A guerra entre Rússia e Ucrânia possibilitou a abertura de um palanque político no Brasil para opositores ao governo criticarem a política externa e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Municiados pelo posicionamento de neutralidade diplomática do Itamaraty, pela viagem de Bolsonaro à Rússia e pela perspectiva de aumento da inflação com a guerra, opositores dão sinais de que vão incorporar os acontecimentos recentes no leste europeu para engrossar as críticas.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) citou o conflito para colocar em xeque a política externa de Bolsonaro. Pelas mídias sociais, disse que um presidente da República precisa "conversar" e ser um "maestro da orquestra chamada Brasil" para que o país possa "viver em harmonia". "Se você tem um presidente que briga com todo mundo, ele serve para que? Até em coisas sérias ele mente, disse que tinha conseguido a paz ao viajar para a Rússia", declarou. Em entrevista a uma rádio, sugeriu que Bolsonaro deveria ir à Ucrânia "resolver o problema lá".
Pré-candidato à Presidência pelo PDT, o ex-governador cearense Ciro Gomes foi um dos que usou as redes sociais para criticar Bolsonaro. Disse que o Brasil precisa se preparar para os reflexos do conflito, "muito especialmente" por ter "um governo frágil, despreparado e perdido". O pedetista citou que o barril de petróleo superou os US$ 100 e cravou que esse aumento vai "atingir em cheio" a economia brasileira. "Por termos uma política absurda de preços rigidamente atrelada ao mercado internacional", disse.
O ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) foi outro pré-candidato a questionar o presidente da República, embora também tenha citado o PT, que, no Senado, fez críticas aos Estados Unidos. "É muito preocupante o apoio de Bolsonaro e do PT ao governo Putin. Eles apoiam o lado errado. O lado do agressor e do autoritarismo. Este não é e nunca será o lado escolhido pelos brasileiros. Somos pela paz e pelo respeito à soberania da Ucrânia e de todos os países", declarou.
A pré-candidata do MDB, senadora Simone Tebet (MS), foi outra a usar as redes sociais para questionar o governo. "O Itamaraty precisa prestar assistência imediata aos brasileiros, garantir sua segurança e tirá-los da área de conflito. E o governo federal precisa deixar claro que nosso respeito é à soberania e aos princípios de não intervenção territorial e que estaremos lutando por uma solução de paz, através do diálogo e da diplomacia", ponderou.
Como o governo encara as críticas da oposição sobre a neutralidade
As críticas de opositores não surpreendem o governo, que calculou os impactos políticos que poderiam surgir desde a viagem de Bolsonaro à Rússia e permaneceu monitorando a escalada do conflito diplomático entre russos e ucranianos mesmo antes de a guerra eclodir. O discurso interno, contudo, não é de preocupação. A estratégia adotada é dar as respostas internas e manter as políticas planejadas em diferentes setores.
O governo está seguro de que a política externa adotada é correta e desdenha dos opositores. O Itamaraty tomou conhecimento, por meio de seus diplomatas em missão na Europa, de que na França, por exemplo, onde haverá eleições presidenciais em abril, todos os candidatos pregaram posições mais duras que as adotadas pelo presidente Emmanuel Macron. Alguns até sugeriram que o governo francês não adotasse apenas sanções, mas também se envolvesse militarmente.
"O que vemos no Brasil é o mesmo paralelo com a França. É fácil dizer o que pensa quando está fora do governo, outra é quando é governo e tem que tomar uma decisão", sustenta um diplomata ao defender a posição adotada pelo governo. "Não sei se haveria espaço para irmos muito além disso, tomar um partido e seguir muito às vezes por aqueles impulsos da imprensa internacional. Os dois países são amigos do Brasil com quem temos relações de comércio", complementa.
Interlocutores da chancelaria brasileira ponderam que, do ponto de vista da política externa, o Brasil não é um ator relevante no cenário do leste europeu e ponderam que o conflito está além da influência da diplomacia brasileira. "Somos um país relevante no contexto internacional, mas a repercussão na Europa oriental para nós já é bastante reduzida e, por outro lado, a nossa repercussão e capacidade de influenciar em um conflito dessa natureza é zero. Qualquer coisa que façamos em política exterior não terá qualquer repercussão em relação a essa situação", diz um interlocutor do Itamaraty.
