Simone Tebet (MDB), senadora e ex-presidenciável, declarou apoio a Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 2022| Foto: Divulgação/Flickr Simone Tebet
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A tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se aproximar do agronegócio neste segundo turno da eleição por meio dos apoios da senadora Simone Tebet (MDB), contra quem concorreu no primeiro turno, e Kátia Abreu (PP), líder da bancada ruralista no Senado, pode não surtir o resultado esperado – e tensionar ainda mais a relação já conturbada com o setor.

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Isso porque empresários do agronegócio se dizem decepcionados e não mais representados por elas, por não terem atendido demandas do setor no Congresso. No caso de Tebet, uma das apostas de Lula para conquistar votos de indecisos neste segundo turno, a tarefa pode ser ainda mais difícil.

Ao apoiar o petista em Mato Grosso do Sul, um estado que votou majoritariamente no presidente Jair Bolsonaro (PL) – ele teve 52,7% dos votos no primeiro turno –, Simone estaria, segundo os ruralistas, aceitando propostas que vão contra os anseios deles, como o desarmamento. E, ainda, encampando um discurso, segundo eles, ruim para o setor no mercado internacional por questões ambientais que eles dizem ser "protecionismo dos europeus".

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Aliás, esse foi o discurso usado por Kátia Abreu, que foi ministra da Agricultura no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), para justificar o apoio a Lula neste segundo turno. Em vídeo publicado nas redes sociais em 10 de outubro, ela afirmou que a nova lei aprovada pelo Parlamento Europeu no dia 13 de setembro, que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas, fará o Brasil ter uma quebra no mercado internacional. Segundo a senadora, a legislação foi motivada pelo desmatamento ilegal de 13 mil quilômetros quadrados da Amazônia desde 2019, a partir do atual governo.

“Votar no Lula não é uma ameaça às nossas fazendas e ao agronegócio. Neste momento, só ele pode conseguir reverter essa situação caótica”, disse no vídeo, citando que o setor pode sofrer perdas irreparáveis no comércio exterior de soja e carne bovina, “nossos dois principais produtos de exportação”.

No entanto, José Eduardo Sismeiro, presidente interino da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), a commodity mais exportada do país, diz que as justificativas dadas por Tebet e Kátia não se sustentam, que elas não representam os ruralistas e não terão a adesão deles na campanha.

De acordo com ele, Kátia Abreu, em especial, não deu andamento a uma pauta importante do setor no Senado, o que acabou afetando sua reeleição no Tocantins – ela perdeu para Professora Dorinha (União Brasil), que teve 50,42% dos votos.

“A senadora Kátia Abreu estava com uma pauta na mão, de licenciamento ambiental, que nós pedimos e imploramos colocar pra frente, e ela não colocou. Uma líder do agronegócio que não ajuda, nós não a reconhecemos. Era uma pauta muito importante para nós, tanto é que produtores do Tocantins não se aliaram a ela”, disse, referindo-se a um projeto de lei que propõe flexibilizar o licenciamento ambiental e do qual Kátia é relatora no Senado. O texto está parado na Comissão do Meio Ambiente desde agosto.

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Por conta disso, diz, os produtores estão a procura de um novo líder do setor no Senado – que pode ser a deputada federal Professora Dorinha, eleita senadora para a próxima legislatura com a suplência de um membro da Aprosoja-TO. Já na Câmara, quem tem atendido aos anseios dos ruralistas é o deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), reeleito para mais um mandato com 105 mil votos, também apoiador do atual presidente.

Já o apoio de Simone Tebet a Lula é visto como se ela tivesse virado as costas ao próprio estado. Sismeiro diz que o Mato Grosso do Sul é totalmente contra a eleição do ex-presidente.

No primeiro turno da corrida presidencial, Lula teve 39,04% dos votos no estado – em todo o Centro-oeste somou 37,8%, contra 53,8% de Bolsonaro.

