A construção de palanques do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode isolar definitivamente o projeto da chamada terceira via. A articulação de alianças nos estados tende a tornar a corrida presidencial mais polarizada e encastelar o centro político, que teria menos musculatura partidária para encampar uma competitiva candidatura a nível nacional.
As pré-campanhas de Bolsonaro e Lula articulam a montagem de chapas nos 26 estados e no Distrito Federal com o apoio de candidatos dos mais diferentes partidos de centro. A coordenação petista dialoga com quadros políticos além de PSB, PCdoB, Rede, Psol e PV. Há conversas com MDB, PSD, PDT, Solidariedade e até de partidos que apoiam seu principal adversário, como PP e Republicanos.
Os aliados e coordenadores da pré-campanha de Bolsonaro não ficam para trás e também constroem palanques com o apoio não apenas de PL, PP e Republicanos e PTB, legendas que integram a base, mas também de União Brasil, MDB, PSD, PSDB e PSC, como informou a Gazeta do Povo em mapeamento feito em todas as unidades federativas.
A articulação conduzida pelas pré-campanhas de Bolsonaro e Lula têm em comum o interesse de construir palanques fortes nos estados para potencializar as respectivas pré-candidaturas nacionais. Na prática, os arranjos estaduais abrem espaço nas mesas de negociação das cúpulas partidárias para a possibilidade de coligações nas chapas presidenciais.
Quanto maior for uma coligação presidencial, mais tempo de horário eleitoral gratuito os candidatos terão em 2022, por exemplo. Em um país em que veículos tradicionais de mídia ainda têm um expressivo alcance junto aos eleitores, parte das estratégias eleitorais de Bolsonaro e Lula passa, portanto, pela articulação com os partidos de centro. Por consequência, coalizões com parte dessas legendas podem provocar um natural enfraquecimento e até isolamento da terceira via.
União Brasil, MDB, PSD: quais as chances de apoio a Lula ou Bolsonaro
A pedido de suas bases, o União Brasil e o MDB "liberaram" suas bancadas nos estados para construírem suas alianças independentemente das aspirações presidenciais. Ambos os partidos têm pré-candidatos à Presidência da República e participam da discussão de uma candidatura única com o PSDB e o Cidadania.
Do MDB, Lula tem o apoio de 14 diretórios estaduais, enquanto Bolsonaro conta com o apoio em dois diretórios. Já o União Brasil, que surgiu da fusão entre PSL e DEM, sinaliza até o momento a possibilidade de palanques em até 10 estados a Bolsonaro e apoio a Lula em Pernambuco.
O PSD, que não participa formalmente das negociações sobre uma candidatura única da terceira via, também deu sinal verde para seus diretórios estaduais negociarem o apoio a Lula ou Bolsonaro. O partido apoiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como pré-candidato, e tentou lançar como pré-candidato Eduardo Leite (PSDB), ex-governador do Rio Grande do Sul.
Por ora, a orientação dos diretórios nacionais desses partidos é apoiar o debate de uma terceira via, mas mesmo lideranças políticas das legendas admitem que a "liberação" das executivas estaduais abre a possibilidade de construção de um apoio nacional a Bolsonaro ou Lula.
O deputado federal Alan Rick (União Brasil-AC), ex-vice-líder do DEM, é pré-candidato ao Senado e participa das articulações de montagem da chapa que oferecerá palanque a Bolsonaro, com o atual governador do Acre, Gladson Cameli (PP), que irá à reeleição. Ele afirma que sua legenda vai permitir composições nos estados.
"Pelo que acompanho e converso com o [ACM] Neto [secretário-geral do União Brasil e pré-candidato ao governo da Bahia], o partido vai compreender as composições estaduais e não vai impor uma verticalização. O presidente Bolsonaro vai poder compor com vários de nossos integrantes nos estados, é uma realidade", diz.
"O meu desejo é que o partido apoie o presidente. Nós temos uma corrente interna que defende isso e outra que defende uma terceira via, mas eu sou defensor de estar com o presidente", destaca Rick. Embora manifeste seu apoio ao presidente e acredite que os arranjos estaduais abrem a possibilidade de a legenda compor com Bolsonaro, o pré-candidato ao Senado evita cravar. "É prematuro", justifica.