Na política exterior, insiste o interlocutor, é preciso medir a relação "custo-benefício". "Podemos ter uma relação um pouco mais, digamos, definida, mas qual é o custo disso? Vamos nos indispor com esses atores e qual é o benefício que vamos obter disso? Praticamente nenhum. É preciso ter um olhar estratégico", explica. "Agora, é claro que, na política interna, posições A ou B vão usar o cenário para tentar desgastar o governo. É sempre muito mais difícil ser governo, porque você tem responsabilidades pelo que diz", acrescenta.
Itamaraty não deve adotar discurso crítico a Putin
A possibilidade de o Brasil adotar sanções ou uma postura mais contundente contra a Rússia é afastada no Itamaraty, a despeito de pressões internas e externas. Representantes de embaixadas do G7, por exemplo, esperam que o Brasil condene as ações da Rússia na ONU. Um interlocutor diz que o governo não tem uma posição equidistante do conflito e tem condenado o uso da violência em fóruns internacionais, mas entende que uma postura mais contundente não será adotada.
"Temos posição definida de contrariedade à guerra e em favor do entendimento, sobretudo da discussão dos temas que enfrentam Ucrânia e a Rússia nos organismos multilaterais, nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança. Estamos bem definidos em relação a isso. Agora, eu não vejo o Brasil fazendo declaração forte contra a Rússia. É inócuo, não temos como adotar sanções, mandar forças [militares], e, obviamente, não faria o menor sentido", sustenta uma fonte do Ministério das Relações Exteriores.
No Palácio do Planalto, a repercussão quanto às críticas também não é diferente. "A campanha já começou, então, qualquer coisa vai ser motivo para tentar desgastar o presidente, mas isso não vai para frente", analisa um interlocutor que não prevê impactos políticos ou eleitorais a Bolsonaro. "O que podemos ter de enfrentar é a inflação, que pode subir pressionado pelos combustíveis", pondera o assessor.
Nas Forças Armadas, onde também há a avaliação de que o posicionamento do Itamaraty foi correto, a análise é de que o governo não sai impactado pelas críticas a Bolsonaro. "O povo está preocupado é com segurança, saúde, educação. Poderão vir a se preocupar se a economia piorar, mas o governo está atento a isso", sustenta um oficial militar que não faz parte do governo Bolsonaro.
Como a política interna do governo vai reagir ao conflito na Ucrânia
Na noite de quinta-feira (24), o presidente da República se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, com o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e outros auxiliares para "dimensionar" o conflito armado e discutir as estratégias possíveis de serem adotadas.
No campo das relações exteriores, o governo está focado em resgatar todos os brasileiros e sul-americanos em segurança. Interlocutores do Itamaraty sustentam que o governo vai fazer o possível, mas alertam que a missão não será simples.
Na tarde desta sexta-feira (25), a embaixada do Brasil em Kiev anunciou aos brasileiros que estão na capital ucraniana que há uma opção de sair de trem da cidade, a qual está sob ataque russo. O destino é Chernivtsi, no oeste do país, que fica nas proximidades da fronteira com a Romênia.
No campo econômico, o discurso no Ministério da Economia é de manter o foco nas políticas concentradas e trabalhar em termos de melhorar as condições do desenvolvimento da economia neste ano de eleição onde o empenho do ministro Paulo Guedes é de manter a política de austeridade fiscal e não arrombar os cofres por conta do período eleitoral, dizem interlocutores.
A leitura feita por alguns na equipe econômica é de que o conflito armado pode se arrefecer e mitigar os impactos à economia global. De toda a forma, a meta é adotar as políticas econômicas previstas para evitar maiores danos à atividade econômica brasileira. "Diante dos fatos, nós estamos concentrados no alívio e no impacto das contas de energia e dos combustíveis", diz um interlocutor de Guedes, em referência às medidas estudadas para reduzir o preço de combustível e energia.
