O estado que é tido como um “termômetro” da eleição no Brasil votou em peso em dois candidatos com ideologias e partidos bem distintos. Minas Gerais deu um segundo mandato ao atual governador Romeu Zema, do Novo, e a liderança no primeiro turno a Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. É o que os mineiros chamam de voto “Lulema”.
Essa dobradinha, em que candidatos com ideias contrárias acabam levando a eleição no cenário local e no nacional, não é nova, e já vem de eleições passadas. Em 2002 e 2006, por exemplo, foi o voto “Lulécio”, quando Aécio Neves (PSDB) e Lula foram eleitos e reeleitos para os seus mandatos. Depois, em 2010, com o chamado “Dilmasia”, em referência à eleição de Dilma Rousseff (PT) à Presidência e de Antônio Anastasia (PSDB) ao governo do estado.
Na eleição de 2022, Zema venceu no primeiro turno em uma coligação que inclui o PP, partido que integra o arco de alianças do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, no plano nacional. Mas, também com o Avante, o Agir e o Solidariedade, que apoiaram Lula na eleição presidencial – o petista conquistou 48,29% dos votos em Minas Gerais, contra 43,6% de Bolsonaro.
Apesar de declarar apoio a Bolsonaro apenas agora no segundo turno, Zema chegou a dizer que vê com naturalidade o voto “Lulema”, mas também o “Bolso-zema”, de eleitores que votaram nele e no presidente.
“É uma questão do eleitor ser pragmático; ele vota onde vê que vai ter mais perspectiva. Se você pegar o mapa de Minas, o Nordeste e o Norte votaram de forma semelhante ao Nordeste do Brasil, e o restante do estado de forma semelhante ao Sudeste e Sul do país. Nós somos um estado de transição, então temos essas particularidades”, disse Zema em referência à vitória de Lula nos estados do Nordeste e de Bolsonaro no Sudeste e Sul do país.
É uma análise semelhante à de Juliana Fratini, cientista política, mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora do livro “Ideologia: uma para viver”. Ela conta que tanto na eleição agora de Zema como nas disputas passadas, a situação econômica nestas regiões explica essa diversidade nos votos que pendem para ambos os lados.
“A análise que o Zema faz tem sentido, tanto que a região do Triângulo Mineiro se identifica mais com Goiás, o agronegócio e o Centro-oeste, onde Bolsonaro saiu vitorioso, do que com o Norte mais semelhante ao Nordeste, onde Lula levou em todos os estados. Minas tem um cenário local mais descolado do nacional, com um sistema multipardidário que os cidadãos já assimilaram”, explica.
A preferência por Zema e Lula já vem desde antes do início da campanha, em que prefeitos com uma inclinação mais a esquerda de partidos como PT, PCdoB, PSB e PDT já indicavam apoio ao governador e ao ex-presidente. De um lado, por conta da gestão do petista Fernando Pimentel (2015-2019) que trouxe perdas para o estado. Mas, por outro, lembrando dos tempos de alta das commodities na era Lula.
Ao longo do primeiro turno, manifestações pontuais de partidos em comum das duas coligações fizeram palanque duplo. Em uma delas, o Avante chegou a imprimir um banner colocando Lula e Zema lado a lado, o que levou o diretório estadual do partido Novo a emitir uma nota de esclarecimento dizendo que “materiais não oficiais da Coligação Minas nos Trilhos não representam a verdade”.
Economia e ideologia
Por outro lado, Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, professor de ciência política e autor do livro “A Ciência da Política”, diz que a escolha de Zema e de Lula em Minas Gerais vai além apenas da situação econômica em paralelo à geografia do estado. Há também a questão da ideologia, que fica entre os últimos fatores de escolha dos eleitores.
E isso se mostra na diferença de ideias dos dois partidos. Enquanto o Novo de Zema prega um Estado mínimo no dia a dia das pessoas, o PT de Lula tem um caráter mais assistencialista. Só que isso é a última coisa levada em consideração na hora do voto principalmente por quem tem uma condição de renda menos favorável – a maior parte do eleitorado.
