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TSE - Exército - Forças Armadas
Novo modelo de urna eletrônica: TSE respondeu a questionamentos dos militares sobre a segurança das urnas eletrônicas e Forças Armadas podem preparar novos questionamentos.| Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE

A relação entre as Forças Armadas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi abalada pelas recentes declarações em defesa das urnas eletrônicas feitas pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, o atual e o ex-presidente do TSE. A Gazeta do Povo apurou que as declarações geraram incômodo entre militares; e que podem gerar reação.

Causou irritação o tom usado pelos ministros nos últimos dias para defender as urnas eletrônicas mesmo após o TSE informar, em resposta às Forças Armadas, ter identificado 712 riscos na área de tecnologia da informação da Corte desde as eleições de 2018. Na caserna, existe a avaliação de que os ministros tentam usar de seu poder para impor sua defesa das urnas e para pressionar que todos os apoiem sem contestações sobre o sistema eletrônico de votação do país.

Publicamente, quem se manifestou foi o general da reserva, Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Na quarta-feira (23), durante solenidade em Brasília, Ramos criticou declarações de Fachin, sem citar o nome dele.

"Na viagem [à Rússia, de uma comitiva brasileira que acompanhava Bolsonaro], fomos surpreendidos por notícias vindas do Brasil que uma alta autoridade, de uma instituição de Estado, afirmou, de maneira leviana – e por que não dizer, de certa forma, irresponsável, talvez sem ter a consciência do que ele estava dizendo – de que estávamos na Rússia liderados pelo presidente para levantar processos, alguma artimanha para os russos nos ensinarem, e, no retorno, nós usarmos no Brasil. Isso é inaceitável", disse Ramos. A afirmação seria a de Fachin de que haveria hackers russos tentando interferir nas eleições do Brasil – e, na interpretação de Ramos, o ministro do TSE insinuou que o governo brasileiro teria buscado essa tecnolgia.

"Me dou o direito, quando autoridades investidas de um poder destes, começam a falar, a se expressar, com esse tipo de pronunciamento, me dá o direito de levantar dúvidas com relação à isenção e imparcialidade de futuros processos", disse Ramos, em cerimônia no Palácio do Planalto, na qual Bolsonaro também criticou o TSE.

Embora a declaração de Ramos possa ser vista como uma posição do governo e não das Forças Armadas, a Gazeta do Povo apurou que os militares estão dispostos a não aceitar a pressão dos ministros do TSE e Supremo Tribunal Federal (STF) e a "narrativa" que estaria sendo imposta por eles sobre as urnas eletrônicas.

Para tanto, além da indisposição das Forças Armadas em ratificar a segurança das urnas eletrônicas, como informou anteriormente a Gazeta do Povo, também existe a possibilidade de os militares encaminharem ao TSE novos questionamentos sobre os processos que envolvem os procedimentos técnicos, a transparência e a segurança das urnas eletrônicas.

Apesar disso, a avaliação interna é de que as Forças Armadas foram tragadas pelo fogo cruzado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL), que contesta a segurança das urnas, e os ministros do STF, que atestam sua inviolabilidade. Os militares destacam serem representantes de uma instituição de Estado e asseguram não ter um "lado" nessa queda de braço, mas afirmam que não estão plenamente convencidos sobre os argumentos dos ministros do TSE sobre a segurança da votação eletrônica.

Alguns militares mais críticos aos ministros entendem até que os posicionamentos de Fachin e Barroso sobre as urnas colocam em suspeição a ética e idoneidade da participação das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) do TSE, colegiado instituído no ano passado. "Estão criando uma 'cortina de fumaça' para plantar uma narrativa contra a credibilidade das Forças Armadas, caracterizar que o presidente [Bolsonaro] teve acesso a dados sigilosos e que atuamos, a mando dele, para atender a seus interesses políticos – o que é leviano e infundado", sustenta um oficial militar do Exército.

O que dizem os ministros e o que esperar da relação entre militares e o TSE

Em sua posse como o novo presidente do TSE, na terça-feira (22), Fachin disse que não se renderia a "investidas maliciosas contra as eleições", pregou "respeito ao resultado das urnas" e apontou como um dos "muitos desafios a serem enfrentados" o prestígio da "verdade sobre a integridade das eleições brasileiras" ao defender as urnas eletrônicas.

Na quarta-feira (23), em entrevista coletiva à imprensa, Fachin afirmou que imputar fraude nas urnas eletrônicas sem apresentar provas ao tribunal, como já fez Bolsonaro, "desborda da ambiência da crítica política". "Afeta uma instituição e é, por assim dizer, um argumento a busca de um pretexto e da entronização de um pivô de crie. E isso não vai ocorrer", declarou.