A leitura de que é possível os partidos de centro virem a apoiar Lula ou Bolsonaro é partilhada entre lideranças de outros partidos da terceira via. No MDB, alguns acreditam que o partido possa reeditar o apoio ao PT como na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, enquanto outros defendem aliança com Bolsonaro. Segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo, publicada nesta terça-feira (3), os dirigentes do partido avaliam, com base em uma pesquisa interna, que há uma ala majoritária em defesa de uma aliança pela reeleição do presidente. A fim de manter uma coesão interna, o presidente da sigla, Baleia Rossi, insiste na candidatura da senadora Simone Tebet.
No PSD, deputados e senadores não negam a possibilidade de o partido apoiar Bolsonaro, embora governistas identifiquem, hoje, uma chance maior de coligação com Lula.
Indefinições na terceira via animam Lula e Bolsonaro
A indefinição de um nome, a saída do União Brasil das negociações para uma candidatura única e até a abertura de conversas desses partidos de centro com a centro-esquerda capitaneada por Ciro Gomes (PDT) animam as pré-campanhas de Bolsonaro e Lula. Aliados e integrantes de ambos acreditam que a falta de consenso da terceira via impulsiona a polarização à medida em que sobressaem as incertezas de sucesso do centro.
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, deixou claro que o grupo não veta a participação de Ciro nas negociações. "Vamos aguardar. Quem sabe, a partir dessa entrevista, ele [Ciro Gomes] possa se animar e não tenha dúvida que nós aqui não estaremos também desanimados", declarou.
O pedetista, por sua vez, demonstrou disposição para dialogar com os partidos da centro-direita. "O Bivar, que assumiu a presidência do União Brasil, me perguntou se eu aceitava participar de um diálogo. Ora, diálogo é diálogo, eu aceito participar. Evidente que eu aceito participar", afirmou Ciro em entrevista à Rádio Bandeirantes.
A possibilidade de Bivar lançar uma chapa "puro-sangue" entre ele e o ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil) é outro entrave que coloca em dúvida a viabilidade de sucesso da terceira via.
O que aliados de Bolsonaro dizem sobre o isolamento da terceira via
A articulação dos presidenciáveis e dirigentes da terceira via é desdenhada no governo e por aliados da base. Na cúpula do PL, por sinal, circula uma análise predominante de que os partidos sabem que não conseguirão encampar um nome com força para furar a polarização.
A decisão dos partidos em não antecipar a data de 18 de maio para o anúncio de um nome único seria, assim, uma tentativa de elevarem seus capitais políticos a fim de negociar uma aliança com Bolsonaro e Lula. Dois deputados do PL da ala mais fiel ao presidente afirmam, inclusive, que os partidos teriam pedido o comando de três ministérios. A informação é rejeitada por lideranças da terceira via.
A Gazeta do Povo informou anteriormente que, para construir uma "super coligação", o governo acenou positivamente nos bastidores para o apadrinhamento de aliados políticos em cargos de segundo e terceiro escalões na Esplanada dos Ministérios, além de outros postos inferiores. Caso seja reeleito com o apoio de partidos de centro, Bolsonaro não descarta compor sua próxima equipe ministerial com nomes de alguns desses partidos.
No início do governo, o MDB teve um de seus integrantes indicado para o Ministério da Cidadania. O DEM chegou a ter membros no comando dos ministérios da Saúde, Agricultura e Casa Civil, embora sempre tenha negado as indicações. Atualmente, o PSD tem um integrante no comando do Ministério da Agricultura. Para 2023, Bolsonaro trata como inegociáveis os ministérios do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura, da Economia e da Educação.
O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), vice-presidente nacional do PL e vice-líder do partido, tem "certeza absoluta" que mais partidos de centro podem vir a compor na coligação de Bolsonaro, inclusive parte dos que debatem a terceira via. "Faz parte do jogo, tentam uma terceira via que não têm sequer nome e não vai a lugar nenhum", analisa.
O vice-presidente nacional do PL admite que a montagem de palanques estaduais ajuda na construção do diálogo a nível presidencial que pode levar os partidos de centro a compor com Bolsonaro. "Os palanques ajudam e é fundamental, tem que reservar espaço para esse pessoal. O União [Brasil], por exemplo, se vier conosco, terão esse espaço", pondera o Capitão Augusto.
