A movimentação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para atrair o apoio do centro, na forma de concessões na agenda econômica, tem gerado disputas dentro da campanha. A principal delas é sobre a política fiscal que será implementada no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior e que Lula já deixou claro que pretende revogar.
Na avaliação do candidato petista e de parte dos seus aliados, o teto engessa o investimento público, penalizando áreas como saúde, educação e infraestrutura, entre outros.
"Responsabilidade fiscal não tem que estar numa lei, tem que ser responsabilidade do dirigente. Sou contra o teto de gastos, porque, na verdade, o que se fez foi cortar investimentos da educação. Eu quero garantir o dinheiro da carne, do feijão, do arroz. E é isso que vamos fazer", disse Lula, no Twitter, nesta quinta-feira (6).
A grande questão é que a candidatura do ex-presidente não disse e muito menos detalhou, até agora, o que será implementado no lugar do teto. E isso gera insegurança no mercado financeiro e em setores do empresariado. Parte desse "mistério" se explica por divergências que ocorrem dentro da própria campanha de Lula entre as alas política e econômica, que ainda não chegaram a um consenso.
A ala política defende o resgaste do modelo de metas de superávit primário sem uma regra de controle de gastos, enquanto o outro grupo quer permitir um aumento das despesas acima da inflação, mas sob condições específicas. Uma das ideias seria adotar um regime de "bandas" para a meta fiscal, de forma a permitir a alta de gastos como medida anticíclica em caso de desaceleração da economia.
Em meio a esse embate, nomes ligados ao ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice na chapa de Lula, têm ganhado protagonismo nas discussões sobre uma alternativa a atual âncora fiscal que garanta o equilíbrio das contas do governo em caso de vitória no segundo turno sobre Jair Bolsonaro (PL).
Logo após o resultado do primeiro turno, integrantes da campanha aconselharam Lula a detalhar sua agenda econômica como forma de atrair eleitores de centro e centro-direita. O que se deseja é que Lula apresente propostas concretas para a economia e faça sinais que beneficiem a classe média.
A avaliação é de que a estratégia poderia barrar a narrativa de que o "Brasil pode virar uma Venezuela", caso Lula vença a eleição, usada pelos adversários do petista. Apesar disso, a coordenação da campanha argumenta que a "nova regra dependerá das condições fiscais que o novo governo irá encontrar e do processo de negociação democrática com o Congresso Nacional e a sociedade brasileira".
"A coordenação do programa de governo da chapa Lula-Alckmin reafirma o compromisso do presidente Lula com a construção de um novo regime fiscal que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade. Esse compromisso e a revogação do atual teto de gastos, que perdeu toda credibilidade com Bolsonaro, estão expressos no documento do nosso programa de governo registrado junto ao TSE", informou a campanha em nota.
Campanha de Lula quer engajamento de Tebet na agenda econômica do PT
Com o avanço do grupo de Alckmin sobre as discussões econômicas, propostas da senadora Simone Tebet, que disputou à Presidência pelo MDB no primeiro turno, devem ser incorporadas pela campanha de Lula. A avaliação é de que um engajamento da emedebista na campanha pode favorecer Lula em redutos do Sudeste e alguns setores da economia.
O anuncio do apoio de Tebet ao ex-presidente ocorreu depois de um telefonema ao petista e de um almoço com Geraldo Alckmin na casa da ex-senadora Marta Suplicy (Solidariedade), em São Paulo. Aos integrantes da chapa de Lula, Tebet sinalizou que a vitória de Lula não veio no primeiro turno porque, ao fazer a busca pelo voto útil, ele não apresentou propostas claras para o eleitorado.
Como a Gazeta do Povo mostrou, a campanha de Lula optou por não apresentar a versão final de seu plano de governo sob o argumento de queria atrair apoios fora do campo da esquerda antes do primeiro turno. Agora, líderes da articulação petista acreditam que possam dar destaque para as propostas apresentadas por Tebet como forma de sinalizar ao eleitorado de centro.
"Meu apoio é por projetos que defendo e ideias que espero ver acolhidas. Dentre tantas que julgo importantes, destaco cinco, tendo sempre a responsabilidade fiscal, âncora fiscal, como meio para alcançar o social", disse a emedebista.
