O governo federal comemora o convite feito pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que o Brasil inicie as negociações para integrar o chamado "clube dos países ricos". Segundo técnicos do Palácio do Planalto e por integrantes do núcleo político é de que o governo e o presidente Jair Bolsonaro (PL) podem se beneficiar politica e eleitoralmente desse convite. Ser membro da OCDE garante ao país uma espécie de selo de nação que adota boas práticas em prol do livre mercado e da democracia.
A análise feita por assessores do Planalto é de que o convite mostra que, apesar da pandemia e de seus impactos, o Brasil ainda é um ator mundial atrativo no mercado externo, a despeito das críticas que o atual governo recebe no exterior. "A adesão à OCDE é algo que já ronda há tantos governos e ninguém teve êxito. Com toda a certeza melhora muito a visão do governo e isso certamente será explorado na campanha", pondera um interlocutor do Planalto.
O núcleo político do governo, por sua vez, já traça estratégias em como incorporar o convite ao Brasil no discurso de Bolsonaro. Embora o pedido para o ingresso na OCDE ter sido feito no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), a meta é captar os bônus políticos ao destacar os feitos da atual gestão ao longo dos últimos três anos que levaram o país a ser considerado um potencial sócio do clube dos países desenvolvidos.
O governo acredita que possa extrair vantagens políticas e eleitorais. Do ponto de vista político, a ideia é atribuir o convite ao sucesso das políticas externa e econômica. Essa imagem será repassada a investidores, empresas e a atores da política externa. Já pela ótica eleitoral, o intuito é que Bolsonaro explore o convite de ingresso na OCDE de uma forma simples e didática em seu discurso.
Governo pretende usar convite da OCDE para rebater críticas internas e externas
O governo tem motivos para acreditar que possa tirar proveitos políticos e eleitorais do convite para aderir à OCDE. Contudo, o alcance de seu uso estará muito mais no campo discursivo do que prático. Isso porque, em média, o processo de adesão à organização leva de 3 a 4 anos e, em alguns casos, o prazo pode se estender por mais tempo.
De toda a forma, o proveito discursivo já atende a boa parte das expectativas do governo e de Bolsonaro. Criticado no Brasil e e internacionalmente como suposto "pária", o Planalto acredita que o convite possa ser utilizado para rebater os críticos e destacar o governo como um importante ator nos fóruns econômicos e internacionais em 2022.
O governo estudar inserir os esforços feitos e os que virão pela frente para o Brasil entrar na OCDE no discurso a ser levado ao Fórum Econômico Mundial, que ocorre este ano entre 22 a 26 de maio, em Davos, na Suíça. Sessões virtuais foram realizadas na última semana, período que estava previsto para ocorrer o fórum.
Já em setembro, é esperado que Bolsonaro inclua em seu discurso de abertura na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) o convite recebido do clube dos países ricos. Em 2019 e 2020, o presidente fez referências à OCDE em sua fala. Mas, em 2021, não houve citação direta sobre a meta em aderir à organização.
Também existe a expectativa de que o tema sobre a adesão ao clube dos países ricos esteja permeado nas falas do vice-presidente Hamilton Mourão na Cúpula do Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul), bloco de cooperação criado para enterrar a União das Nações Sul-americanas (Unasul). Argentina e Peru são outros países da América do Sul que foram contemplados com o mesmo convite da OCDE.
A ideia do governo é abordar junto a investidores e em fóruns internacionais como o convite à OCDE reconhece o Brasil como um país estável para a atração de investimentos. "Com toda a certeza, esse convite ajuda (e muito) o país a passar essa imagem de estabilidade e confiança ao mundo. Apesar de uma pandemia global, o Brasil é atrativo e está ainda mais para o mercado externo, e isso certamente será explorado", diz um interlocutor do Planalto.
Como Bolsonaro pode se beneficiar eleitoralmente do convite da OCDE
No campo eleitoral, Bolsonaro pode se aproveitar do convite da OCDE pelos mesmos motivos que o governo afirma ter levado o Brasil a ser agraciado com o início do processo de adesão ao clube dos ricos: a "defesa da democracia, das liberdades, da economia de mercado, da proteção do meio ambiente e dos direitos humanos", como destacou o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
A estratégia planejada pela coordenação eleitoral de Bolsonaro é incorporar esse discurso nas tradicionais lives na internet, junto a eleitores e em cerimônias oficiais. A retórica será de que sua gestão abriu as portas para o Brasil entrar no grupo dos países ricos e que isso pode atrair investimentos e gerar empregos.
É provável, inclusive, que Bolsonaro aproveite para criticar as gestões do PT, por não terem feito esforços para inserir o Brasil na OCDE. E dizer que o retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência poderia representar um retrocesso às aspirações do país de ingressar na organização.
O discurso eleitoral é defendido por interlocutores no Planalto e aliados da base governista. O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), por exemplo, tem confiança de que Bolsonaro poderá explorar bem uma possível adesão do Brasil à OCDE.
