Os bancos privados estão entre os setores que os candidatos socialistas à Presidência pretendem incluir em programa de estatização.| Foto: Sebastião Moreira/EFE
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“A submissão do país ao imperialismo”; “luta da classe trabalhadora contra a elite econômica dominante”; e “solidariedade incondicional à Cuba socialista”. Estas são apenas algumas das muitas frases de efeito semelhantes que constam nos programas de governo dos candidatos à Presidência da República ligados a movimentos operários e socialistas/comunistas do país, que pretendem fazer uma “revolução” na política brasileira.

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Leonardo Péricles, do Unidade Popular (UP); Sofia Manzano, do Partido Comunista Brasileiro (PCB); e Vera Lúcia, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), já registraram suas candidaturas no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com propostas que não são iguais, mas possuem similaridades em torno de um Estado indutor da economia em detrimento do setor privado.

Em todas elas, por exemplo, se prega a reestatização de todas as empresas públicas privatizadas, a estatização das operadoras de transporte coletivo urbano (ônibus e metrô) com implantação de tarifa gratuita, expropriação dos bancos privados, desapropriação de imóveis desocupados nas cidades e no campo, entre outras propostas semelhantes para as contas públicas, saúde, educação e segurança.

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Mas, é no campo político que surgem as propostas mais controversas e que poderiam gerar grandes impactos internos e externos caso fossem efetivamente implantadas. Uma delas é a convocação de uma constituinte para elaborar uma nova Constituição baseada nos princípios do socialismo em vez do capitalismo, como ocorre em países como Cuba, Coreia do Norte, China e Venezuela.

Outra, que afetaria profundamente a imagem e relevância do Brasil no mundo, é uma guinada da nossa política externa a ações de incentivo ao fim da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

A Gazeta do Povo analisou os três programas de governo e conversou com especialistas para explicar quais seriam as consequências para a política e a economia brasileira caso fossem realmente implantados e porque os ideais já não fazem mais sentido nos dias de hoje.

Uma "revolução comunista"

Para implantar as mudanças propostas, seria preciso revogar a atual Constituição de 1988 através do que os candidatos chamam de “revolução comunista”, convocando uma nova constituinte. O advogado Caio Morau, doutorando e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), explica que o candidato eleito precisaria formar uma maioria no Congresso para aprovar a convocação.

“Seria preciso haver uma ruptura muito grande para fazer uma nova Constituição, conciliar muitos interesses, que foi o que aconteceu com a de 1988, com diversos setores da sociedade com anseios e aspirações diferentes que foram contemplados”, afirma.

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A começar pelo que se prevê em uma das propostas, de instituir um parlamento unicameral, ou seja, um Congresso formado apenas pela Câmara dos Deputados. Pela atual Constituição, as decisões dos deputados federais precisam passar pela análise do Senado, e vice-versa, antes de irem à sanção presidencial – o que deixaria de ocorrer, restringindo a discussão, o contraditório e a pluralidade de ideias.

Para Morau, essa mudança brusca e abrupta seria altamente danosa para a política e a economia, além da própria sociedade, que veria os investimentos internos e externos praticamente cessarem, impactando diretamente no bolso da população. “Seria uma tragédia com relação às liberdades individuais, porque geralmente esse tipo de regime vem acompanhado por uma restrição severa na liberdade de pensamento e da manifestação de ideias”, conta.

Essa ruptura é algo que o próprio comunismo deixou de lado há mais de 40 anos. Carlos Ramos, doutor em ciência política pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), relata que o antigo Partido Comunista Brasileiro, que é a referência do movimento comunista no país, abandonou o viés revolucionário nas últimas décadas para chegar ao poder através das vias democráticas.

“Com a ideia de que se os comunistas conquistassem espaços no meio político institucional, elegendo deputados e governadores, estando no poder em um primeiro momento, a segunda etapa seria estabelecer o socialismo”, analisa.

O Estado dono de tudo

Com revolução ou sem revolução, a proposta de ter o Estado como dono de tudo e responsável pelo desenvolvimento da economia encontraria barreiras que nem mesmo países ditos socialistas seguem mais. Na economia da China, por exemplo, empresas privadas foram permitidas após a liberalização promovida por Deng Xiaoping a partir de 1978, hoje com expoentes no mercado internacional, como a Huawei e a Lenovo.

