As cartas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Universidade de São Paulo (USP) pela democracia foram lidas nesta quinta-feira (11). A leitura dos manifestos ocorreu em dois atos sucessivos realizados na sede da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Em ambos, o tom foi de defesa do sistema eleitoral brasileiro, baseado na votação eletrônica – que tem sido questionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). E, embora os autores dos manifestos tenham assegurado que os eventos eram apartidários, a leitura da carta da USP terminou com gritos da plateia: "Fora, Bolsonaro".
A primeira carta a ser lida foi a da Fiesp. A leitura do manifesto foi feita pelo ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP. Intitulada "Em Defesa da Democracia e da Justiça", a carta contou com a adesão de 107 entidades, entre associações empresariais, universidades, ONGs e centrais sindicais.
Logo em seguida, no pátio interno da faculdade, foi lida a carta da USP. O manifesto foi lido pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Eunice de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari, Ana Elisa Bechara; e pelo jurista e ex-ministro do Superior Tribunal Militar (STM) Flávio Flores da Cunha.
Batizada de "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito", esse segundo documento tem mais de 960 mil assinaturas e teve como criadores ex-alunos da Faculdade de Direito da USP.
A data 11 de agosto para a leitura dos dos manifestos é simbólica: marca a criação dos cursos de Direito no Brasil e uma passeata pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Além da USP, houve atos semelhantes nesta quinta em várias universidades, como a Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como foi a leitura da carta da Fiesp
Entre os presentes no ato do salão nobre, para a leitura da carta da Fiesp, estiveram políticos, autoridades, sindicalistas, operadores do Direito e ativistas sociais. Dentre os presentes, estavam, por exemplo, Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB), Padre Julio Lancelloti e Thiago Pinheiro Lima, procurador do Ministério Público de Contas entre outros.
Organizador do manifesto, o advogado Oscar Vilhena Vieira disse que o texto não é partidário e que todos os segmentos da sociedade estão representados pelo movimento. "Esse não é um manifesto partidário, mas um momento solene de celebrar o Estado Democrático de Direito. Nesta sala, temos hoje cerca de 800 pessoas. Mas estão aqui representados nada menos que 60 milhões de trabalhadores, pelas centrais sindicais que aderiram a esse manifesto. Aqui estão representados os setores mais vibrantes da nossa economia, que liderados por Josué Gomes [presidente da Fiesp], tiveram a ousadia de aderir a esse manifesto. Temos aqui os principais movimentos sociais e as ONGs que defendem todos os dias os direitos humanos", disse.
Também discursaram no evento: Bruna Brelaz, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE); Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes; Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central dos Movimentos Populares (CMP); Neca Setubal, da fundação Tide Setubal; Francisco Canindé Pegado, da União Geral dos Trabalhadores; Horácio Lafer Piva, do Instituto Brasileiro de Árvores; Beatriz Lorenzo do Nascimento, da Coalizão Negra por Direito e Telma Aparecida, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Como foi a leitura da carta da USP
Na abertura no ato de leitura da carta da USP, a estudante de Direito Manuela Moraes, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, discursou e ressaltou a defesa da democracia por parte dos universitários. "Era preferível que não tivéssemos uma segunda carta às brasileiras e aos brasileiros. Mas ela se faz necessária para se atualizar frente a nova realidade. Queremos a antítese da democracia que temos hoje. A democracia dos trabalhadores, dos povos e de todos. Sabemos que o caminho para esse processo passa por uma luta contra qualquer retrocesso", disse. Ela também homenageou o ambientalista Chico Mendes e a ex-veradora Marielle Franco (Psol-RJ) – ambos assassinados.
Já Celso Campilongo, diretor da faculdade de Direito da USP, disse que apenas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem competência para dirigir as eleições no Brasil. "Estado Democrático de Direito é o controle da legalidade pelas instituições com competência para fazê-los. No caso das nossas eleições, uma e apenas uma: o Tribunal Superior Eleitoral. O resto é gente sem competência jurídica e sem competência moral para se intrometer no processo eleitoral brasileiro", disse.
Logo em seguida, houve a leitura em si do documento. Quando foi concluída, a plateia presente no pátio da Faculdade de Direito da USP entoou o lema: "Fora, Bolsonaro".
Antes da leitura da carta, os presentes também homenagearam os signatários da carta de 1977 que já morreram. Entre eles, o professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP Dalmo de Abreu Dallari, morto em abril de 2021, aos 90 anos de idade. Aluno da instituição até 1957, passou a integrar o corpo docente em 1964 e teve sua biografia marcada pela defesa dos direitos humanos e teve atuação importante na resistência à ditadura militar.
