O presidente Jair Bolsonaro (PL) começa a ceder ao pragmatismo político nas eleições deste ano e avança na construção de palanques até mesmo em estados em que governadores aliados tomaram medidas que o desagradaram recentemente. As composições no Distrito Federal e no Mato Grosso do Sul são exemplos destacados no Palácio do Planalto.
Os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), estão entre os 12 mandatários estaduais que, em junho, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação contra a lei sancionada por Bolsonaro que fixou um teto para o ICMS sobre combustíveis. Os outros dez governadores são todos de oposição ao governo federal.
A decisão tomada por Ibaneis e Azambuja irritou Bolsonaro, admitem interlocutores do Palácio do Planalto. A contrariedade se deve ao fato de que o emedebista é o pré-candidato com quem o presidente deve dividir palanque no Distrito Federal. Já o tucano articula palanque com o chefe do Executivo para seu candidato a sucessor, Eduardo Riedel (PSDB), ex-secretário de Infraestrutura de Mato Grosso do Sul.
O incômodo gerado a Bolsonaro chegou ao ponto de ele desabafar aos mais próximos sua insatisfação e a possibilidade de não dividir palanque com Ibaneis e Riedel. No DF, ele considerou se aliar ao ex-governador José Roberto Arruda (PL), que recuperou seus direitos políticos graças a uma liminar do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins. No fim, porém, Arruda renunciou a sua pré-candidatura em apoio ao emedebista. No Mato Grosso do Sul, cogitou o deputado estadual Capitão Contar (PRTB).
O núcleo político de Bolsonaro atuou para convencê-lo do contrário e entende que o tema está pacificado. Inclusive, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP e um dos coordenadores eleitorais da campanha à reeleição, participou de uma reunião na quarta-feira (13) para selar uma aliança entre MDB, PP e Republicanos no DF em apoio a Bolsonaro. Na terça-feira (19), o PL embarcou na coligação.
No Mato Grosso do Sul, o palanque ainda não está sacramentado, mas as conversas estão bem avançadas no sentido de selar uma coligação entre PSDB, PP, PL e Republicanos em apoio a Riedel. À Gazeta do Povo, o ministro da Casa Civil demonstrou confiança em torno dos diálogos e minimizou a ação do governador Azambuja no STF. "Não compromete [a formação do palanque], o partido e o governador têm sua autonomia", destacou Nogueira.
O que a aliança no DF diz sobre o pragmatismo político de Bolsonaro
O apoio de caciques políticos aliados de Bolsonaro ao governador Ibaneis Rocha é tido no Planalto como trunfo para o anúncio do palanque a Bolsonaro. Além de Ciro Nogueira, o emedebista também é apoiado pelo presidente do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP), e pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, igualmente influentes no núcleo de campanha.
O entendimento de Costa Neto era de que o ex-governador José Roberto Arruda deveria disputar a Câmara dos Deputados e honrar o acordo selado com o MDB que asseguraria a vaga ao Senado na chapa de Ibaneis para a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), ex-ministra-chefe da Secretaria de Governo e esposa do ex-governador. Foi o que aconteceu, com o aval de Bolsonaro e esforços de Costa Neto para viabilizar a costura.
Sem o PL na coligação entre MDB, PP e Republicanos, o cenário vigente no DF até terça-feira tinha a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, como pré-candidata ao Senado. Flávia lançaria pré-candidatura à Câmara dos Deputados. Contudo, a coordenação eleitoral de Bolsonaro preferiu ter Damares como pré-candidata a deputada federal por entender que ela seria mais importante para a campanha presidencial.
Bolsonaro também não se sentia inteiramente convencido sobre um palanque com Ibaneis. Para ele, seria mais cômodo apoiar Arruda pelo chamado efeito do "voto de legenda", quando o eleitor opta por votar no partido e não em um nome específico, e pela resistência que parte de seu eleitorado tem em relação ao emedebista.
Contudo, interlocutores palacianos ponderam que Bolsonaro ficou mais receptível à ideia de dividir palanque com Ibaneis e disposto a fazer uma análise pragmática de seu palanque no DF após o acordo que sela a coalizão entre Arruda e o emedebista ter o aval de Damares.
Como Damares ajudou na construção do palanque de Bolsonaro no DF
Embora não componha mais a chapa majoritária de Ibaneis, a confirmação de Damares como um dos nomes a ser apoiado pelo governador à Câmara dos Deputados foi decisiva para "homologar" a aliança e reduzir resistências que Bolsonaro tinha em relação ao palanque. O emedebista é tido no Planalto como um pré-candidato que não é nem favorável, nem contrário ao presidente da República, afirmam interlocutores.
