Apesar de haver problemas comuns de canto a canto do país em maior ou menor grau, relacionados, por exemplo, à falta de infraestrutura, ao desemprego, à violência, à educação e à saúde, há desafios mais acentuados conforme a realidade de cada uma das regiões brasileiras.
Os quatro principais candidatos à presidência da República – Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) – têm abordado em suas campanhas propostas para solucionar parte dos problemas mais comuns de cada região.
Veja a seguir os temas que estão em alta nas diferentes regiões e quais são as propostas dos presidenciáveis relacionadas a eles que estão presentes em seus planos de governo ou que foram abordadas em entrevistas e demais manifestações públicas dos candidatos.
Destaca-se que as propostas dos postulantes ao Palácio do Planalto mencionadas aqui não são necessariamente direcionadas apenas a uma região; a reportagem buscou apresentar as proposições que mais se assemelham aos temas que estão em alta nas diferentes regiões.
Nordeste
Região onde há mais pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, o Nordeste possui a maior taxa de desemprego do Brasil: são 12,7% de desempregados enquanto a média no país é de 9,1% segundo o último levantamento da Pnad Contínua do IBGE. A região é a que mais depende de programas sociais e abriga quase metade dos beneficiários do Auxílio Brasil em todo o país – dos atuais 20,2 milhões de beneficiários do programa de renda, 9,4 milhões residem no Nordeste.
Para Leandro Gabiati, doutor em ciência política e diretor da Dominium Consultoria, sendo a região brasileira mais pobre, o Nordeste necessita principalmente de políticas econômicas que incentivem a geração de emprego para diminuir a pobreza e gerar mais oportunidades.
“Precisa inicialmente de uma presença mais forte do Estado pensando no desenvolvimento econômico. Assim como há a Zona Franca de Manaus, poderia se pensar em maiores incentivos à instalação de indústrias para atrair investidores que costumam optar por locais com maior infraestrutura”, aponta.
Outro problema a ser enfrentado na região, em conjunto com estados e municípios, é a recuperação de aprendizagem na educação básica após o longo período de escolas fechadas devido à pandemia. Um estudo feito por pesquisadores do Insper no ano passado mostrou que alunos de estados do Nordeste estão entre os que tiveram mais prejuízos com aulas a distância devido à falta de acesso à internet e a dificuldades no recebimento de atividades escolares.
O que os candidatos propõem:
- Bolsonaro: Criar políticas para a redução da taxa de informalidade; manter Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro de 2023; ampliar a oferta de saneamento básico; fortalecer programas de qualificação profissional; priorizar investimentos na educação básica.
- Lula: Renegociar dívidas de famílias e empresas; estimular crédito a pessoas físicas e empresas; implantar programa de recuperação educacional [das perdas decorrentes da pandemia]; centralizar enfrentamento da fome e da pobreza; renovar e ampliar o Bolsa Família.
- Ciro Gomes: Renegociar endividamento de famílias; pagar benefício de R$ 1 mil mensais a pessoas que tenham renda mensal de até R$ 417; tornar ensino fundamental progressivamente integral nos próximos quatro anos para reduzir atraso escolar provocado pela pandemia.
- Simone Tebet: Criar programa permanente de transferência de renda com piso de R$ 600; adotar política de desenvolvimento regional para estimular potencialidades das regiões (além do Nordeste, também Norte e Centro-Oeste); pagar poupança mensal a trabalhadores informais que recebem o Auxílio Brasil; priorizar a recomposição da aprendizagem dos alunos decorrente da pandemia.
Norte
Ações para combater o desmatamento ilegal e incêndios florestais em todo o território nacional constam nos planos de governo de todos os presidenciáveis, já que o tema tem pautado o debate nos últimos anos, inclusive ultrapassando as fronteiras do país. Nesta seara, a Amazônia é tratada com mais ênfase por todos os candidatos.
Um artigo recente do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, vinculado ao governo federal, menciona um estudo feito por análise de imagens de satélite entre 1991 e 2016 que concluiu que o desmatamento pode já ter feito a floresta amazônica atingir um estado de desequilíbrio irreversível, capaz de transformá-la em savana em algumas décadas. Estudos independentes recentes mostram que o desmatamento aumentou nos últimos anos.
Outro estudo mencionado no artigo do Ipea concluiu que a Amazônia já libera quantidades de carbono na atmosfera maiores do que aquelas que o bioma é capaz de capturar.
O desenvolvimento socioeconômico é outra necessidade central da região que, junto ao Nordeste, concentra os municípios com os menores índice de desenvolvimento humano (IDH) do país. “O grande desafio para a região Norte é pensar em políticas que preservem e ao mesmo tempo desenvolvam; não adianta apenas preservar e não desenvolver. É pensar a Amazônia com desenvolvimento sustentável, que incentive a ocupação do território, a geração de PIB e o crescimento”, diz Gabiati.
Outro problema é o aumento da violência. Segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho, a região registrou aumento de 7,9% em mortes violentas enquanto todas as demais registraram queda. O Amazonas foi o estado que obteve o maior aumento nos homicídios, com 46,8% a mais em relação ao ano anterior; seguido do Amapá, com 30,2%.
“Há problemas que são comuns em praticamente todos os cantos do país, como é a questão da violência. Mas no caso das regiões Norte e Nordeste há um ponto adicional: grupos criminosos ligados ao narcotráfico têm se movimentado para lá e disputado posições violentamente com seus rivais”, explica Paulo Kramer, doutor em Ciência Política.
Outros problemas da região que estão em alta são conflitos fundiários, questões ligadas a povos indígenas e embates relacionados ao garimpo ilegal.