A manutenção do teto de gastos não foi apresentada como condicionante do apoio de Tebet à candidatura de Lula. A emedebista defendeu, no entanto, zerar filas na educação infantil e ensino médio técnico, além de uma poupança de R$ 5 mil ao jovem que concluir o ensino médio; zerar as filas de cirurgias, consultas e exames com repasse de recursos ao SUS; resolver o problema do endividamento das famílias; sancionar lei que iguale salários entre homens e mulheres; e criar um ministério plural, com homens, mulheres e negros, tendo competência como requisito.
Além de viagens pelos estados do Sudeste, região que concentra 42% do eleitorado, a campanha de Lula trabalha para que Tebet também apareça nas peças da propaganda eleitoral no rádio e na TV do PT. Após o acordo, Lula classificou o posicionamento dela como “muito digno” e disse que as reivindicações da emedebista podem ser atendidas.
Ala da campanha defende indicação de Alckmin como ministro da Fazenda
Uma ala da campanha de Lula tem defendido que Geraldo Alckmin seja indicado como futuro ministro da Fazenda ainda neste segundo turno. Na avaliação desse grupo, a indicação seria uma clara sinalização ao mercado sobre as agendas econômicas de governo petista. Atualmente, a pasta comandada pelo ministro Paulo Guedes é chamada de Ministério da Economia.
A antecipação da indicação, no entanto, enfrenta resistência tanto por parte de Lula quanto de Alckmin. De acordo com o petista, anunciar nomes de eventuais ministros antes do resultado da eleição significaria chatear aliados que ficariam de fora.
"Se eu tiver 10 economistas aqui e escolher 1 para indicar como ministro agora, eu perco os outros 9. Primeiro eu tenho que ganhar as eleições. E não vai ser só com o meu partido que eu vou construir", escreveu Lula no Twitter.
O candidato do PT já disse que pretende ter um político experiente no cargo. Para os que defendem a indicação do vice, a avaliação é de que Alckmin teria condições de transitar entre os diversos grupos do Congresso Nacional a partir de 2023.
Nesta semana, Lula recebeu o apoio de quadros ligados ao PSDB, antigo partido de Alckmin. Além da declaração de voto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a campanha ganhou o endosso de economistas criadores do Plano Real, como André Lara Resende, Persio Arida e Edmar Bacha, do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.
"Vou montar o governo não apenas com o meu partido e meus aliados aqui. Tem gente de fora que vai participar. E eu fico feliz quando vejo economistas importantes, economistas que trabalharam com Fernando Henrique Cardoso, que trabalharam com o Temer, que trabalharam com o Sarney, dedicando o voto na minha candidatura", disse Lula na quinta.
A avaliação de integrantes do PT é que o nome de Alckmin e o apoio de economistas ligados ao PSDB reforçam a sinalização de que o petista vai fazer uma gestão centrada e com respeito à responsabilidade fiscal na área econômica. Nos últimos dias, durante encontro com investidores, o vice de Lula evitou cravar se pretende ocupar um cargo de ministro, mas destacou que terá um papel importante no governo, que definiu como o de um co-piloto.
Declarações de Boulos sobre agenda econômica geram desgastes na campanha de Lula
Articuladores da campanha de Lula afirmam que, apesar da vantagem no primeiro turno, o petista vai precisar "ser mais centro e menos esquerda" para vencer Bolsonaro no segundo turno. Nessa movimentação, líderes do partido avaliam que a declaração de Guilherme Boulos (Psol) sobre as pautas econômicas no programa Roda Viva, da TV Cultura, gerou ruídos na estratégia de levar a campanha para o centro.
Boulos, que se elegeu deputado federal por São Paulo, afirmou que a composição de Lula com Alckmin não teria impactos na agenda econômica que eventualmente será adotada pelo PT. "Alckmin foi posto como expressão de uma frente democrática anti-Bolsonaro. Em nenhum momento, as ideias liberais do Alckmin foram incorporadas ao programa de governo”, disse.
Membros do partido rechaçaram a declaração de Boulos e destacaram que Lula vem sinalizando publicamente que Alckmin terá papel de destaque no governo. "Queremos mais Lula ao centro e mais Alckmin na campanha. Essa é a fórmula para vencermos o segundo turno. Declarações de fora da campanha não ajudam muito", afirmou um interlocutor da campanha do PT.
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