Com o término do período de convenções partidárias, todos os candidatos que disputarão as eleições deste ano estão aptos a gastar dinheiro público em suas campanhas. Estarão disponíveis R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral e ainda uma quantia considerável do Fundo Partidário, que é de R$ 1,1 bilhão em 2022 e que também pode ser usado para promover os políticos na disputa eleitoral.
As despesas podem ser efetuadas a partir da obtenção de um CNPJ e de uma conta bancária específica para cada candidatura. Para isso, bastará ao político apresentar à Justiça Eleitoral e aos bancos seu pedido de registro de candidatura, aprovado nas convenções, realizadas entre 20 de julho e 5 de agosto. A Leis das Eleições e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traçam limites do que pode ou não ser gasto nas campanhas.
A lei considera gastos eleitorais aqueles realizados para compra de materiais impressos para promover as candidaturas; produção de programas de rádio e televisão; aluguel de locais para atos da campanha; instalação e funcionamento de comitês; transporte de candidatos e pessoal de apoio, bem como a remuneração destes profissionais; contratação de carros de som e realização de comícios; produção de pesquisas; confecção de sites de campanha e impulsionamento de postagens nas redes sociais.
Tudo isso deverá estar declarado na prestação de contas – uma declaração parcial deverá ser divulgada em 15 de setembro no site do TSE. Depois, 30 dias após as eleições (ou 20 dias após o segundo turno), a prestação final deverá ser enviada à Justiça Eleitoral – a falta desse documento impedirá a diplomação de quem for eleito.
Mudanças na lei excluíram dos gastos permitidos de campanha pagamentos por espetáculos e cachê a artistas; para produção e distribuição de camisetas, chaveiros e brindes; bem como aluguel de bens particulares para veicular propaganda. Também é proibido, por resolução do TSE, o pagamento de combustível e manutenção de veículo usado por candidato; remuneração, alimentação e hospedagem de motorista; alimentação e hospedagem do próprio candidato; e quitação de contas de linhas telefônicas em nome do político.
Quais devem ser os maiores problemas com gastos eleitorais
Uma das maiores especialistas do país no tema é Denise Schlickmann, secretária de Controle Interno e Auditoria do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), e autora da obra Financiamento de Campanhas Eleitorais. Um dos problemas que ela prevê na campanhas é o candidato usar recursos do Fundo Eleitoral ou Partidário para essas despesas proibidas. “O que surge é candidato declarar gasto que não é eleitoral e a Justiça Eleitoral apontar que aquele recurso não pode ser usado para aquela finalidade e ele ter de devolver, porque são despesas dele”, diz.
Analista do TSE e professora de direito eleitoral do Instituto Atual, Ingrid Reale prevê problemas relacionados aos gastos com impulsionamento de conteúdo a favor de candidatos nas redes sociais. A resolução do tribunal permite que essas despesas sejam feitas mesmo no período de pré-campanha, antes de 16 de agosto, desde que “respeitada a moderação de gastos”.
Para Ingrid, é um conceito aberto que ainda deverá ser refinado pela Justiça Eleitoral. “A gente não tem parâmetro. Talvez, se for provocado, o TSE vai ter que se debruçar sobre isso. Em que limite o candidato vai gastar? Um gasto considerado excessivo pode configurar abuso de poder econômico? Pode gerar desequilíbrio entre candidatos?”, questiona a analista.
Já tramita no TSE, uma representação do PT contra o PL por um gasto de R$ 742 mil, em julho, para impulsionar no YouTube vídeos com o jingle de campanha do presidente Jair Bolsonaro, antes da convenção que aprovou sua candidatura à reeleição. Em 72 horas, a propaganda obteve 81 milhões de visualizações. “O Partido Liberal gastou, por anúncio, uma média de R$ 49.466,67, enquanto os demais partidos reunidos gastaram, por anúncio, uma média de R$ 2.169,46: ou seja, impressionantes vinte e duas vezes mais, por anúncio, que a média dos outros partidos”, diz o PT, apontando falta de moderação nos gastos.
Em julho, o presidente do TSE, Edson Fachin, rejeitou uma liminar para multar o PL em R$ 1,4 milhão, como pedia o PT, por falta de precisão na definição do que é a "moderação de gastos" prevista na resolução. “O conceito normativo invocado, qualificado pelo significante moderado, desafia um processo interpretativo exaustivo para a formulação de um significado jurídico apto a se projetar de maneira impessoal para todos os atores envolvidos no processo eleitoral”, escreveu o ministro na decisão.