"Estamos concentrados para aliviar o impacto de tudo que é essencial na economia, melhorar a situação na indústria e reduzindo o imposto, a exemplo do IPI. E lançando o programa de crédito para micro e pequenas empresas, mantendo as diretrizes do Pronampe [Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte], do FGO [Fundo de Garantia de Operações] e do FGI [Fundo Garantidor de Investimentos]", diz um assessor da equipe econômica.
O programa de crédito para as micro e pequenas empresas deve ser lançado após o carnaval e prevê uma injeção de R$ 100 bilhões à economia. Outra medida que deve ser anunciada após o feriado nacional é o anúncio da liberação de novos saques de R$ 1 mil do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A equipe econômica está comprometida a monitorar a economia global, mas interlocutores ponderam que o governo vai se ater a encontrar soluções internas. "O restante não é nosso domínio, nesse caso [do conflito], não somos músicos, somos dançarinos. Nós temos que cuidar do nosso quintal e aguardar os efeitos dessas movimentações lá fora", sustenta um assessor.
A perspectiva de aumento dos combustíveis em decorrência da alta do barril de petróleo, no entanto, não será um fator que levará o governo a defender uma alteração à política de preços dos combustíveis. "O que discutimos é incidência de carga tributária em cima de combustíveis, que é uma discussão antiga e está agravada agora. Não há espaço para querer fazer medidas artificiais. Toda a facilidade gera dificuldade no tempo, mexe agora para pagar a conta depois", alerta um interlocutor.
Nas relações comerciais do agronegócio, o governo também está ciente dos eventuais impactos e se movimenta para evitar o encarecimento de produtos no mercado interno. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse na quinta-feira que a pasta monitora o conflito e tem procurado alternativas aos fertilizantes importados da Rússia, caso as importações sejam inviabilizadas.
O que dizem deputados da base e independentes sobre o conflito e seus impactos
A leitura feita por deputados da base governista e independentes em relação ao Planalto é mais comedida que a feita pelos presidenciáveis e opositores de Bolsonaro sobre a posição do governo acerca da guerra na Ucrânia. O presidente nacional em exercício do PP e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Rússia, deputado federal Cláudio Cajado (BA), entende o posicionamento do Itamaraty.
"A política externa brasileira é essa. Ela tem como princípios a autodeterminação dos povos, a não intervenção sobre assuntos externos e tem sido ao longo dos anos a política adotada e a política reconhecida. Então, o Brasil há tempos demonstra uma certa neutralidade que não se confunde com a missão, e, diante disso, a nota do Itamaraty não poderia ter sido diferente. Me parece que o Itamaraty agiu segundo esse princípio e histórico do que reza nossa tradição", diz.
Embora compreenda o posicionamento pragmático adotado pelo Itamaraty, Cajado defende, contudo, uma posição mais firme à investida russa sobre a Ucrânia. "Como presidente do grupo parlamentar, eu penso diferente, a Rússia excedeu os limites do que poderia ser aceitável ao partir para uma guerra que deixou clara a intenção dela desde o início. Entendo que ao menos opiniões pessoais poderiam ser expressadas de forma mais clara sobre o excesso que a Rússia praticou", pondera.
Do ponto de vista da política interna, Cajado não identifica impactos político ou eleitorais a Bolsonaro. "Não sai fortalecido, nem enfraquecido, pelo menos até o momento não vejo relação de prejudicá-lo", analisa. O presidente em exercício do PP também faz uma leitura sobre como Lula e outros presidenciáveis usaram o conflito para se posicionar. "Tentar politizar internamente é algo que até não caberia, até porque a população, nesse caso específico, não está muito preocupada com quem vai defender a posição de Putin ou não. O que ela quer saber é sobre o Auxílio Brasil e se haverá ajuda às pessoas que precisam e que estão vulneráveis nesse momento, se temos o controle da inflação e se os empregos estão voltando, como, de fato, estão", avalia.
O deputado federal Evair de Melo (PP-ES), vice-líder do governo na Câmara, é outro a entender como correta a postura adotada pelo Itamaraty. "Realmente, o Brasil não tem que se meter nisso, o país precisa exportar, nós precisamos, inclusive, dos fertilizantes da Rússia. Temos que construir uma agenda olhando para o nosso próprio negócio", defende.
