Em entrevista ao podcast de Monark, Ciro Gomes afirmou que não avança na eleição por conta do “deep state”, teoria cunhada por Donald Trump.| Foto: Keiny Andrade/divulgação PDT
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O candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) disse que a política brasileira – especialmente a eleição presidencial – é feita por um grupo de políticos e operadores do mercado financeiro que não querem que ele seja eleito neste ano. É a teoria do “deep state”, ou Estado profundo, em tradução livre, que o ex-presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, evocava ao argumentar que não conseguia governar por conta de interesses maiores.

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A afirmação foi dada em uma entrevista na última quarta-feira (21) ao podcast Monark Talks, do youtuber Bruno Aiub, desligado do Flow em meados de maio após defender o direito de existência de um partido nazista no Brasil.

De acordo com Ciro, a polarização entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) existe porque ambos “se retroalimentam” em favor de interesses políticos e econômicos que seriam contra as ideias que ele já afirmou, em outras entrevistas, serem revolucionárias.

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“Se você disser ‘olha, vamos juntar todo mundo aqui na praça e vamos fazer uma conversa de como é que vai o Brasil, deve ficar como está ou deve mudar?’, deve dar 90% para mudar. Mas, o que está acontecendo é que você hiperfragmenta e inventa um inimigo imaginário que é o fascismo, o comunismo, os valores morais, a religiosidade do povo”, disse lembrando que foi questionado na sabatina no Estadão sobre a proibição do aborto no Brasil, que ele diz não ser uma atribuição do presidente da República.

Esse “inimigo imaginário”, segundo o candidato, seria para esconder os interesses do governo com os bancos brasileiros, que registraram altos lucros nos últimos anos. Ciro afirmou que as instituições receberam cerca de R$ 500 bilhões em juros no último ano, “o aluguel de dinheiro” e de impostos, disse, enquanto que os investimentos em infraestrutura e políticas públicas não passaram de R$ 300 bilhões.

De acordo com ele, esse jogo de interesses do governo com os bancos brasileiros teria começado ainda nas gestões de Lula e avançado para Bolsonaro, que aprovou a autonomia do Banco Central em meio à pandemia. Para o candidato, a instituição passou a ser efetivamente controlada pelos bancos privados e tirou do governo o poder de traçar políticas monetárias como a taxa de juros e o câmbio.

“Esse é o lulopetismo que deu no bolsonarismo, e eu estou tentando ver se a gente desarma essa bomba. [...] O Estado brasileiro, a máquina do governo foi montada como uma grande e poderosa engrenagem pra transferir renda de quem produz e quem trabalha para quem especula nas finanças”, afirmou citando, ainda, que o governo Lula teria dado “oito vezes mais lucro aos bancos do que Fernando Henrique Cardoso”, além de ter ajudado o filho a enriquecer em um suposto esquema de corrupção com a empresa de telefonia Oi. O “caso Gamecorp”, como ficou conhecido, foi arquivado no começo deste ano.

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Interesses também no Congresso

Além de colocar na conta de Lula e Bolsonaro a dificuldade de avançar na eleição, Ciro Gomes afirmou que o próprio Congresso – o qual necessita para aprovar as reformas que pretende executar se vencer a eleição – também faz parte do que ele intitula como jogo de interesses, o qual seria benéfico não ter muito diálogo com o presidente.

“O Congresso é um ajuntamento de interesses locais. A gente não julga um bom deputado porque ele fez um belo discurso ou defendeu uma boa tese em relação às reformas. Ele se elege ou não se levar um pedacinho de calçamento, de saneamento, de posto de saúde lá pra comunidade dele”, disse.

Ele acredita que, se eleito, poderia quebrar isso com a tese de que a população o elegeu por suas ideias, indo contra “o fascismo, comunismo, picanha, cerveja, isso não bota comida no prato de ninguém”. Durante a entrevista, Ciro voltou a repetir que o ex-presidente Lula e o PT fazem o que seria um “fascismo e desonestidade”.

Discurso mais duro tem espantado antigos aliados...

Ciro vem adotando um discurso mais duro contra Lula nas últimas semanas, principalmente por conta dos pedidos do que seria o “voto útil” para encerrar a eleição ainda no primeiro turno. No entanto, as críticas mais incisivas ao ex-aliado estão repercutindo negativamente entre os próprios correligionários e apoiadores.

Ao mesmo tempo em que o tom foi elevado, simpatizantes da sua candidatura passaram a criticá-lo e a pedir votos para o ex-presidente, como os cantores Caetano Veloso e Tico Santa Cruz; ex-aliados como a deputada federal Tabata Amaral (PSB), que publicou um vídeo no Twitter a favor de Lula; dissidentes e ex-integrantes do PDT , entre outros. Em alguns estados, candidatos a governador passaram a se descolar de Ciro nas campanhas locais.

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Na manhã desta quinta-feira (22), após uma reunião com embaixadores da União Europeia, Ciro Gomes voltou a criticar o voto útil para Lula e Bolsonaro, dizendo que seria o mesmo que “esquecer a corrupção”.

“Eu sou a favor do voto útil, temos que fazer do nosso voto uma coisa útil contra a corrupção. Eles gostariam muito de que as pessoas entendessem que voto útil é você esquecer determinadas questões graves, como a corrupção, o mesmo modelo econômico e trágico que produziu o desemprego em massa e a inadimplência humilhante das famílias para 66 milhões de pessoas”, afirmou.

No entanto, disse que vai “continuar trabalhando com serenidade e com equilíbrio”, sem comentar o tom mais duro que vem adotando na campanha. O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, foi procurado pela Gazeta do Povo para comentar a estratégia de Ciro e a afirmação sobre o “deep state”, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

... mas atraiu outros com quem já teve rusgas no passado

Embora o acirramento das críticas a Lula tenha espantado alguns antigos aliados, outros começaram a surgir – ou, pelo menos, a indicar alguma simpatia pelo discurso.

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O ex-juiz e candidato ao Senado pelo Paraná, Sérgio Moro (União Brasil), afirmou, no Twitter, que a “campanha de ataque ao Ciro Gomes é mais uma demonstração da natureza totalitária do PT. Querem destruir todos que se opõem ao partido”. Ambos já trocaram farpas afiadas no passado.

Renan Santos, coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL) e ex-apoiador de Bolsonaro (se apresenta como “detrator oficial do governo federal”), também saiu em defesa de Ciro, e ainda botou na conta da imprensa o "assédio eleitoral" que o pedetista vem sofrendo. "A imprensa gosta de denunciar a polarização, mas basta existir um terceiro nome que eles correm pra destruir e sabotar", escreveu nas redes sociais.

Além deles, o discurso mais agressivo de Ciro Gomes também ganhou a simpatia de Silvio Grimaldo, aluno do filósofo Olavo de Carvalho e criador do site Brasil Sem Medo. O sociólogo disse que “infelizmente, o Ciro é o único que tem coragem de falar de George Soros nessa eleição”, em referência à citação feita pelo candidato na sabatina do Estadão na quarta (21).