Nos últimos dias que antecedem o primeiro turno das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem buscado incentivar os cidadãos a comparecerem às urnas, a fim de evitar a abstenção de seus potenciais eleitores. “Qual o problema de a gente não votar? Se a gente não votar, perde autoridade moral de cobrar. Então, vejam, é importante comparecer”, disse o petista em comício realizado em São Paulo no final de semana. O presidente Jair Bolsonaro (PL), em uma live nesta terça-feira (27), também pediu para que os eleitores não se abstenham de votar nestas eleições.
O apelo vem diante de um contexto de aumento da abstenção nas últimas eleições – ou seja, do número de cidadãos que estão aptos a votar, mas não comparecem no dia da eleição. O dado não considera eleitores que compareceram e votaram em branco ou anularam o voto.
Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a taxa de abstenção foi de 20,3% no primeiro turno das últimas eleições gerais, de 2018. O não comparecimento foi maior entre eleitores mais velhos, com mais de 70 anos (62,7%, considerando só cidadãos que vivem no Brasil). A faixa de jovens entre 20 a 29 anos aparece na sequência, ainda que com percentual bem menor (20,3%, também sem os eleitores que votam no exterior).
Outra diferença no comparecimento às urnas aparece quando os eleitores são estratificados por grau de instrução. Em 2018, a abstenção foi maior entre analfabetos: 50,8% dos 6,5 milhões de eleitores aptos a votar. Entre os que leem e escrevem, a ausência no dia da votação chegou perto dos 29% (são 13,14 milhões de eleitores deste grupo). As taxas mais baixas de abstenção foram registradas entre os eleitores com ensino superior completo (11,6% dos 13,4 milhões de eleitores), superior incompleto (13,7% dos 7,2 milhões) e ensino médio completo (13,9%, dos 33,5 milhões).
A abstenção vem crescendo a cada eleição geral desde 2006, quando a taxa foi de 16,75% no primeiro turno.
Pesquisas têm dificuldade de captar a abstenção
Especialistas não se arriscam a prever de qual será a abstenção em 2022. Pesquisa do Datafolha (veja a metodologia abaixo) apontou que apenas 3% dos eleitores dizem que não pretendem ir às urnas no próximo dia 2 de outubro. Em outra pergunta, 19% dos respondentes disseram que não têm nenhuma vontade de sair de casa para votar.
No entanto, é difícil que pesquisas consigam captar o nível de abstenção antes das eleições. “É complicado porque nem o próprio respondente sabe se vai votar ou não. É algo sobre o comportamento daquela pessoa no futuro que nem ela mesma tem certeza”, diz Neale Ahmed El-Dash, estatístico fundador do site agregador de pesquisas PollingData.
Segundo ele, institutos de pesquisa nos EUA já aplicam modelos em que tentam prever o comportamento dos respondentes e, a partir disso, estimar as intenções de voto entre os eleitores que de fato vão comparecer. Mas, no Brasil, isso ainda não é comum.
Impacto sobre o resultado
Não é possível saber nem mesmo qual candidato seria prejudicado (ou beneficiado) por uma abstenção alta. Mas os grupos que tiveram taxa mais elevada de não comparecimento nas últimas eleições presidenciais, dos mais velhos e dos mais jovens, têm comportamentos diferentes.
Segundo a pesquisa BTG/FSB, divulgada nesta segunda-feira (26), Lula tem folga maior entre os mais jovens, com 48% das intenções de voto entre eleitores de 16 a 24 anos, frente a 27% de Jair Bolsonaro (PL). A mesma pesquisa indica que, entre os cidadãos com 60 anos ou mais, a vantagem do petista é menor: Lula aparece com 44% das preferências, frente a 35% de Bolsonaro.
“Pode acontecer até de o efeito da abstenção em um grupo [sobre o resultado final] ser cancelado pela abstenção no outro”, diz Daniel Marcelino, analista de dados no JOTA.
Por outro lado, há uma diferença quanto à intenção de voto por grau de instrução. A pesquisa BTG/FSB mostra que a vantagem de Lula entre os eleitores que cursaram até o ensino fundamental é de 29 pontos (56% contra 27%). O resultado é de empate técnico entre os que têm ensino superior: 40% dizem votar em Bolsonaro e 37%, em Lula (a margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos). Neste levantamento, os eleitores com ensino fundamental representavam 39% da amostra, enquanto os eleitores com ensino superior eram 22% do total.
Por que eleitores deixam de votar
Diego Sanches Corrêa, professor de Ciência Política da UFABC (Universidade Federal do ABC), afirma que o aumento do desinteresse dos eleitores pela política é um fenômeno mundial, e não só brasileiro.
Segundo Corrêa, a decisão do eleitor em comparecer ou não às urnas está atrelada a dois tipos de pensamento. De um lado, o cidadão tende a não comparecer porque entende que um único voto não fará diferença no resultado do pleito. “Não significa que seja um eleitor desinformado ou apático, mas, apenas, uma pessoa que acredita que um voto, sozinho, não faz diferença”, diz o professor.
De outro lado, há eleitores que enxergam a participação nas eleições como um dever cívico ou moral, parte de um senso de comunidade. “Quanto mais forte isso for no eleitor, mais ele vai querer votar, independentemente do voto dele, isoladamente, fazer diferença ou não”, explica Corrêa.
O que acontece, diz o professor, é que esse “senso cívico” está se enfraquecendo no mundo todo, o que tem levado a uma tendência de alta na abstenção. Exceções geralmente são pleitos em que há resultados muito apertados, nos quais o eleitor sente que pode influenciar o resultado.
“No cenário atual, em que as pesquisas indicam para um primeiro turno apertado, pode acontecer de eleitores dos dois lados [partidários de Lula e Bolsonaro] se sentirem mais estimulados a comparecer”, diz Corrêa.
Na última pesquisa do Datafolha, Lula aparece com chances de vencer ainda no primeiro turno, já que possui 47% das intenções de voto. Bolsonaro marcou 33%. Levantamento BTG/FSB, por sua vez, mostra o petista com 45%, contra 35% de Bolsonaro, o que indica um segundo turno entre os dois.
Marcelino, do JOTA, lembra, porém, que vários fatores que não são políticos podem influenciar a decisão do eleitor em comparecer, ou não, às urnas.
“Eventos imponderáveis, que não têm nada a ver com a eleição em si, podem interferir. Chuvas, desastres, até mesmo o gasto para se locomover até a seção eleitoral…São eventos aleatórios que podem afetar o resultado da eleição se a disputa entre os candidatos estiver muito acirrada”, explica.
Metodologia da pesquisa citada
Datafolha: A pesquisa do Datafolha foi encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo e pela TV Globo. O levantamento ouviu 6.754 eleitores em 343 cidades. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%. O registro no TSE é o BR-040108/2022.
BTG/FSB: O Instituto FSB Pesquisa ouviu, por telefone, dois mil eleitores entre os dias 23 e 25 de setembro de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pelo banco BTG Pactual e está registrada no TSE com o protocolo BR-08123/2022.
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