A reunião com embaixadores em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) questionou a segurança do sistema eleitoral brasileiro e fez críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a ministros da Corte dividiu a base governista e o próprio núcleo da campanha eleitoral. Bolsonaro afirmou a dezenas de diplomatas que compareceram no Palácio da Alvorada, na segunda-feira (18), que o sistema do TSE não é seguro por já ter sofrido um ataque hacker, e que a votação em urnas eletrônicas não é auditável. Esta e outras alegações feitas por Bolsonaro já foram respondidas pelo TSE em ocasiões anteriores (leia aqui).
Parte de aliados e estrategistas da pré-candidatura entendem que o discurso contra o processo eleitoral não amplia os votos e até pode afastar apoios ao longo da campanha à reeleição. Para políticos e interlocutores desse grupo, o discurso é visto como radical e pouco agregador para buscar, sobretudo, os votos de eleitores indecisos.
A outra parcela de aliados e integrantes do núcleo de campanha entende que a reunião e as falas do presidente foram importantes para reforçar a posição de uma agenda inegociável para Bolsonaro e suas bases política e eleitoral mais "raiz". O discurso entre eles é de que, ao contrário do que alega a oposição, o chefe do Executivo reafirma um discurso por mais democracia e não menos.
Entre ponderações, alertas e opiniões de aliados e coordenadores da campanha dos dois grupos, Bolsonaro assumiu o desafio de conciliar os discursos de questionamentos às urnas e a demanda por mais transparência às eleições com falas mais propositivas sobre a defesa ao legado do governo federal. É o que avaliam diferentes fontes de ambos os lados da base política ouvidas pela Gazeta do Povo.
Por que críticas ao TSE e ao sistema eleitoral não agradam parte da base
A percepção entre aliados contrários aos questionamentos e críticas ao sistema eleitoral é de que Bolsonaro não amplia sua base de votos e transmite um tom de radicalização à campanha. Para essa ala da base, as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral são seguros e o presidente já conta com uma parcela de cerca de 30% da população que apoia esse tipo de discurso e não deixará de votar nele.
Além da contrariedade às críticas e questionamentos ao sistema eleitoral, alguns integrantes do núcleo da campanha também avaliam como negativa a reunião entre Bolsonaro e embaixadores. Para esse grupo, a imagem transmitida com contestações às urnas e críticas a ministros do TSE passa uma imagem de "derrota". A associação a Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, é feita por alguns.
O deputado federal José Nelto (PP-GO), vice-líder do partido na Câmara, está entre os integrantes da base que concordam com essa linha de visão e entende que o presidente transmite uma imagem semelhante a Trump ao contestar o sistema eleitoral. Para ele, o presidente não transmitiu uma imagem vitoriosa.
"Fica uma imagem 'trumpista'. Quem ganhar a eleição, leva. Sempre foi assim, vale para qualquer cargo. O que a campanha tem que se preocupar é em ganhar a eleição nas urnas e mostrar que ele é o melhor para o Brasil. Essa imagem a campanha não poderia deixar passar, mas aconteceu, de que a vitória dele está em xeque porque as urnas são fraudulentas, de que pode ganhar e não levar", pondera.
Nelto esclarece que apoia a reeleição de Bolsonaro em sua base eleitoral, mas se diz sincero ao expressar seu pensamento sobre a reunião com os embaixadores. "Foi um fiasco, muito ruim para o Brasil. Eu acho que o presidente não poderia submeter o país e ele próprio àquela humilhação, passou a imagem de isolamento", critica.
O vice-líder do PP entende que o tipo de posicionamento contra as urnas e o sistema eleitoral não agregam novos votos e, consequentemente, pode até afastar aliados. "Como o PT ficou tantos anos, eu acho que o presidente tem que ter a oportunidade de ficar mais quatro anos de governo e que a ação dele em relação aos combustíveis foi importante. Mas você não pode passar uma imagem que só será derrotado porque as urnas são fraudáveis", avalia Nelto.
"As urnas não são fraudáveis e o presidente não atrai votos dos indecisos e perde aliados ao passar a imagem de preocupação em relação ao sistema eleitoral. Ele tem que estar preocupado em arrumar votos e em fazer uma campanha vitoriosa. Para isso, tem que falar o que fez, como pegou o governo e o que entregou até agora", complementa.
