“Era bonito a gente viajar o mundo e falar: ‘No Brasil tem 30 milhões de crianças de rua. No Brasil tem…’ a gente nem sabia… ‘tem não sei quantos milhões de abortos…’ Era tudo clandestino, mas a gente ia citando números, sabe? Se um cara perguntasse a fonte, a gente não tinha, mas tinha que dizer números.”
O trecho é de um vídeo conhecido em redes sociais e grupos de WhatsApp: em uma entrevista de 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) admite ter mentido sobre índices sociais para prejudicar adversários em seus tempos de oposição. A fala antiga de Lula é emblemática de um comportamento de certos setores da esquerda que volta a vir à tona com a proximidade das eleições: apresentar números de forma falsificada ou distorcida com objetivos políticos.
Na última semana, o apresentador Emílio Surita, do programa “Pânico”, da Jovem Pan, viralizou nas redes sociais por ter ironizado veículos de comunicação e formadores de opinião que relativizam estatísticas positivas sobre o Brasil. No trecho que ganhou repercussão, Surita zomba das ressalvas feitas às boas notícias sobre a atual situação do país: “Desemprego recua para 9,3% em junho, mas número de informais é recorde, aponta IBGE. (…) Brasil tem menor taxa de homicídios em uma década, mas está entre os dez países mais violentos do mundo.”
A apresentação enviesada de números para desvalorizar adversários não é, obviamente, uma novidade recente no mundo da política. Contudo, o uso frequente do recurso – mesmo quando se abordam dados claramente favoráveis à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) – tem incomodado apoiadores do governo à medida que as eleições se aproximam.
No começo deste ano, quando vieram à tona as estatísticas de redução no número de homicídios no Brasil, por exemplo, especialistas com viés de esquerda disseram a meios de comunicação que os índices poderiam ser explicados pela “profissionalização” do mercado de drogas brasileiro e pelo apaziguamento de conflitos entre facções. Por outro lado, o aumento do número de pessoas que passam fome no Brasil, revelado em pesquisa recente, foi atribuído principalmente à má gestão do atual governo e apresentado como um problema de proporções muito maiores do que as reais.
Na polêmica sobre as queimadas e o desmatamento da Amazônia, em 2019, a comparação de um mês específico do ano com os anos anteriores foi suficiente para criar uma comoção internacional, da qual participaram vários dos maiores meios de comunicação do mundo. Pouco se levaram em conta perspectivas mais aprofundadas sobre o assunto e aspectos que poderiam servir para relativizar a gravidade dos dados. Nas pautas identitárias, a esquerda domina há anos no Brasil a arte de inflar estatísticas, criar narrativas a partir de estudos sem transparência e fazer interpretações falaciosas de números com o intuito de modificar a percepção das pessoas sobre determinadas realidades.
Para Eduardo Matos de Alencar, doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a tendência de enviesamento dos números certamente tem relação com o enorme predomínio de esquerdistas no universo acadêmico do país. “O que acontece hoje é que a academia brasileira – e, por academia, entendam-se não só universidades, mas também instituições do terceiro setor que produzem trabalho com dados – é majoritariamente ocupada por pessoas de esquerda. Não sei se há uma predominância de desonestidade no debate sobre estatística vindo de pessoas de esquerda. Eu sei que os caras da esquerda têm mais órgãos para vocalizar e amplificar a mentira. Não resta a menor dúvida disso”, observa.
Diante desse predomínio, é natural que especialistas de universidades, fundações públicas, instituições de fomento e entidades do terceiro setor tendam a transmitir aos meios de comunicação o viés da bolha de esquerda em que se situam. “Com exceção de alguns poucos institutos de economia de uma vertente mais liberal – e não tem absolutamente nenhum de vertente mais conservadora, isso é fato –, com exceção destes poucos liberais, todo o mundo é de esquerda”, diz o sociólogo.
A possibilidade de manipular os indicadores sociais com um viés é, como recorda Alencar, alvo de uma brincadeira no mundo da ciência, segundo a qual “não é necessário distorcer os números – basta fazer as perguntas convenientes e não fazer as inconvenientes”. “Distorcer o número é uma falsificação grotesca, mas, se eu fizer a pergunta ‘certa’ e não fizer a pergunta que me incomoda, eu consigo manipular muito mais o resultado do que se eu simplesmente tentar fazer uma falsificação.”