“Os pobres não são de direita e nem de esquerda. Eles são mais pragmáticos que os ricos, que são mais ideológicos. Os pobres levam em consideração as suas necessidades primárias. E isso não é algo apenas do Brasil, mas no mundo inteiro”, disse.
Gianturco se baseia em um estudo feito pela Fundação Perseu Abramo, instituto de estudos ligado ao PT, sobre as eleições municipais de 2020 em São Paulo, em que o petista Jilmar Tatto (PT) sequer avançou para o segundo turno. Naquele ano, Bruno Covas (PSDB) foi eleito em uma disputa com Guilherme Boulos (Psol).
No caso de Minas Gerais, diz, há ainda mais um fator: a memória de gestões passadas. A preferência por Lula na eleição presidencial remete às duas primeiras gestões em que a exportação de commodities, como minério de ferro, fez o estado faturar alto; e a de Zema por ter colocado a casa em ordem após a gestão petista de Fernando Pimentel.
Para o professor de ciência política, não há nada de ideologia, e sim mero pragmatismo de quem fez as pessoas terem mais dinheiro no bolso e as contas caberem no orçamento.
“O Lula é muito pouco ideológico, embora associado à esquerda. Ele é pragmático. E Zema é muito pouco devido ao Novo e ao ideário liberal, ele é simplesmente ele, tanto quando ganhou como agora na segunda vitória. O Novo derreteu nesta eleição, e ele não. A força do Zema não vem do Novo”, diz, lembrando que o governador mineiro já era conhecido em todo o interior por conta da rede de lojas populares que leva o seu nome.
E isso criou uma aproximação dele com as pessoas, o que facilitou o reconhecimento para além da gestão que corrigiu os erros de Pimentel.
Zema e Bolsonaro X Lula
Embora Minas Gerais tenha dado uma grande quantidade de votos para Lula no primeiro turno, Zema oficializou nesta terça (4) o apoio à candidatura de Bolsonaro à reeleição. Especialistas afirmam que, neste momento, ambos têm uma dependência mútua sobre quem for eleito no próximo dia 30 de outubro.
O governador de Minas Gerais vai oferecer um palanque forte ao presidente, com mais de 6 milhões de votos que o reelegeram em primeiro turno. Em troca, pode pleitear boas condições para o pagamento da dívida de R$ 149,2 bilhões que deve à União dentro do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais neste ano. O prazo final para a negociação é julho de 2023, dentro da nova gestão de Zema.
“Ou, até mesmo, a não cobrança da dívida. Com este acordo com Bolsonaro, Zema pode ganhar um repasse, uma negociação melhor desta dívida para Minas, e até para ele mesmo, como um palanque para 2026”, analisa Gianturco.
Zema já ventilou que tem a pretensão de disputar o Palácio do Planalto na próxima eleição presidencial. Para o especialista, o governador de Minas Gerais entra em uma lista de presidenciáveis que podem ser apoiados por Bolsonaro no futuro, junto da ex-ministra Tereza Cristina, eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul, e do ex-ministro Tarcísio de Freitas, que disputa o segundo turno para o governo de São Paulo.
“No entanto, estamos pensando nisso numa capacidade de Zema transferir votos para Bolsonaro, coisa que eu duvido. A meu ver ele não transfere votos, que é o que aconteceu com o Novo em Minas”, completa Gianturco, lembrando que o partido foi desidratado nesta eleição, perdendo cinco cadeiras na Câmara dos Deputados e não elegendo nenhum senador ou governador nos estados.
Já Juliana Fratini considera que, mesmo com Lula tendo uma votação melhor em Minas, Zema não vai perder nada em apoiar o presidente. “Ele não vai ser criticado e, se for, não é uma preocupação política neste momento. O Zema já se reelegeu, está tudo certo. Agora ele tem margem para defender seus próprios interesses”, afirma.
De acordo com ela, Zema pode estabelecer a aliança que desejar neste momento que nada vai afetá-lo, mesmo com discursos divergentes, como reconheceu o governador durante o anúncio do apoio a Bolsonaro.
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