Outro aliado entende que a hipótese de uma ruptura institucional é "zero", ao contrário do que acusam opositores, mas concorda que Bolsonaro não agrega votos ao discursar criticamente sobre as urnas. "A chance de golpe é zero, não existe, isso é bobagem. Quem tenta levar para esse lado é porque quer polemizar a situação. Claro que, se houver eleições cada vez mais seguras e transparentes, elas são mais positivas para a democracia, mas eu não acho que tem que polemizar em relação a isso. Esse discurso não atrai o eleitor indeciso", analisa reservadamente um deputado influente do Centrão.
O que diz a base "raiz" de Bolsonaro sobre críticas ao TSE e às urnas
O deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara, concorda que Bolsonaro deve incorporar mais defesas ao legado de seu governo em seus discursos. Porém, entende que isso não impede o presidente de, paralelamente, defender mais lisura nas eleições e questionar a segurança do sistema eleitoral.
"De fato, falta falar mais sobre o legado do governo, isso tem que ser feito, porque tem tanta coisa boa que foi feita e não está sendo divulgada. Espero que isso seja usado no horário eleitoral. Agora, uma coisa não tem a ver com a outra. As duas coisas podem estar simultaneamente nos discursos do presidente", defende.
Para Bibo, a fala de Bolsonaro por si só não o levará a perder votos nem obter novos votos. "Quem confia nas urnas e quem não confia já tem sua posição definida, o quadro já está estabelecido. O que o presidente quis fazer foi mostrar ao mundo a situação de desconfiança do eleitor, que poderia ser evitada se o voto impresso auditável tivesse sido aprovado e o país investido R$ 2 bilhões no aprimoramento tecnológico das urnas", avalia.
Pré-candidato à reeleição, Bibo também não demonstra preocupações sobre a hipótese de integrantes da base não se engajarem na campanha do presidente devido aos discursos contra o sistema eleitoral. "O 'isentão', sinceramente, eu nem me interesso, ele não tem o nosso perfil. Aqui, tem que ter lado", pondera.
A deputada federal Aline Sleutjes (Pros-PR), líder do partido na Câmara e vice-líder do governo no Congresso, minimiza os ruídos e críticas de alguns na base em relação à reunião e às falas de Bolsonaro. "O que ocorre é que ele não é um 'isentão', ele tem posicionamentos que desagradam pessoas que viveram muito tempo de um lado para o outro. E o presidente não é assim, tem conduta, posicionamento firme, propósito", analisa. "O presidente mostrou um posicionamento de transparência, responsabilidade, de zelo pelo país, sempre defendendo nossa nação", elogiou.
Pré-candidata ao Senado no estado, Aline acredita que o posicionamento do presidente não tem o risco de desengajar aliados durante a campanha. "Está consolidado. Agora, o que essa base nova não pode querer cobrar é que ele se transforme em algo que não é. Nesse jogo de interesses de partidos, de siglas, acho que, mais do que se preocupar neste momento com a opinião dos caciques 'X' e 'Y' dos partidos 'A' ou 'B', temos que nos preocupar com o povo, que tem que estar convencido de que fazemos o melhor para a nação", afirma.
A deputada pondera que é preciso avançar junto ao eleitor que "não é nem de direita, nem de oposição", e que não está "antenado na política nacional" e mostrar os avanços propiciados pelo governo. "O desafio maior não são nem as siglas partidárias ou os grandes nomes políticos, é a população mesmo", analisa. "A eleição é o momento sublime onde todos com cargo ou sem cargo têm um voto apenas e oportuniza as pessoas terem o direito de escolher seus representantes", acrescenta.
Reunião com embaixadores foi reação a Fachin e ao TSE, diz base de Bolsonaro
Parte da base do governo e de membros do núcleo de campanha defendem a reunião entre Bolsonaro e embaixadores como uma reação a um evento no TSE em que o presidente do tribunal, ministro Edson Fachin, convidou embaixadores para falar sobre as eleições e o sistema eletrônico de votação.
A reunião entre Bolsonaro e embaixadores contou com o aval e a coordenação de integrantes militares do "núcleo duro" presidencial que entendem que o presidente deveria reagir ao TSE. "Os críticos dizem que o presidente quis provocar, mas ele apenas reagiu às provocações. Não é comum em um país democrático ministros do STF chamarem mais de 50 representantes de outras nações para discutir sobre eleições, sem a prerrogativa e sem falar com o ministro das relações internacionais", comenta um interlocutor da campanha.