Em entrevista à TV Globo na terça, o ministro disse, ainda, que "não há dúvida" de que Bolsonaro vazou dados sigilosos sobre a Justiça Eleitoral e também demonstrou preocupação sobre o que considerou ser ameaças de intervenção militar e a tribunais, ao lembrar de manifestações mobilizadas por apoiadores do presidente da República. "Manifestações em frente ao quartel de uma das forças integrantes das Forças Armadas, harmonizando-se com pedido de intervenção militar, com pedido de fechamento do Supremo Tribunal Federal, não são atitudes coerentes com a defesa democrática", disse.

Já Barroso alertou em entrevista à CNN Brasil na segunda-feira (21) que "qualquer acusação fraudulenta que comprometa o processo democrático deve ser apurada com rigor". "Aliás, o Tribunal Superior Eleitoral votou, por unanimidade, pela cassação do mandato por uso de poder político dos meios comunicação de um candidato que, no dia das eleições, foi para as mídias sociais dizer que as urnas estavam fraudadas e indicou quais eram. Foi feita perícia e era mentira", disse, referindo-se ao deputado estadual do Paraná Fernando Francischini.

Na última quinta-feira (17), porém, Barroso disse presumir que os militares não estejam "municiando" Bolsonaro contra o TSE. "A gente presume que vai ser uma colaboração de boa-fé e não um exercício de inteligência para colher informações e nos atacarem. Então, eu nunca presumo o pior das pessoas. Eu estou presumindo que as Forças Armadas estão aqui para ajudar a democracia brasileira, e não para municiar um presidente que quer atacá-la", declarou.

Mas a fala de Barroso sobre contar com a "boa-fé" de militares não foi bem recebida dentro das Forças Armadas, onde só cresce o entendimento de que os ministros do TSE estariam colocando em xeque a imparcialidade dos militares no âmbito da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) do tribunal.

Um interlocutor de um comandante de Força até avalia que o atual clima pode impactar no relacionamento entre a Corte eleitoral e os militares. Segundo a fonte, o relacionamento entre os comandantes e a cúpula das Forças Armadas e os ministros do TSE é profissional e permanecerá. Mas ele acredita que o tratamento pode vir a ser diferente. "Há uma relação profissional, não são melhores amigos, não há uma proximidade calorosa, mas é profissional. As Forças Armadas são uma instituição de Estado e o profissionalismo nunca vai ser comprometido, mas é possível que tenhamos um tratamento mais frio e distante", analisa.

Quais os próximos passos na relação entre as Forças Armadas e o TSE

Os ministros do TSE negam que seus posicionamentos sejam uma resposta às Forças Armadas. Segundo eles, o que há é uma reação a Bolsonaro – que, antes mesmo de o tribunal responder aos questionamentos feitos pelos militares sobre as urnas eletrônicas – disse que haviam sido encontradas "possíveis vulnerabilidades", o que causou forte incômodo entre os magistrados.

Desde então, os ministros têm adotado uma defesa enfática à segurança das urnas para se contrapor Bolsonaro, que na quarta-feira (23), rebateu os magistrados. "Não é que nós vamos resistir, nós não vamos perder essa guerra, a alma da democracia está no voto. O 'seu João', a 'dona Maria', tem o direito de saber se o teu voto foi contado. Os poderes são harmônicos e independentes. Quem não quer lisura no processo eleitoral?", comentou o presidente, durante cerimônia de lançamento da carteira nacional de identidade, no Palácio do Planalto.

A avaliação política feita na Esplanada dos Ministérios é de que a troca de farpas entre Bolsonaro e os ministros do TSE tende a continuar. Interlocutores do Planalto afirmam que o presidente vai manter sua defesa por mais lisura no processo eleitoral e interlocutores de ministros da Justiça Eleitoral asseguram que eles também não deixarão de rebater o presidente e a defender o sistema eleitoral.

Paralelamente a isso, os militares asseguram que não se deixarão contaminar pela disputa. Eles reforçam, no entanto, que não deixarão de emitir novos questionamentos ao TSE sobre a segurança das urnas eletrônicas caso achem necessário. O Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCiber) analisou as respostas fornecidas pelo tribunal e avalia se novos questionamentos serão feitos. A possibilidade de mais perguntas serem encaminhadas no âmbito da Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) é significativa.

"Claro que é possível [a formalização de novos questionamentos sobre as urnas]. Você pergunta, o TSE te responde, você analisa e vai ver se é seguro ou se não é, por isso ou por isso", diz um dos militares ouvidos pela reportagem. "É bem provável que vão ter outros questionamentos", reforça um segundo oficial militar.

As fontes também não descartam que, havendo um novo questionamento, o Exército decida dar publicidade às perguntas. O primeiro questionário encaminhado pelo CDCiber ao TSE foi um documento classificado como sigiloso e, ainda assim, o tribunal tornou públicas as respostas, fato que também causou a irritação nas Forças Armadas.

