Em agosto de 2020, em uma palestra promovida pelo Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu os membros da Corte como “editores de um país inteiro”, em analogia entre o trabalho de um magistrado e o do editor de um órgão de imprensa. Nesta quinta-feira (20), a metáfora se tornou literal.
Com o pretexto de dar agilidade ao combate às fake news, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma resolução que dá à Corte o poder de polícia para remover da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, conteúdo “sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado” que “atinja a integridade do processo eleitoral”. O tribunal também poderá determinar a “suspensão temporária” de perfis ou canais com “produção sistemática de desinformação”, que veiculem informações “falsas ou descontextualizadas”.
O caráter vago dos termos empregados na decisão para definir os novos poderes do TSE faz com que praticamente qualquer conteúdo jornalístico publicado na internet relacionado às eleições – inclusive este texto que você lê – esteja sujeito a eventuais arbitrariedades de juízes eleitorais. Os censores responsáveis por definir o que pode ou não circular pela internet serão os membros de uma assessoria interna do TSE de combate à desinformação.
Para o deputado federal Enrico Misasi (MDB-SP), mestre em Direito Constitucional pela USP, um dos aspectos mais graves da decisão é seu “alto grau de arbitrariedade”. “Não tem parâmetros objetivos para definir o que é ‘gravemente descontextualizado’ ou não”, afirma. Ele também critica a indefinição do conceito de atentado à “integridade do processo eleitoral”. “O que é que atinge a integridade do processo eleitoral? Qual o critério para definir? Não tem. Não tem critério. Cada juiz vai analisar com o seu arbítrio, com a sua cabeça, com a sua consciência, se aquele fato inverídico ou descontextualizado faz com que a lisura do processo eleitoral e a integridade do processo eleitoral sejam atingidas ou não. É inaceitável que haja uma arbitrariedade tão grande.”
A decisão desta quinta é o ápice de uma tendência que o TSE já vinha manifestando nos últimos dias ao censurar conteúdos de meios como a Gazeta do Povo e a Brasil Paralelo, e iniciar uma investigação contra a Jovem Pan. O tribunal já censurou 60 conteúdos que ligam Lula a corrupção, ao PCC, a Daniel Ortega e a outros temas sensíveis ao PT.
A origem dessa tendência remonta a março de 2019, data da instauração do inquérito das fake news. A coleção de ilegalidades do inquérito desde o início – como a violação ao sistema acusatório, a apuração de um crime que não está tipificado em nossa legislação e a violação ao princípio da ampla defesa – banalizou na Justiça brasileira o pretexto de que “situações excepcionais exigem medidas excepcionais” – como afirmou o ministro do TSE Ricardo Lewandowski ao votar a favor da decisão desta quinta.
Já vivemos em um estado de exceção? Juristas comentam
Diante das decisões do TSE, já seria possível afirmar que estamos em um estado de exceção? Juristas consultados pela Gazeta do Povo manifestam visões que divergem ligeiramente, mas apontam para uma resposta afirmativa.
Para Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito, autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral”, “estamos diante de um estado de exceção, exceção à Constituição”. “Nós estamos num estado de exceção porque a Constituição proíbe expressamente a censura prévia. E nós temos veículos de comunicação sob censura prévia. Temos uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral, feita às vésperas do segundo turno, que modifica o processo eleitoral, ferindo o princípio da anualidade, em desconformidade com a própria legislação eleitoral, criando uma anomalia: a figura do censor oficial, concentrada na figura do presidente da corte”, diz.
Soares da Costa lembra que poderá haver uma concentração de poder nas mãos do presidente do TSE, que estará habilitado a estender decisões tomadas em um caso para outros casos análogos. “A resolução autoriza a que o presidente, depois da decisão de um determinado caso específico, estenda aquela decisão para qualquer URL, qualquer link que, por similitude, entenda ele que deva ser excluído, sem que haja direito de defesa do devido processo legal”, explica. “Nós temos uma resolução que viola a Constituição em várias cláusulas pétreas, em garantias e direitos fundamentais. É um estado de exceção criado através de resolução do Tribunal Superior Eleitoral”, conclui.
O colunista da Gazeta do Povo André Uliano, mestre em Direito e professor de Direito Constitucional, é menos taxativo, mas diz que o Brasil vem adquirindo elementos de estado de exceção, e que a decisão de quinta-feira do TSE “acirra novamente esse quadro crítico”. “Esse processo se instalou e se agravou com medidas como o ‘inquérito do fim do mundo’. A gestão que o TSE fez nestas eleições, vedando a divulgação de notícias verdadeiras, inclusive por vezes sabidamente verídicas e perfeitamente contextualizadas, agrava esse processo”, comenta ele.
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