Outra dúvida é que ainda não está claro se esses gastos com impulsionamento, realizados antes do período oficial de propaganda, deverão constar na prestação de contas do candidato – isso porque, quando ainda não havia registro oficial de candidatura, a despesa poderia ser feita por ele como pessoa física.
Ingrid lembra ainda que somente candidatos e partidos podem pagar pelo impulsionamento. Se eleitores contratarem o serviço em favor de um político, ficam sujeitos a multas. O empresário Luciano Hang, por exemplo, foi condenado a pagar R$ 10 mil por impulsionar propaganda a favor de Bolsonaro na eleição de 2018.
“Se comprovado o benefício ou a ciência por parte do candidato, ele também pode ser responsabilizado e pagar multa. Em casos mais graves, poderá haver apuração por abuso de poder econômico”, alerta a professora e analista do TSE.
Outros problemas relacionados aos recursos para campanhas
Denise Schlickmann também prevê outros problemas, não diretamente ligados aos gastos, mas ao próprio manejo dos recursos. O primeiro é a possibilidade de partidos financiarem candidatos a deputado federal ou estadual de outros partidos. Isso foi proibido pelo TSE em 2019 a partir da proibição das coligações proporcionais – as alianças entre partidos, pelas quais seus candidatos compartilhavam os votos nas eleições para a Câmara Federal ou assembleias estaduais.
No fim de julho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski negou um pedido para permitir que partidos doassem para candidatos a deputado de outras legendas que apoiassem um mesmo candidato a governador.
“Se um partido repassar recurso para candidato a deputado estadual ou federal que não é do partido, é como se o partido estivesse abastecendo campanha rival. Você tem um desvio de finalidade. Isso é mau uso do recurso e obriga quem repassou e quem recebeu a devolver [o dinheiro]. Esse risco existe, porque não há compreensão, na prática, do fim da coligação proporcional e é a primeira vez que ela acontece em eleições gerais”, diz.
Outro problema, segundo Schlickmann, é a ausência de critérios legais para a distribuição interna dos recursos que cada partido tem para seus candidatos. Os únicos requisitos da lei são a reserva de 30% da verba para candidatas mulheres e o financiamento proporcional de candidatos negros, de acordo com o número que representarem na chapa.
“O que acho problemático é que não se garante que haja distribuição equitativa de recursos, que haja respeito às normas de democracia intrapartidária, porque a decisão fica a critério apenas no diretório nacional. Então, essa distribuição pode ser concentrada em poucas campanhas eleitorais. Os recursos podem financiar poucas campanhas, apesar de serem recursos vultosos”, diz a especialista.
Fiscalização dos gastos de campanha e possíveis punições para candidatos
No lado da receita, além dos recursos públicos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, as campanhas poderão receber dinheiro de pessoas físicas. A arrecadação começou em maio, por meio de "vaquinhas" virtuais, mas ela também poderá ser feita diretamente na conta do candidato a ser aberta. Todos os doadores serão identificados.
Até o dia 31 de dezembro deste ano, a Justiça Eleitoral deverá consolidar as informações sobre as doações recebidas pelos candidatos. Os dados serão enviados à Receita Federal, a quem caberá cruzar as informações e verificar irregularidades, no ano seguinte.
Depois disso, a Justiça Eleitoral também julgará as contas, levando em conta receitas e despesas. Elas poderão ser aprovadas (quando não há irregularidades), aprovadas com ressalvas (quando falhas não implicarem irregularidades) ou desaprovadas (irregulares).
Vários aspectos são verificados: pessoas físicas, por exemplo, não podem doar acima de 10% de seu rendimento bruto no ano anterior. O próprio candidato pode usar recursos próprios em sua campanha, mas só até 10% do limite de gastos para o cargo ao qual concorre. Na maioria dos casos, irregularidades mais simples resultam em multas.
No entanto, há irregularidades consideradas mais graves. Isso ocorre quando se comprovam serviços não prestados – o que sinaliza desvio do dinheiro que deveria ser empregado na campanha. Outra situação é o crime de caixa 2 – doações não contabilizadas, muitas vezes de financiadores que querem cobrar contrapartidas do político durante o mandato.
Casos assim podem caracterizar abuso de poder econômico na campanha. Esse ilícito, no limite, pode levar à punição de cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos, especialmente quando a irregularidade é considerada grave – por exemplo, quando causa desequilíbrio na disputa.
Para acusar um candidato por isso, um partido deve pedir a investigação da campanha, apresentando relatos e provas, até 15 dias após a diplomação dos eleitos (que ocorre em dezembro). Caberá ao corregedor do tribunal eleitoral abrir uma investigação e autorizar a coleta de provas. Ao final do processo, que inclui ampla defesa do candidato, o acusado poderá ser condenado ou absolvê-lo.
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