A presença da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos no palanque dá mais confiança a Bolsonaro. Damares conta com a admiração do presidente, a ponto de ter sido sondada e cotada como pré-candidata a vice na chapa presidencial. Ela é fiel a ele e vista pela base mais ideológica do governo como alguém que não se curvaria a vontades e pressões político-partidárias. Também tem tido papel-chave para ajudar a consolidar votos entre mulheres e evangélicos à candidatura do chefe do Executivo.
À Gazeta do Povo, Damares rejeita o rótulo de ter sido a responsável por sacramentar o palanque construído para Bolsonaro e afirma que o MDB no DF já havia manifestado anteriormente que apoiaria o presidente da República. "O governador Ibaneis nunca falou que seria contra Bolsonaro. Eu vindo não significa que estou fechando isso; eu vim porque isso já estava fechado. Eu não viria para ficar com um governador que não fosse Boslonaro, nunca. Vim com a certeza de que estou no lugar certo", declarou.
Sobre a ação de Ibaneis no STF, Damares entende que é um assunto já pacificado. "O governador Ibaneis, assim como o presidente, tem toda uma assessoria técnica. E o governador é muito técnico, não é essa figura política, é uma figura técnica. Ele acabou ouvindo os técnicos dele, mas acho que isso já está superado. Se houve algum ruído entre Ibaneis e Bolsonaro, são pequenos, ruídos que podem ser superados, e teremos um palanque original e legítimo bolsonarista", afirmou.
Em fala na reunião que selou a aliança no DF na última semana, Ibaneis disse que se consolida um "belíssimo palanque" para Bolsonaro. "[O presidente] não precisa ter dúvidas do nosso apoio, aliás, eu acredito que ele nunca tenha tido dúvidas desse apoio", comentou. "Desde o início, quando nos encontramos com o presidente, nós sempre o tratamos com todo o respeito, com toda a dignidade que ele merece, e eu posso garantir que eu faço isso não pela amizade pessoal que eu tenha com o presidente, mas por tudo e com tudo que ele tem feito pela população do Distrito Federal", complementou.
O governador do DF afirmou à imprensa, porém, que a aliança foi selada independentemente de Bolsonaro. "A política do Distrito Federal é tratada por nós entre os presidentes dos partidos no DF, com todo o respeito ao presidente Jair Messias Bolsonaro. Mas eu acho que a política daqui tem que ser tratada dentro do DF. O apoio a ele não é condicionante ou o apoio dele à chapa não foi em momento nenhum condicionante para a nossa candidatura", disse.
Interlocutores do governador admitem que o emedebista não pode ser apontado como um aliado da base ideológica do presidente e que ele discorda de muitas coisas em relação a Bolsonaro, como as críticas ao sistema eleitoral, e concorda com outras por terem alinhamentos em determinadas pautas. No caso da contestação dos combustíveis, ponderam que ele se pautou por alertas de sua equipe técnica.
Como está a construção da aliança de Bolsonaro com o PSDB em MS
O pragmatismo político de Bolsonaro também foi colocado à prova em Mato Grosso do Sul. O presidente não gostou da ação do governo sul-mato-grossense no STF e até flertou com a ideia de apoiar o deputado estadual Capitão Contar (PRTB), quadro político alinhado à base eleitoral mais ideológica do governo. Porém, interlocutores palacianos afirmam que a relação com o PSDB no estado está superada e caminha para a confirmação de uma aliança.
O fato de o Mato Grosso do Sul ser um dos estados onde Bolsonaro dispõe de "palanques duplos", ou seja, a presença de dois aliados disputando um mesmo cargo majoritário, deixou o presidente confortável para sondar opções, mas ele foi convencido por seu núcleo político de que o caminho natural é apoiar a eleição do tucano Eduardo Riedel.
Alguns motivos são destacados no núcleo de campanha para Bolsonaro e Riedel caminharem juntos no estado. Entre eles, o fato de que o PSDB ainda mantém o controle da máquina pública sob a gestão do governador Reinaldo Azambuja, que quer fazer seu sucessor. Outro fator destacado é o apoio à pré-candidatura tucana nos municípios. Dos 79 prefeitos, 73 apoiam o tucano.
Ao fim de junho, mesmo após a ação dos governadores no STF, Bolsonaro foi a Campo Grande para a inauguração de 300 apartamentos populares. Em uma sala reservada na base aérea, teve uma reunião privada com Riedel e Azambuja para discutir a construção do palanque. Após a reunião, o pré-candidato ao governo foi convidado pelo presidente a acompanhá-lo em sua carreata até a solenidade.