“Não tivemos auxílio dela pra nada. Na campanha para presidente, os produtores do Mato Grosso do Sul não gostaram da atuação dela por ter sido contra o presidente Bolsonaro, e agora apoiando o ex-presidente Lula”, conta.

Insegurança jurídica e falta de comprometimento

A crítica também é feita por Fábio de Salles Meirelles, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp). Para ele, há um entendimento de que as demandas do setor foram atendidas ao longo do governo de Jair Bolsonaro, o que justificaria apoiá-lo neste segundo turno, e não a Lula, como pedem as parlamentares.

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“O presidente Jair Bolsonaro sempre demonstrou entender nosso papel na garantia da segurança alimentar e na geração de emprego e renda, por meio de uma produção reconhecidamente sustentável. Diferentemente de seu concorrente, ele faz na prática o que diz em seu discurso, honrando seu comprometimento com o agro”, diz ressaltando que eleger Lula seria trabalhar “no sobressalto da insegurança jurídica”.

Esse ponto é rebatido por Simone Tebet, que entrou na campanha de Lula para aproximá-lo do setor, principalmente após ele classificar parte dos empresários como fascistas e direitistas, em uma entrevista ao Jornal Nacional, no começo do primeiro turno. O candidato tentou se corrigir ao longo da campanha, mencionando que estava se referindo apenas a alguns que não têm compromisso com o agronegócio sério e com o comércio exterior. Mas a fala ficou marcada e se somou à desconfiança de que, se Lula for eleito, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) voltaria a invadir as propriedades.

Em um encontro com empresários em São Paulo no começo desta semana, Tebet rebateu as críticas e lembrou que o agronegócio evoluiu ao longo das duas gestões do petista, mesmo com alguns equívocos que, segundo ela, “não serão repetidos”.

“Temos expertise, tecnologia de ponta, sabemos como fazer, então não há o que temer, não tem por que temer. Se estou desse lado, peço que fiquem tranquilos porque aqui teremos guarida, num governo que será do diálogo, da moderação”, disse a emedebista a jornalistas antes do encontro, que contou também com a presença da deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) e do economista Armínio Fraga.

Parte do agro apoia Lula, mas teme represálias

O discurso de Tebet é semelhante à opinião de Carlos Ernesto Augustin, um dos poucos empresários do agronegócio que revela abertamente o voto em Lula nesta eleição. Dono de uma das maiores produtoras de sementes de soja do país, a Petrovina, e um dos fundadores do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), Teti, como é conhecido, diz que ruralistas brasileiros apoiadores do ex-presidente preferem manter o silêncio por medo de represálias.

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Em entrevista à Gazeta do Povo, Teti diz que o sentimento antipetismo do agronegócio não tem nada a ver com economia ou retrocesso nas políticas agrárias, "mesmo com os avanços durante as gestões de Lula na Presidência". Para ele, houve uma "exacerbação do conservadorismo extremo", com toda a discussão em cima apenas da questão ideológica.

“Estamos vivendo uma barbárie. Eu mesmo sou massacrado nas redes sociais, virou um ódio generalizado. Não tem nada a ver com economia, e sim com uma ideologia que não tem nada de verdade. Imagina falar que o PT vai trazer o comunismo, [que vai ser] Nicarágua e Venezuela, que as fazendas vão ser invadidas, as igrejas fechadas, e o agricultor acredita. Não existe nada disso”, analisa.

Isso fez os agricultores, segundo Teti, levantarem uma bandeira que é impossível de ser revertida neste momento da eleição. Ele próprio diz que já desistiu de “insistir” com os produtores.

No entanto, o empresário acredita que esse apoio explícito do setor a Bolsonaro não passa de uma ideologia momentânea que irá se dissipar logo no dia seguinte da eleição, se Lula sair vitorioso das urnas. O mesmo, segundo ele, deve acontecer com os deputados federais eleitos, a maioria da base do atual presidente.

