para um país onde o voto é obrigatório. Quando baixa o custo para se ausentar, o voto fica, na prática, facultativo”, opina.
Em junho, o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, chegou a cogitar a hipótese de anistiar as multas para quem não votasse nas eleições deste ano. Entretanto, o assunto não prosperou e a penalidade foi mantida. Outra possibilidade levantada e rejeitada no TSE era tornar o voto facultativo para maiores de 60 anos e outros grupos de risco. Hoje, o voto é obrigatório para alfabetizados maiores de 18 anos e menores de 70 anos, e facultativo para jovens a partir de 16 anos e para os acima de 70 anos.
Metodologia das pesquisas citadas na reportagem
- O Datafolha ouviu 1092 pessoas em São Paulo, sob encomenda da TV Globo e da Folha de S. Paulo, entre os dias 5 e 7 de outubro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação SP-08428/2020.
- Sob encomenda do jornal Folha de S. Paulo e da TV Globo, o Datafolha ouviu 900 eleitores do Rio de Janeiro, entre os dias 5 e 7 de outubro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação RJ-09140/2020.
- Sob encomenda da TV Globo e do jornal Folha de S. Paulo, o Datafolha ouviu 800 pessoas em Belo Horizonte entre os dias 5 e 7 de outubro de 2020. O levantamento tem nível de confiança de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação MG-09256/2020.
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