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Caso da redução nos homicídios é exemplo mais escandaloso da interpretação enviesada de números
Entre as interpretações enviesadas de números positivos para o Brasil nos últimos anos, a redução dos homicídios pode ser considerada o caso mais emblemático.
Em 2017, o Brasil bateu o recorde histórico de mortes violentas num só ano, com mais de 63 mil homicídios, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Era consenso que a violência era um dos maiores problemas do país. Não por acaso, o assunto se tornou crucial nas eleições de 2018, com candidatos ao Executivo e ao Legislativo se apoiando nesta pauta durante a campanha e enfatizando a necessidade de aumento da repressão como forma de diminuir os homicídios.
Nos quatro anos seguintes, houve uma tendência quase constante de redução nos assassinatos – em 2021, o índice foi o mais baixo desde 2007. Entre os exercícios de interpretação desses dados, no entanto, são raras as manifestações de reconhecimento da eficácia de ações do Executivo federal e dos governos estaduais de direita.
“Se você olhar o comentário dos analistas de segurança pública, é assim: no primeiro ano que diminuiu, colocava-se certa descrença quanto a ser uma tendência ou não. Aí, no segundo ano que diminuiu, já tinha um alerta dizendo que podia ser que piorasse, por causa do aumento de circulação de armas de fogo relacionado às medidas do governo para facilitar o acesso da população às armas. Em 2020 [quando houve uma pequena alta nos números de homicídios], cravaram que o Brasil havia perdido uma oportunidade histórica, porque, quando houve um pequeno decréscimo na violência, liberaram muito as armas, que estariam sendo responsáveis por esse rebote. Mas, em 2021, diminuiu, em 2022 está diminuindo de novo, e agora eles vieram com a conversa – que, para mim, é a mais absurda de todas – de que isso se deveria a uma suposta profissionalização das facções criminosas, o que não faz o menor sentido”, comenta Alencar, que é autor do livro “De quem é o comando? O desafio de governar uma prisão no Brasil”, vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional 2020.
Algumas explicações autênticas para a redução nos índices de violência, diz o especialista, podem ser “um alinhamento progressivo e cada vez mais fluido entre as polícias estaduais e o Poder Executivo” e “entre as secretarias de Defesa e Segurança Pública estaduais e o Poder Executivo, para repasse de verba, estruturação de investigação criminal e estruturação de equipamento da polícia”. Também contribuiu para o combate à violência, segundo ele, a queda na credibilidade de discursos ideológicos antipunitivistas.
“A gente vê um recuo do progressismo na segurança pública muito evidente. Os estados começaram realmente a adotar o discurso de que prender bandido é um dos elementos essenciais para qualquer política de segurança pública, que é preciso diminuir a impunidade, aumentar a celeridade no cumprimento de prisões etc. São vários fatores que são consenso no mundo todo, mas o Brasil ainda resistia a eles”, explica.
Outro fator importante para a diminuição dos homicídios, de acordo com o sociólogo, é o aumento substantivo na apreensão de drogas e o fortalecimento dos processos de investigação e perícia criminal. “É muito difícil que haja um declínio tão grande da violência ao longo de quatro anos, cinco anos, sem que isso seja fruto de resposta ativa dos atores envolvidos no sistema de justiça criminal”, acrescenta.
Para Alencar, há outros fatores que podem ter sido determinantes, como as variações demográficas da população, mas, neste caso, seria necessário um estudo estatístico a fundo do fenômeno da diminuição dos homicídios. Nesse sentido, uma barreira importante é a falta de interesse sobre o assunto em instituições dominadas pelo esquerdismo.
“Justo na época em que seria interessante estudar estatisticamente, de forma séria, esse problema, não estão aparecendo os estudos financiados em universidades para isso. E um dos fatores possíveis para isso é o seguinte: para boa parte da academia dita progressista, não há nenhuma conveniência em se estudar uma diminuição da violência que acontece pari passu a um aumento da circulação de armas de fogo, porque isso, de fato, tende a invalidar completamente as teorias que eles desenvolveram para explicar a violência no Brasil nos últimos 20 a 30 anos”, conclui.
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