Autores dizem que cartas defendem o sistema eleitoral
Durante o evento da USP, o professor Carlos Gilberto Júnior, reitor da universidade, afirmou que ambas as cartas foram criadas com o objetivo de defender o sistema eleitoral brasileiro. "Estamos aqui em união para defender a democracia, a Justiça Eleitoral e o sistema eleitoral com as urnas eletrônicas. Que a vontade dos brasileiros seja respeitada. Queremos eleições livres e tranquilas. Queremos um processo eleitoral sem fake news. A universidade é o oposto do autoritarismo", afirmou.
Na mesma linha, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, atualmente representantes do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), afirmou que o manifesto conseguiu unir grupos que sempre lutaram de lados opostos. "Estou feliz em estar aqui hoje, nesta sala, desta faculdade, nesse grupo tão diverso, que tantas vezes no passado lutou em polos opostos, fazendo agora de tudo para preservar o que nos é sagrado, que é nossa democracia", disse.
Os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Felipe D’Ávila (Novo), Soraya Thronicke (União Brasil), Sofia Manzano (PCB), Léo Péricles (Unidade Popular) e José Maria Eymael (Democracia Cristã) assinaram o texto da USP. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) optou por não assiná-lo e afirmou que "quem é democrata não precisa assinar cartinha".
Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Sepúlveda Pertence e Sydney Sanches são ex-ministros do STF que assinam o documento da USP.
A carta diz que recentes "ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira".
"Esse é o momento de reafirmação, esse é o momento em que dizemos que queremos avançar e não queremos retrocesso. E justamente por estarmos nesse momento em que o mundo todo pensa e reflete sobre a democracia, que o mundo todo olha para o Brasil", disse Patrícia Vanzolin, da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP).
Dentre os empresários que assinaram o documento estão Walter Schalka, presidente da Suzano; Roberto Setúbal, ex-presidente do Banco Itaú; Natália Dias, CEO da Standard Bank; Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco; Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central; Tarcila Ursini, conselheira de administração da EB Capital, entre outros.
Leia a íntegra da carta da Fiesp
"Em defesa da democracia e da justiça
No ano do bicentenário da Independência, reiteramos nosso compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto e exercida em conformidade com a Constituição.
Quando do transcurso do centenário, os modernistas lançaram, com a Semana de 22, um movimento cultural que, apontando caminhos para uma arte com características brasileiras, ajudou a moldar uma identidade genuinamente nacional.
Hoje, mais uma vez, somos instigados a identificar caminhos que consolidem nossa jornada em direção à vontade de nossa gente, que é a independência suprema que uma nação pode alcançar. A estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios. Esse é o sentido maior do 7 de Setembro neste ano.
Nossa democracia tem dado provas seguidas de robustez. Em menos de quatro décadas, enfrentou crises profundas, tanto econômicas, com períodos de recessão e hiperinflação, quanto políticas, superando essas mazelas pela força de nossas instituições.
Elas foram sólidas o suficiente para garantir a execução de governos de diferentes espectros políticos. Sem se abalarem com as litanias dos que ultrapassam os limites razoáveis das críticas construtivas, são as nossas instituições que continuam garantindo o avanço civilizatório da sociedade brasileira.
É importante que os Poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – promovam, de forma independente e harmônica, as mudanças essenciais para o desenvolvimento do Brasil.
As entidades da sociedade civil e os cidadãos que subscrevem este ato destacam o papel do Judiciário brasileiro, em especial do Supremo Tribunal Federal, guardião último da Constituição, e do Tribunal Superior Eleitoral, que tem conduzido com plena segurança, eficiência e integridade nossas eleições respeitadas internacionalmente, e de todos os magistrados, reconhecendo o seu inestimável papel, ao longo de nossa história, como poder pacificador de desacordos e instância de proteção dos direitos fundamentais.
A todos que exercem a nobre função jurisdicional no país, prestamos nossas homenagens neste momento em que o destino nos cobra equilíbrio, tolerância, civilidade e visão de futuro.
Queremos um país próspero, justo e solidário, guiado pelos princípios republicanos expressos na Constituição, à qual todos nos curvamos, confiantes na vontade superior da democracia. Ela se fortalece com união, reformando o que exige reparos, não destruindo; somando as esperanças por um Brasil altivo e pacífico, não subtraindo-as com slogans e divisionismos que ameaçam a paz e o desenvolvimento almejados.
Todos os que subscrevem este ato reiteram seu compromisso inabalável com as instituições e as regras basilares do Estado Democrático de Direito, constitutivas da própria soberania do povo brasileiro que, na data simbólica da fundação dos cursos jurídicos no Brasil, em 11 de agosto, estamos a celebrar."
Leia a íntegra da carta da USP
"Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!!!!"
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