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Os candidatos que pregam o socialismo clássico no Brasil pretendem, de modo geral, estatizar os bancos privados e as instituições financeiras multinacionais com filiais no Brasil, os hospitais e demais serviços de saúde, as universidades e grupos educacionais, as operadoras de transporte coletivo urbano nas cidades brasileiras, os grupos de comunicação (imprensa), entre outros.

Também propõem a volta ao controle público de empresas já privatizadas, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), concedida à iniciativa privada em 1993; a Embraer, em 1994, à beira da falência na época; a Companhia Vale do Rio Doce (Vale), em 1997; e a Petrobras, que tem uma gestão mista do governo federal e ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo desde 2006, entre outras. A petroleira, em especial, passou a ser lucrativa já no ano seguinte à abertura do capital.

Um dos programas prevê, ainda, a volta do monopólio estatal de telecomunicações, como era na antiga Telebras. A empresa foi privatizada em 1998 e tornou possível a abertura do mercado a novas operadoras de telefonia e internet.

“Essa sanha ‘estatizadora’, tomando para o Estado basicamente todas as atividades essenciais, faria muito mal para o nosso país. Se, por uma ruptura, viesse a acontecer, eu não tenho dúvida de que todos os meios seriam colocados em prática para impedir”, opina Morau.

No mesmo sentido, os programas dos candidatos ligados aos movimentos operários e socialistas propõem outras intervenções nos bens privados, como a desapropriação de imóveis urbanos sem uso ou “de grandes proprietários que vivem da especulação imobiliária”, de propriedades fundiárias e daquelas improdutivas “a partir da atualização dos índices agropecuários de produtividade”, para fins de reforma agrária.

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Morau lembra que o atual ordenamento jurídico estabelecido pela Constituição de 1988 já permite a desapropriação de imóveis tanto no meio rural como urbano para a função social, com normas infraconstitucionais – leis e decretos – que atendem a contento. Ou seja, não seria sequer necessário expressar isso.

Há, ainda, outras propostas que bastariam passar por discussões no Congresso, como a desmilitarização das polícias, a criação de uma força policial sob o comando popular e, até mesmo, o fim de grupamentos como o de Polícia Pacificadora e semelhantes. Dentro disso, está a descriminalização das drogas, começando pela maconha, em que os candidatos consideram ser a origem de parte da criminalidade e corrupção.

Relação do Brasil com o mundo

Outro ponto a se olhar com atenção: as relações exteriores do Brasil. Além de pregar um alinhamento a países comunistas, como Cuba e Venezuela – que tem uma dívida de R$ 3,6 bilhões com o BNDES –, um dos planos vai além.

O programa de governo de Sofia Manzano (PCB) prega o fim da Otan, a aliança militar que congrega 30 países da América do Norte e da Europa e que ela afirma fazer “investidas imperialistas”, e do Conselho de Segurança da ONU, do qual o Brasil é membro rotativo no biênio 2022-2023 e que ocupou a presidência no mês de julho.

“É uma proposta que faria sentido dentro do conjunto do que ela chama de ‘revolução brasileira’. Mas, é uma proposta muito difícil de se viabilizar num cenário mundial atual”, completa Carlos Ramos.

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Nem o socialismo é mais o mesmo

Juliana Fratini, mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora do livro "Ideologia: Uma Para Viver", da Matrix Editora, relata que muito do que se prega por esses partidos é apenas um discurso que não encontra mais precedentes no mundo. Mesmo as repúblicas mais socialistas estão, aos poucos, se abrindo para a economia globalizada, e naquelas em que ainda há um governo muito fechado, a própria população vem pedindo uma ampliação das liberdades e menor interferência do Estado – o chamado “capitalismo social”.

“Em decorrência da própria democracia liberal, que não tolera nenhuma espécie de autoritarismo, com regras claras que dão mais liberdades. É mais fácil pensarmos em sistemas democráticos inclusivos, plurais, do que em nivelamento de pessoas. Elas querem liberdade”, analisa.

Para ela, nem mesmo os partidos que pregam ideias socialistas seguem o que propõem. Dois exemplos são o PCdoB e o PSB, que integram a coligação da chapa Lula-Alckmin (PT-PSB) na corrida ao Palácio do Planalto. Ambos carregam os vieses comunista e socialista nos nomes, mas seguem as regras estabelecidas pela democracia brasileira, como um sistema eleitoral com alternância de poder, possibilidade de contraditório e sem propor uma ditadura que remete ao pensamento tradicional conhecido e histórico dos países que os adotam.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]