“É só ver quem é o Centrão [título dado ao grupo de partidos políticos que não tem uma orientação ideológica específica], os deputados são pragmáticos e o próprio agronegócio também. No dia seguinte, todos vão se sentar e conversar com quem for eleito, independente da ideologia, e tudo vai voltar ao normal”, diz.

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Isso vai acontecer principalmente se Lula for eleito, o que Augustin acredita ser mais vantajoso para o setor. Para ele, o petista tem mais condições de conseguir financiamento externo para o desenvolvimento do campo.

“Não consigo nem imaginar o Bolsonaro indo para a Europa pegar dinheiro barato, com juros muito baixos, para implantar ações como a conversão de 30 milhões de hectares de pastagens degradadas em lavouras e economia de baixo carbono, entre outras", diz Teti.

Possível perda do mercado europeu é "puro protecionismo"

Apesar do cenário favorável apresentado por Carlos Ernesto Augustin, os empresários que declaram voto em Bolsonaro são mais céticos até mesmo pelas ações propostas por Lula e justificativas apresentadas pelas senadoras.

O medo da volta das invasões, a possibilidade de desarmamento do campo e, até mesmo, boatos que circulam nas redes sociais de se convocar líderes de movimentos sociais para ocuparem ministérios são alguns dos argumentos citados por eles para evitar o voto no ex-presidente.

Além disso, os produtores também contestam a afirmação de que o Brasil pode ter uma quebra no comércio exterior por conta das restrições que vierem a ser impostas pela Europa. José Eduardo Sismeiro, da Aprosoja, diz que os europeus estão agindo com protecionismo para suas próprias produções.

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“O Brasil é exemplo para o mundo no agronegócio, o Parlamento Europeu está fazendo isso para se proteger. A Europa consome muito pouco dos nossos produtos, mas, ainda assim, é cliente nossa. O custo que eles têm para produzir lá é muito maior que o nosso, o subsídio que eles dão para o produtor deles é enorme, nós nem de longe temos isso aqui. É totalmente uma questão de protecionismo”, analisa.

Com isso, o custo da produção dos grãos é mais alto na Europa do que no Brasil, fazendo com que os europeus prefiram importar a comprar o de lá – o que explica a necessidade de fechar o mercado local ao produto brasileiro. Um estudo do Insper publicado no começo do mês aponta que as importações de soja e carne bovina representam 45% e 32% das compras da União Europeia, respectivamente.

O argumento de Sismeiro encontra eco na análise de Eugênio Stefanello, mestre e professor de economia rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ex-secretário da agricultura do estado. Munido de dados deste ano da Embrapa Territorial, uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, ele conta que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente em equilíbrio com a produção do agronegócio.

“Não existe um país do mundo, na Europa, ou os Estados Unidos, que os produtores da agropecuária preservem mais do que o Brasil. O Código Florestal é claro quanto a isso, a preservação da camada original de florestas chega a, no mínimo, 80% da área das propriedades dependendo da região do país”, explica. No apanhado dos dados, 67% do território brasileiro é constituído de mata nativa, e 33% disso está dentro das propriedades rurais.

Segundo o Insper, a medida de proteção ambiental imposta pelo Parlamento Europeu deve afetar especialmente as regiões de fronteira agrícola brasileira, como o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), em que “ainda existem grandes áreas passíveis de desmatamento legal". "Importante destacar também que para a Europa não interessa se o desmatamento é ilegal ou legal. Essa distinção não é feita – o que os europeus desejam é se verem livres da culpa do consumo de produtos associados ao desmatamento", afirma a instituição.

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O questionamento feito no estudo do Insper é semelhante ao da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), de que se deve separar a produção das áreas de desmatamento legal das ilegais.

“Nós também somos contra o desmatamento ilegal, mas ficar batendo com inverdades não leva a lugar nenhum. É claro que o produtor gostaria de ver o Bolsonaro por mais quatro anos. Mas, indiferente de quem ganhar democraticamente, vai ter que conversar para aparar as arestas”, finaliza Sismeiro, presidente da Aprosoja.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]