Após a cerimônia de entrega de apartamentos, porém, Bolsonaro seguiu o trajeto de volta à base aérea em motociata com o deputado Contar. Apesar do gesto ao pré-candidato do PRTB, o deputado federal Dr. Luiz Ovando (PP-MS), vice-presidente estadual do partido, entende que o palanque do presidente será fechado com o PSDB. "Ele só não desprezou os outros. O presidente está buscando uma saída equilibrada e harmônica com os interesses do estado", afirma à Gazeta do Povo.
A construção de um palanque com os tucanos no Mato Grosso do Sul não é recente. Há cerca de um ano e meio, Bolsonaro viajou a Corumbá (MS) acompanhado de Azambuja e ambos dialogaram no avião presidencial sobre a hipótese de montagem de palanque. O presidente pediu apoio à pré-candidatura ao Senado da então ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP-MS), e o governador pediu apoio para fazer seu sucessor.
Por que Tereza Cristina é a fiel da balança para selar o palanque
Tal como Damares no Distrito Federal, Tereza Cristina é quem deve ajudar Bolsonaro a selar a aliança com o PSDB. Os tucanos receberam a liberação da executiva nacional do partido, que apoia a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS), para montarem o palanque com quem quiser.
A ex-ministra da Agricultura também tem a confiança do presidente e, apoiada pelo núcleo político, chegou a ser cogitada como pré-candidata a vice na chapa presidencial. O núcleo eleitoral de Bolsonaro entende que o tempo dela no governo a ajudou a elevar seu capital político e consolidar sua pré-candidatura ao Senado.
A pré-candidatura de Tereza na chapa do PSDB tranquiliza o presidente na montagem de seu palanque em um estado com forte influência do setor agropecuário e com um eleitorado majoritariamente de direita, destaca o deputado Luiz Ovando.
"A tendência é apoiar o Bolsonaro e, sendo assim, o Reinaldo Azambuja e o Riedel sabem que o presidente já acenou nessa direção a eles, embora haja uma resistência partidária tanto de um lado e do outro, de aceitar o PSDB e do PSDB aceitar o pessoal que compõe a coligação. Mas os dois lados veem que não tem jeito de sobreviverem sem a ajuda e bênção do presidente", avalia.
O vice-presidente do diretório do PP em Mato Grosso do Sul mostra confiança na confirmação do palanque e entende que essa será a aliança vencedora nas eleições. "O Riedel tem crescido, falei com a Tereza ontem [quarta-feira, 20] e já está muito bem. E os prefeitos ainda vão ajudar bastante, vamos fazer o que é possível", sustenta. "Quero crer que essa construção é a mais provável em termos de rendimento de frutos futuros. E o presidente sabe disso", acrescenta.
Ovando não descarta a presença do PRTB na coligação com a renúncia da pré-candidatura do Capitão Contar, mas pondera que será necessário uma conversa entre os partidos. "Há disposição para um diálogo no sentido de fazer com que o Contar saia e isso é possível acontecer, porque ele já está mostrando que bateu no teto e não decola mais. Mas isso vai depender dos quatro partidos", diz.
Embora a construção do palanque com o PSDB não agrade os eleitores da base eleitoral mais "raiz" de Bolsonaro, Ovando defende que a prioridade é dar continuidade ao crescimento e desenvolvimento do estado. "O presidente tem enfrentado dificuldade dos apoiadores mais radicais em aceitar o PSDB, mas aceitam o presidente, então vão ter que engolir isso aí", analisa.
A avaliação do PP no estado e dos outros partidos que compõem a base de Bolsonaro é de que a aliança com os tucanos é a mais provável para ampliar os votos, mesmo após a ação do estado no STF.
À Gazeta do Povo, Riedel diz que o palanque está definido e que a composição da chapa pretende reunir toda a base política do presidente no estado, com destaque para a pré-candidatura de Tereza ao Senado. "A aproximação é natural, uma vez que há alinhamentos de propósitos, um histórico de parceria e um esforço para unificar as forças centro-direita, em um projeto sólido e próspero, com forte compromisso com a reeleição do presidente. A aliança está muito madura e consistente, e com as bases lançadas para uma grande e vitoriosa jornada", sustenta.
O pré-candidato do PSDB entende, ainda, que a ação no STF não é um entrave para as negociações. "A discussão macroeconômica é institucional e não eleitoreira. O Brasil precisa de uma ampla reforma tributária, para, inclusive, por fim à guerra fratricida entre os estados. Essa é uma política de Estado, e não eleitoral, por isso não compromete a aliança em torno da reeleição do presidente Bolsonaro", comenta.
"Tanto é assim que, em Mato Grosso do Sul, o governador Reinaldo Azambuja reduziu o ICMS da gasolina e nós já temos o menor ICMS de diesel do país. Essa questão não impede o debate futuro sobre a política tributária brasileira", acrescenta Riedel.
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