A Câmara dos Deputados e o Senado dispõem, hoje, de mecanismos de transparência e fiscalização que permitem aos cidadãos acessarem dados de despesas feitas pelas instituições e pelos parlamentares. Os portais das duas Casas possibilitam também o acompanhamento da tramitação de projetos de lei e de outras propostas do Legislativo.
Este quadro, porém, não elimina por completo a possibilidade de ocorrerem desvios de finalidade ou gastos contestáveis por parte de deputados federais e senadores. A existência do chamado "orçamento secreto" é um exemplo de situação controversa que ocorre mesmo sob os olhares da fiscalização pública. A análise é de especialistas no tema consultados pela Gazeta do Povo.
O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, disse considerar "completamente obscuro" a sistemática de pagamento das emendas de relator, que são a base do orçamento secreto. "Aí predomina um interesse político. A meu ver, o interesse político de um grupo parlamentar, que hoje em dia é da base de apoio do presidente [Jair Bolsonaro], e que criou um instrumento a meu ver promíscuo", opinou.
Análise parecida é a de André Amaral, analista da Transparência Internacional no Brasil: "os graves revezes criados pela atual legislatura têm colocado em risco os avanços dos últimos anos. Apesar dos portais da Câmara e do Senado na internet serem avançados, mecanismos utilizados no cotidiano legislativo tornaram sua atividade opaca, inacessível e imprevisível".
O orçamento secreto é um sistema criado por parlamentares do Centrão, com anuência do governo Jair Bolsonaro (PL), para viabilizar o acesso de deputados e senadores a recursos federais, sem que haja transparência nos critérios de destinação. As verbas são distribuídas por meio das chamadas emendas de relator a obras escolhidas pelos parlamentares. Não há um critério técnico para definir qual congressista será ou não premiado, e nem um padrão que a obra pública contemplada deva seguir.
Por conta disso, o orçamento secreto é visto como um modelo para garantir apoio do Congresso ao governo e também para permitir a implantação de esquemas de corrupção "na ponta", com gastos em projetos pouco fiscalizados. O orçamento secreto permitiu, por exemplo, a compra de tratores com preços superfaturados e em cidades distantes da base política de alguns parlamentares.
A divulgação dos gastos de senadores e deputados também não impede que haja despesas de perfil extravagante por parte dos congressistas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez no primeiro semestre uma série de viagens com aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para eventos de pré-campanha de seu partido, em diferentes estados. E recentemente, no início de agosto, assumiu mandato no Senado o suplente Guaracy Silveira (Avante-TO), com direito a um gabinete formado por 94 servidores e uma folha mensal de R$ 446 mil.
Os casos foram divulgados pela Gazeta do Povo no blog do Lúcio Vaz, jornalista especializado na fiscalização de gastos públicos. Vaz também identificou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se utilizou de seguranças do Senado para uma viagem particular a Orlando (EUA) em julho.
O que Câmara e Senado oferecem hoje
A Câmara dos Deputados oferece, entre seus mecanismos de participação e transparência, enquetes sobre os projetos de lei em tramitação, participação em audiências interativas e projetos na área educacional voltados a crianças e adolescentes. Outros mecanismos de participação da Câmara são a ouvidoria da casa e o Fale Conosco, que recebe denúncias e outras demandas dos cidadãos.
Segundo a Casa, no ano passado foram 1,2 milhão de votos registrados em enquetes, 2.867 demandas recebidas no Fale Conosco e 39.813 ligações recebidas pelo Disque Câmara.
Existe também na Câmara a Comissão de Legislação Participativa, que tem como meta deliberar sobre projetos apresentados por entidades da sociedade civil, como sindicatos. A comissão é, historicamente, ocupada por membros da esquerda, e tem como presidente atual o deputado Pedro Uczai (PT-SC).
Tanto a Câmara quanto o Senado mantêm portais da transparência e páginas sobre a atividade parlamentar que permitem um acompanhamento detalhado da atuação dos congressistas. É possível verificar, por exemplo, como os deputados e senadores votaram em cada uma das propostas colocadas em pauta, o número de presenças e ausências nas sessões de plenário e comissões, as passagens aéreas emitidas em nome dos parlamentares e também como cada um gastou o chamado "cotão", a cota para atividade parlamentar que permite a execução de gastos dos mais diferentes perfis.
O Senado mantém ainda o portal SIGA Brasil, que divulga informações sobre o orçamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. "O SIGA Brasil é mais completo do que o Portal da Transparência da CGU", afirmou Castello Branco, em referência ao site mantido pela Controladoria-Geral da União, que integra a estrutura do governo federal.
Estágio de evolução
A advogada Viviane Furtado Migliavacca, especialista em direito digital e compliance, identifica que existe no Brasil atual um quadro de melhoria em relação à transparência dos órgãos públicos. Segundo ela, os mecanismos de transparência passaram a ser utilizados pelo público geral, não somente por pesquisadores e profissionais de áreas ligadas ao tema.
Ela cobra, entretanto, que o poder público esteja em um processo constante de evolução para o assunto. "Não é simplesmente existir e disponibilizar um canal para atender à Lei [12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação]. É preciso criar e até mesmo educar o cidadão para melhor compreensão e utilização dos canais", acrescentou.
Ela relembrou que os países que apresentam maiores índices de transparência e menores de corrupção são, também, países que oferecem uma melhor qualidade de vida aos cidadãos. O tema foi destacado também em reportagem recente da Gazeta do Povo.
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