Quanto aos impactos políticos que a guerra pode gerar ao Brasil, Melo entende que Bolsonaro e o governo não serão impactados. "Só ver as pesquisas [eleitorais], ele acertou nesta pauta [política externa]. Mostram que ele está em ascendência crescente fruto das decisões que têm tomado", diz.
O deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também entende como correta a abordagem do governo sobre o conflito e afasta qualquer especulação sobre o posicionamento estar atrelado a uma intenção do Itamaraty em preservar o agronegócio brasileiro, como foi aventado no governo.
"A gente não pode colocar isso nesta conta, não é por aí. É uma posição de diplomacia brasileira histórica. Lógico que o Brasil é um país dependente de fertilizantes do leste europeu, da Bielorússia, Ucrânia, da Rússia, que são grandes produtores de fertilizantes, tanto é que o presidente da República, com uma agenda recente, foi lá e reforçou a necessidade do Brasil para garantir que a gente tenha a garantia de produção do país", destaca. O presidente da FPA entende como coerente a posição de neutralidade adotada e concorda que o governo não deve adotar uma postura mais firme e condenar os ataques russos. "Não tem por que entrarmos de cabeça em uma confusão que não é necessária agora", diz Souza.
O deputado federal Hildo Rocha (MDB-MA), primeiro-vice-líder do partido e membro titular da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, concorda com a posição de neutralidade tomada pelo governo, mas defende que o Itamaraty deva ser mais firme na defesa de paz. Para ele, é necessário um pronunciamento mais incisivo do ministro Carlos França sobre a situação.
"É preciso um discurso mais contundente pela paz que reforce que o Brasil não vai aceitar a interferência de um país sobre o outro", diz. Para ele, com dosagem no tom, é possível condenar os ataques e ainda manter uma postura neutra. "Cada país tem a sua autonomia e sua soberania, que não pode ser quebrada por outro país", complementa.
Coordenador da comissão de relações internacionais da FPA, Rocha alerta para o risco que a guerra pode gerar ao Brasil em toda a cadeia produtiva e no agronegócio. "O preço do barril de petróleo subindo impacta o custo de produção da agropecuária, porque nós temos uma cultura muito mecanizada e dependente do óleo diesel", diz. Outro fator que também pode encarecer os custos de produção é a previsão de alta do milho. "A guerra traz impactos a grandes produtores de milho, como a Croácia, e isso vai afetar, sem dúvida nenhuma, na produção de milho, que é base de alimentação dos animais", adverte.
Que peso a política externa pode ganhar na corrida eleitoral
Embora os adversários eleitorais de Bolsonaro tenham colocado a política externa em seus discursos em virtude da guerra na Ucrânia, é improvável que esse tema ganhe os holofotes na corrida eleitoral. O analista político Ricardo Mendes, diretor da consultoria Prospectiva, prevê pressão de jornalistas e de parte da sociedade, mas avalia que não é um tema que vai polarizar e ter destaque no debate eleitoral.
"Ele acaba não ganhando a tração que algumas pessoas gostariam que tivesse no debate público, fora que isso não dá voto. É um tema que, sim, pode ser usado na 'guerra eleitoral', vão usar a viagem do Bolsonaro e falar sobre, mas a repercussão disso é muito pequena", analisa Mendes. "O que importa mesmo é a segurança, saúde pública, economia e geração de emprego, que são as principais preocupações do eleitor, que vão figurar no topo da agenda eleitoral", acrescenta.
O presidente nacional em exercício do PP, deputado Cláudio Cajado, concorda que a política externa tende a não ganhar os holofotes políticos ao longo da disputa presidencial. "Sempre haverá uma parte dos planos de governo focada na política externa, isso sempre é abordado, mas não creio que isso seja um tema que será absorvido na eleição de forma generalizado", avalia.
O presidente em exercício do PP e do Grupo Parlamentar Brasil-Ucrânia também endossa a análise de que a agenda eleitoral será pautada pelas pautas tradicionais. "A política externa não vai se sobrepor em detrimento a pautas como segurança, educação, saúde, infraestrutura e a condução da economia, sobretudo. A política externa sempre será importante, abordada, debatida, mas não com essa amplitude sobre ser uma diretriz de o candidato melhorar ou piorar nas pesquisas", pondera.
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