O que os candidatos propõem:
- Bolsonaro: Conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico; fortalecer fiscalização de crimes ambientais; proteger direitos dos povos indígenas e quilombolas; estimular agronegócio e mineração integrados à sustentabilidade econômica, social e ambiental.
- Lula: Fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai; combater o uso predatório dos recursos naturais; cumprir metas de redução de emissão de gás carbono assumidas pelo país; proteger direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais; aperfeiçoar regulação minerária e combater a mineração ilegal.
- Ciro Gomes: Reduzir o desmatamento e a emissão de gases danosos à atmosfera; viabilizar o crescimento econômico sustentável de forma soberana em relação aos demais países; implementar zoneamento econômico e ecológico para defender ecossistemas brasileiros.
- Simone Tebet: Combater o desmatamento; recuperar áreas degradadas; assegurar oferta de infraestruturas sociais e econômicas que garantam melhoria das condições de vida da população; fortalecer fiscalização contra crimes ambientais; acelerar o cumprimento das metas de redução de gases de efeito estufa.
Sudeste
O Sudeste é outra região a conviver com altos índices de desemprego – é, atualmente, a segunda com a maior taxa de desocupação do país, de 9,3%. Atualmente 5,9 milhões de habitantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo figuram na pobreza ou extrema pobreza e são dependentes do Auxílio Brasil.
No campo da segurança pública, Rio de Janeiro e São Paulo figuram no “top 5” de estados com maior número de mortes violentas segundo a última edição do Atlas da Violência. No Rio de Janeiro, que possui mais de 1,4 mil favelas dominadas pelo crime organizado há outro agravante: devido a sucessivas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o estado convive com pesadas restrições às operações policiais dentro das comunidades. Como mostrado pela Gazeta do Povo, isso resultou na migração de lideranças do tráfico de outros estados para o Rio de Janeiro e tem aumentado a violência dos confrontos.
A região também tem sido um dos polos de amplo debate sobre a flexibilização das armas. Os quatro estados da região são responsáveis por 26,1% das armas com registros ativos em acervos dos chamados CACs – sigla para caçadores, atiradores e colecionadores.
O que os candidatos propõem:
- Bolsonaro: Fortalecer ações de combate ao crime organizado por meio de novas tecnologias; aumentar integração entre instituições federais e órgãos estaduais e municipais de segurança; preservar e ampliar mecanismos que assegurem acesso dos cidadãos à arma de fogo.
- Lula: Aprimorar Sistema Único de Segurança Pública (Susp); combater o “superencarceramento” e à violência policial; substituir o “atual modelo bélico de combate ao tráfico” por “estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas; revogar decretos que flexibilizaram acesso a armamento;
- Ciro Gomes: Implantar o Susp; impulsionar o combate ao crime organizado por meio do uso de novas tecnologias; redesenhar política sobre drogas; aprimorar gestão prisional para elevar o percentual da população carcerária que venha a se ressocializar.
- Simone Tebet: Revogar decretos do atual governo que flexibilizaram acesso a armamento; recriar o Ministério da Segurança Pública; revisar e atualizar o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.
Centro-Oeste e Sul
O Centro-Oeste tem uma economia essencialmente agropecuária, e a região Sul também possui um papel bastante significativo nessas atividades. Por isso ambas enfrentam desafios semelhantes ao Norte no sentido de avançar em medidas de redução do impacto ambiental. Vale destacar que ações para a redução desses impactos em todas essas regiões são bastante relevantes do ponto de vista econômico.
Discussões sobre o desmatamento ilegal e mudanças climáticas têm fomentado políticas e acordos globais que influenciam diretamente na agenda dos mercados privados. Na prática, países passam a restringir importações de locais com problemas ambientais, o que poderia impactar a condição socioeconômica das populações locais.
“O Centro-Oeste e o Cerrado, um dos principais biomas brasileiros, têm sido afetados por esse avanço da fronteira agrícola. Por um lado temos algo muito positivo, que é a inserção de terras que não eram produtivas e que agora são muito produtivas, mas por outro temos a questão da degradação ambiental”, afirma Leandro Gabiati.
Devido à violência no campo, estados do Centro-Oeste têm apostado em medidas diversificadas para coibir crimes em regiões rurais afastadas das forças de segurança. Uma dessas medidas foi uma mudança na lei nacional de controle de armas que entrou em vigor em 2019 e passou a permitir que produtores rurais portassem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades.
Em falas recentes, os candidatos Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que são contrários à flexibilização de políticas sobre armamento, declararam ser favoráveis ao maior acesso a armas especificamente nesses ambientes.
A região Sul também tem sido palco relevante do debate sobre flexibilização do acesso a armas. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão entre os estados com maior número de CACs do país. A região, na qual vive cerca de 14% da população brasileira, possui 31,8% das armas com registros ativos em acervos dos CACs.
O que os candidatos propõem:
- Bolsonaro: Conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico; fortalecer fiscalização de crimes ambientais; ampliar medidas de combate à violência no campo; preservar e ampliar direito fundamental à legítima defesa por meio de acesso a armamento.
- Lula: Reduzir emissão de gás carbônico; investir na transição energética; recuperar terras degradadas por atividades predatórias; fortalecer a produção agropecuária.
- Ciro Gomes: Estimular o agronegócio; flexibilizar acesso a armamento a moradores de áreas rurais apenas dentro de suas casas.
- Simone Tebet: Impulsionar a expansão da agricultura de baixo carbono e a integração lavoura-pecuária-floresta; acelerar o cumprimento das metas de redução de gases de efeito estufa; promover iniciativas para pagamento por serviços ambientais; flexibilizar acesso a armamento apenas a moradores de áreas rurais.
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