"Todos os partidos que vierem — e virão para a coligação do presidente —, você precisa ter uma composição e espaço ao partido, não pode ser algo que eles venham para somar e não tenham nenhuma força política em troca. Precisa apoiar os candidatos deles também. É algo que vai acontecer naturalmente em 45 dias ou no máximo em dois meses", acrescenta.
O deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), vice-líder do governo e de seu partido, auxilia na construção do palanque de Bolsonaro no Amazonas em apoio à candidatura à reeleição do atual governador, Wilson Lima (União Brasil). Segundo o deputado amazonense, Lima admitiu em entrevista ter a liberdade de seu partido para caminhar com Bolsonaro. A expectativa dele é de que a montagem dos arranjos estaduais possa resultar no apoio do União Brasil ao presidente da República. "Pode ser que 'amanhã' declare apoio, tudo evolui na política, mas não há nada fechado", diz Alberto Neto.
Já o deputado federal Wellington Roberto (PL-PB), ex-líder do partido, acredita que as composições possam ser feitas, mas aponta que o apoio dos partidos de centro a candidaturas apoiadas por Lula no Nordeste sugerem que uma coalizão nacional possa dificultar as conversas.
O ex-líder do PL também não descarta a hipótese de "apoio branco" da base de Bolsonaro a pré-candidaturas de partidos de centro que possam ser competitivas contra as chapas apoiadas por Lula. Em alguns estados do Nordeste, como o Ceará e a Bahia, o cenário não é descartado por aliados.
Na Bahia e no Ceará, o União Brasil tem as pré-candidaturas de ACM Neto e do deputado federal Capitão Wagner. Ambos não admitem dividir um palanque único com Bolsonaro, embora aliados deles e de Bolsonaro falem em palanques de "pluricandidaturas". "São palanques que aceitam candidaturas das mais variadas. Os partidos que apoiam o presidente poderão tranquilamente trazê-lo", afirma um deputado federal do União Brasil.
Como a terceira via é avaliada por Lula e aliados do PT
Aliados de Lula e o próprio petista também desdenham e minimizam as chances de a terceira via se consolidar. No PT, alguns elencam até mesmo o último levantamento da FSB Pesquisa, contratado pelo banco BTG Pactual, que apontou o ex-presidente com 41% das intenções de voto e Bolsonaro com 32%.
Além de quantificar a polarização entre os dois, aliados de Lula apontam outro revés para a terceira via: o de que 82% dos entrevistados que declararam a intenção de voto em Lula ou Bolsonaro não mudarão sua escolha. A pesquisa aponta que o índice daqueles que têm certeza do voto em Ciro Gomes é de 39%. A taxa dos que não mudarão o voto a João Doria é ainda menor, de 26%.
A desconfiança quanto à viabilidade da terceira via foi até comentada por Lula em entrevista no dia 19 de abril à rádio Conexão 98, do Tocantins. "Não acredito que surja a terceira via. Acho que vai ser polarizado, mas não temos que ter medo da polarização. O que é preciso é que digamos ao povo o que está em jogo", declarou.
Aliados de Lula criticam o endurecimento do tom usado por Ciro ao petista e analisam ser improvável a tentativa da terceira via avançar com a abertura de diálogo com o pedetista. O ex-governador maranhense Flávio Dino (PSB), pré-candidato ao Senado, diz que ele "jamais será uma alternativa para a direita".
"O 'bolsonarista' não vai buscar o Ciro. Se ele tem o Bolsonaro verdadeiro, por que votará no Bolsonaro falso?", comentou Dino em entrevista ao canal da revista Carta Capital no YouTube na segunda-feira (25). "A posição do Ciro é tão ruim que não serve nem a ele, pois não resulta em um ganho eleitoral e, ao mesmo tempo, o faz perder a capacidade de seduzir uma parte da sociedade", analisou.
A construção de palanques estaduais também é uma prioridade a Lula. Ele, por exemplo, pretende ser um intermediador na disputa entre as pré-candidaturas ao governo da Paraíba, onde Lula apoia as pré-candidaturas do atual governador, João Azevedo (PSB), que irá à reeleição, e a do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), vice-presidente do Senado. Lula disse isso em entrevista a influenciadores digitais transmitida em suas redes sociais na semana passada. O petista evitou, porém, defender a ideia de palanque único apoiada pelo diretório estadual do PT, de apoiar somente o pré-candidato emedebista.
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