Alguns integrantes do núcleo duro também discordam da tese de que o encontro entre Bolsonaro possa tirar votos e reforça que a reunião está incorporada dentro de uma estratégia política da campanha. "O presidente está pensando em pelo menos manter seu eleitorado no primeiro turno. Se ele faz isso, já está no segundo turno, onde a eleição será outra", pondera um interlocutor.
O deputado federal Filipe Barros (PL-PR), vice-líder do partido, defende a reunião realizada pelo presidente e a reação ao TSE. "Convém lembrar que a política externa quem faz é o chefe de Estado, portanto, o presidente Bolsonaro. E determinados ministros do TSE estavam até semana passada se reunindo com embaixadores, tentando convencer os embaixadores de que nosso sistema é seguro e tentando convencer os respectivos países dos embaixadores a aceitar o resultado tão logo ele seja proclamado", destaca.
Barros pondera que Bolsonaro encerrou a apresentação aos embaixadores com o questionamento sobre por que os países ali representados nunca adotaram ou deixaram de utilizar o mesmo sistema eletrônico eleitoral brasileiro. A reunião foi classificada por Barros como "extremamente produtiva e técnica" por entender que, na maioria das falas, o presidente ressaltou documentos do próprio TSE elencados no âmbito de um inquérito da Polícia Federal.
"Infelizmente, parcela considerável da imprensa insiste em dizer que não existem provas quanto às vulnerabilidades do nosso sistema eleitoral. Dos 45 minutos, o presidente passou pelo menos 30 minutos mostrando provas do inquérito de 2018 com documentos do próprio TSE assumindo as vulnerabilidades e potencialidades que essa invasão ocasionou na eleição daquele ano", comenta o deputado.
O senador Luiz do Carmo (PSC-GO), líder do partido e pré-candidato à reeleição no estado, usou o Twitter para defender a reunião entre Bolsonaro e embaixadores. "O ministro Fachin se reúne com embaixadores é visto como um ato democrático… Bolsonaro faz reunião com embaixadores e é visto como um ato golpista, antidemocrático. Tá na hora da maioria silenciosa acordar, antes que a esquerda comece a acreditar nas suas próprias mentiras", declarou.
O que o TSE já disse sobre as alegações de Bolsonaro contra urnas e ministros
Várias das alegações feitas pelo presidente Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e os ministros do TSE já foram rebatidas pela Corte em outras ocasiões e também pelos próprios magistrados. A comunicação do TSE selecionou várias declarações e divulgou uma resposta a elas, com base em conteúdo já publicado em seu site oficial.
O TSE rebateu a alegação de Bolsonaro de que, em 2018, um hacker teve acesso a "tudo" dentro dos sistemas do tribunal. A Corte diz que a tentativa de ataque não violou a segurança das urnas. Cita várias agências de checagem que, com base na opinião de especialistas, afirmam que a invasão de 2018 não implicou em fraude no registro ou contagem dos votos. Sustenta, ainda, que as urnas podem ser auditadas "antes, durante e depois das eleições".
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Da mesma forma, o TSE contesta a afirmação de que um hacker poderia excluir nomes de candidatos das urnas. "Em nenhum momento as urnas eletrônicas são conectadas à internet, nem possuem placa que dê acesso a outro tipo de conexão em rede", diz o tribunal.
Sobre a declaração de que os logs foram apagados – arquivos que registram todo percurso do hacker dentro dos sistemas, na invasão de 2018, foram perdidos pela empresa terceirizada –, o TSE diz que isso não representou risco à integridade das eleições, porque os códigos dos programas passaram por "sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação". "Nada de anormal ocorreu", disse o tribunal em nota divulgada no ano passado. "É possível afirmar, com margem de certeza, que a invasão investigada não teve qualquer impacto sobre o resultado das eleições", diz outro trecho da nota.
A respeito da reunião realizada ao fim de maio entre embaixadores e o presidente do TSE, Edson Fachin, a Corte informou à época tratar-se de um evento sobre o calendário das eleições, estatísticas e voto no exterior, bem como o sistema eletrônico de votação. Naquele mesmo mês, o magistrado anunciou que as eleições poderiam contar com mais de 100 observadores internacionais.
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