"O conselho da OCDE exige um certo ambiente fiscal que seja mais amigável. Com isso, Bolsonaro ganha estímulo para falar sobre as reformas tributária, a administrativa, e como o governo lutou pelo equilíbrio fiscal. O atual modelo, criado pela esquerda – que quer mantê-lo – é insustentável, e a esquerda não quer participar da OCDE", diz ele.
O deputado entende ser "absolutamente" possível que Bolsonaro incorpore o aceno internacional às críticas a Lula e à esquerda em seu discurso. "Não é narrativa. É uma realidade, porque parte do programa do Lula é desfazer o que foi feito", diz. "O Lula fala em acabar com a independência do Banco Central, com as reformas trabalhistas e com a regra de ouro do Orçamento. Isso removeria o Brasil de qualquer quadro de país sério. Viraria, literalmente, uma Venezuela em uma questão de um ano", afirma.
Ex-primeiro-vice-presiente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden) da Câmara, Orleans e Bragança acredita que o convite do grupo dos países ricos traz a sinalização de que a moeda brasileira possa ter um valor pouco mais estabilizado e que, devido a isso, o Brasil e Bolsonaro possam se aproveitar da instabilidade no mercado internacional para atrair investimentos externos e gerar empregos.
O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), atual segundo-vice-presidente da Creden, concorda que Bolsonaro pode tirar proveitos eleitorais do convite de ingresso à OCDE. "O presidente vai poder comparar os nossos resultados com os dos governos anteriores. E aí, a comparação vai trazer ganho político a ele, sobretudo pela responsabilidade fiscal, que muita gente quer burlar", diz o deputado.
Mesmo sem cumprir a agenda de privatizações prometida durante as eleições, Armando também acredita que o governo possa explorar os esforços de que, além do governo, as empresas públicas tiveram comprometimento fiscal. "Embora não tenham sido privatizadas, passaram a dar lucro. O governo Bolsonaro vai ter um discurso muito grande. O que antes dava prejuízo, agora, dá lucro. Ele tem muitos ganhos a explorar com discursos positivos", analisa.
Outro lado: outros políticos e analistas veem a
Já outras lideranças na Câmara e analistas entendem são céticos quanto ao alcance eleitoral a ser explorado por Bolsonaro por causa do convite da OCDE.
O deputado federal Hildo Rocha (MDB-MA), membro titular da Creden, é um dos que tem essa avaliação. O emedebista foi o relator na Creden do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) n.º 253/2021, que permite à OCDE estabelecer um escritório da entidade no Brasil. Seu parecer foi favorável e o texto foi aprovado em junho. "O pontapé inicial para a entrada do Brasil foi dado pelo Michel [Temer], mas eu reconheço que o governo Bolsonaro tem interesse em colocar o país dentro da OCDE, e isso não é de agora, mas desde o início da gestão. O convite é bastante positivo, e é natural que possa tirar proveito político disso", diz Rocha. "Mas eleitoralmente não vejo muito o que possa ganhar."
O deputado emedebista entende que o fato de o Brasil ter sido formalmente convidado para ingressar no grupo dos países ricos não vai ampliar muito os votos de Bolsonaro a ponto de justificar a expectativa eleitoral do governo. "Pode dar voto para as pessoas que conhecem melhor a economia, que são mais antenadas com a questão da economia mundial e sabem da importância da OCDE. Mas a grande parte das pessoas não conhece, não sabem nem o que é [a OCDE]. Não sei se vai ser um discurso que chega palatável à população", analisa.
Embora o governo tenha avançado nas articulações com a OCDE e o convite não seja algo completamente imprevisível, o analista político Bernardo Nigri, consultor em política internacional da BMJ Consultores Associados, entende que o aceno ser feito às vésperas das eleições foi um pouco surpreendente. E entende que, em decorrência disso, o governo esteja otimista.
O analista entende que o governo possa se aproveitar politicamente da situação, mas também acredita que, eleitoralmente, o impacto seria muito limitado. "Sem dúvida é um ponto positivo para o governo, que dá para ser usado como um marketing eleitoral. Mas seria algo muito limitado ao discurso. Não é garantia de votos junto ao eleitor médio", afirma. "É um aceno e é claro que vai ser usado a favor, mas essa é uma pauta de apelo muito maior para o eleitor ideológico, que não deixaria de votar nele. Do ponto de vista prático, ele não tem grande contingente de votos que possa ganhar com esse avanço", acrescenta Nigri.
O analista da BMJ traça como paralelo a divulgação, em julho, dos detalhes do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. "O acordo com a União Europeia avançou, foi uma vitória diplomática, mas não se concretizou em efeitos econômicos diretos. O mesmo vale para a OCDE", diz Nigri. "Talvez possam haver ganhos indiretos que levam a uma queda da desconfiança, mas que não gera impacto na economia. Não é algo que será colhido economicamente por Bolsonaro. Vai ficar limitado ao discurso."
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