O PSL (Partido Social Liberal), que elegeu o presidente Jair Bolsonaro e a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados em 2018, encara neste ano a primeira eleição como um partido grande. O crescimento meteórico – tinha apenas um deputado federal eleito em 2014 – gerou focos de crise interna em algumas capitais do país, seja por problemas de relacionamento e hierarquia ou pela briga por recursos do cobiçado Fundo Eleitoral.
De nanica a gigante, a legenda teve um salto significativo na divisão do fundo para financiar campanhas, consequência da eleição de 52 deputados federais – só ficou atrás do PT, que fez a maior bancada, com 54. Dos R$ 9,02 milhões que recebeu em 2018 pra custear campanhas eleitorais, o partido alcançou R$ 199,4 milhões em 2020.
Desse montante, o diretório nacional do PSL destinou R$ 66 milhões diretamente para candidaturas a prefeito e vereador de todo o Brasil. Os diretórios estaduais e municipais receberam outros R$ 99,9 milhões. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foram coletados pela reportagem da Gazeta do Povo na última quarta-feira (11).
Mas nem todos os candidatos viram alguma parte desse dinheiro cair na conta de campanha. Dos 22.193 concorrentes do partido, 1.434 tinham recebido recursos oriundos do Fundo Eleitoral – ou seja, apenas 6,5%. E, enquanto há candidato com mais de R$ 5 milhões na conta, 714 deles receberam entre R$ 500 e R$ 5 mil.
E é exatamente a divisão de recursos do Fundo Eleitoral que abriu algumas celeumas entre o partido e candidatos em algumas cidades, duas delas em especial: Belo Horizonte e São Paulo.
Candidato a vereador que é filho de deputado recebeu R$ 2 milhões
Na capital paulista, o repasse de R$ 2 milhões ao candidato a vereador Abou Anni Filho, filho do deputado federal Paulo Sérgio Abou Anni (PSL), gerou um racha no partido. A candidata à prefeitura Joice Hasselmann reagiu rapidamente e pressionou a Executiva Nacional do partido por uma explicação.
“O depósito feito pela Executiva Nacional do PSL na conta de um único candidato, em detrimento de outros 82, gerou uma reação imediata. E com razão. Eu, como candidata a prefeita, não poderia deixar de sair em defesa dos meus candidatos e candidatas”, disse Joice em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 13 de outubro. Ela ainda declarou que o episódio demonstrava “amadorismo” de parte dos líderes da legenda.
Na época, Joice havia recebido R$ 1 milhão do Fundo Eleitoral do partido – hoje ela soma R$ 5,9 milhões e é quem mais recebeu recursos do PSL. Após a pressão, o candidato Abou Anni Filho devolveu R$ 1,7 milhão ao partido, mas mesmo assim continuou como o maior beneficiário do Fundo Eleitoral da legenda na campanha a vereador em São Paulo, com R$ 300 mil.
Dos 83 candidatos a vereador na capital paulista pelo PSL, outros 20 receberam recursos do fundo, mas em valores mais baixos. Patricia Navarro angariou R$ 80 mil e os demais receberam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. Na soma, são R$ 320 mil deles contra R$ 300 mil de Abou Anni Filho.
Ex-esposa de ministro recebeu mais do que todos os demais candidatos
Em Minas Gerais, o clima também esquentou por causa do repasse do Fundo Eleitoral. Janaina Cardoso, candidata a vereadora em Belo Horizonte, recebeu R$ 690 mil do diretório nacional do partido. O valor gerou revolta por parte dos outros concorrentes da legenda na cidade, especialmente porque Janaina é ex-esposa do atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Outros 30 candidatos a vereador pelo PSL na capital mineira foram agraciados com dinheiro do Fundo Eleitoral. Entretanto, mesmo somando tudo o que receberam não chega ao valor recebido por Janaina Cardoso. Ao todo, o partido destinou R$ 383 mil aos demais concorrentes em Belo Horizonte.
Logo após a divulgação pelo TSE da transferência para a campanha de Janaina Cardoso, outros candidatos se uniram e divulgaram uma nota conjunta, na qual criticaram o PSL e classificaram o episódio como “imoral”.
“O repúdio, além de ser ao ministro, ex-marido da candidata do próprio partido, também diz respeito à senhora Janaina Cardoso, em uma atitude, mais uma vez, que deteriora o PSL, e que joga na lama o nome de um partido, envolvido, mais uma vez, em escândalo de repasse de verbas públicas, o que deprecia não apenas as candidaturas, mas as histórias de outros candidatos, idôneos, patriotas e conservadores no mesmo cenário”, dizia a nota.
A discrepância de valores não ficou somente na capital de Minas Gerais. No interior, em Juiz de Fora, o repasse de R$ 2,55 milhões para a candidata a prefeita Delegada Sheila também chamou a atenção. Ela é mulher do deputado Charlles Evangelista, também do PSL, e atual presidente do partido em Minas, e que faz parte do grupo político do ministro do Turismo.
O recurso milionário faz dela a quarta candidata que mais recebeu do Fundo Eleitoral do PSL em todo o Brasil. Ela só fica atrás de Joice Hasselmann, Vanda Monteiro, candidata a prefeita de Palmas-TO, e Luiz Lima, que concorre à Prefeitura do Rio de Janeiro. No ranking, ela fica à frente de candidatos do partido em capitais, como Fernando Francischini em Curitiba, Carlos no Recife e Heitor Freire em Fortaleza.
Atrito em Campo Grande
A briga interna no PSL extrapolou questões financeiras e criou um cenário inusitado em Campo Grande (MS), com dois candidatos do partido concorrendo à prefeitura da cidade: Loester Trutis e Vinicius Siqueira. Com o apoio nacional da sigla, o deputado federal Trutis se lançou candidato na capital do Mato Grosso do Sul. Do outro lado, Vinicius Siqueira lançou chapa com o apoio da presidente estadual do PSL, a senadora Soraya Thronicke.
“O vereador Vinicius Siqueira faltou com a palavra comigo, procurou abrigo na Executiva Estadual com a senadora Soraya, sabendo do meu desentendimento com ela”, atacou Trutis em vídeo em rede social. Também pela internet, o vereador respondeu e chegou a chamar o deputado de “traíra”.
A senadora Soraya decidiu destituir a Executiva Municipal do PSL para fazer valer a convenção que escolheu Vinicius Siqueira. “Como presidente estadual do PSL, tenho a responsabilidade, a obrigação e o compromisso de manter o partido no caminho certo”, declarou após entrar com pedido de impugnação da chapa de Trutis.
As campanhas, porém, caminharam em paralelo até o dia 25 de outubro, quando a Justiça Eleitoral indeferiu a candidatura de Trutis. Na decisão, a juíza Joseliza Alessandra Turine argumenta que o deputado federal não foi o nome escolhido pela convenção da legenda.
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