"Se o CDCiber vai mandar para o TSE sem dar publicidade ou se vai dar publicidade, não sabemos. Mas existe, sim, a opção de jogar com as mesmas armas que eles [TSE] em receber um novo questionamento no mesmo lugar [CTE] e no mesmo tom", diz um dos militares.

A Gazeta do Povo procurou o Exército e o Ministério da Defesa para confirmar se o CDCiber vai encaminhar outro questionamento ao TSE, mas não houve resposta.

O que pensam militares da reserva sobre o clima entre os ministros e as Forças Armadas

As críticas feitas aos ministros do TSE pelos militares que conversaram reservadamente com a reportagem também são respaldadas por militares da reserva. O general Santa Rosa, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Secretaria-Geral na gestão Bolsonaro, entende que existe um sentimento geral de repulsa ao que considera ser uma intromissão indevida do STF por meio de seus ministros, que tem gerado insegurança jurídica e desequilibrado a normalidade do país.

"Essa questão das urnas eletrônicas está incutido dentro desse mesmo contexto. Os ministros estão agindo como políticos e não como magistrados, o que já é uma distorção. E o pior, como advogados de partidos políticos, o que é mais grave. Estou em pleno acordo com as opiniões que você ouviu e acho que deveríamos externá-las, sim, para expressar o pensamento do estamento militar", afirma Santa Rosa.

O general sustenta que o Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCiber) é um órgão técnico colegiado e não tem qualquer ligação política, fato que, para ele, não justifica quaisquer desconfianças dos ministros do TSE. Segundo militares ouvidos, o departamento conta com mais de 65 militares de várias especialidades, incluindo engenheiros formados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Instituto Militar de Engenharia (IME), que trabalham para assessorar os representantes das Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral (CTE).

"Essa pecha que estão colocando não passa de uma manobra política porque, em vez de defender a realidade e a fidedignidade das urnas, a vontade do eleitor, os ministros estão tentando defender o processo eletrônico. Eles tomaram partido. Não sei qual é a intenção, a causa, o interesse ou a motivação. Mas estão agindo como advogados de um partido político, e não advogados da busca da verdade para poder dar uma resposta ao eleitor", destaca Santa Rosa.

O general, que tem uma posição independente ao governo, recorda que, quando ainda era o secretário de Assuntos Estratégicos do governo, em 2019, propôs elevar o CDCiber de patamar e tornar o centro em um Comando Nacional de Defesa Cibernética. "Pela minha proposta, englobaria o setor público e o setor privado para permitir uma defesa mais eficaz e uma coordenação melhor das medidas defensivas contra os ataques, que são cada vez mais intensos", afirma.

Em 2019, Santa Rosa lembra que, em média, os sistemas nacionais brasileiros sofriam, em média, 5,2 mil ataques hackers por dia. "Hoje, deve ser muito mais", diz.

O general da reserva Paulo Chagas, crítico do governo federal, é outro que sai em defesa do CDCiber e critica a postura adotada pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

"A opinião dos técnicos e o questionamento que os militares fazem é honesto. Não é um questionamento qualquer, só por fazer; e muito menos um questionamento relacionado à opinião do presidente. O presidente tem a opinião dele e os técnicos estão questionando porque qualquer equipamento [urna eletrônica] desse tipo tem a possibilidade de ser hackeado. Nada é inviolável", destaca Chagas.

O general não duvida da segurança das urnas eletrônicas, mas entende que seria salutar o Brasil adotar as urnas de voto impresso auditável, onde o eleitor pode verificar seu próprio voto físico depositado numa urna. Para o general, seria mais uma etapa de auditagem ao processo eleitoral, o que traria ainda mais segurança aos eleitores. "Se existe um brasileiro que não acredita [nas urnas], tem que mudar. Se o povo não acredita, como vai ser? Tem o lado negativo dos ministros em negar algo que é tão simples de se fazer e até mesmo óbvio de se fazer", pondera.

Chagas entende ainda que os militares estão pagando o preço por Bolsonaro tentar passar a imagem que os militares estão sob seu comando, em uma tentativa de utilizar as Forças Armadas como um instrumento político. "Essas atitudes do presidente acabam confundindo as coisas e desgastam as Forças Armadas. É até impatriótico o que ele faz. É atentar contra o prestígio da instituição, o que é uma atitude criminosa do presidente", critica.

Para o general, Bolsonaro deliberadamente envolve as Forças Armadas e acaba atraindo a desconfiança de ministros do TSE. "Há o interesse do presidente em envolver ou passar para a sociedade [a imagem] que as Forças Armadas estão do lado dele no sentido político da coisa, o que é infundado. As Forças Armadas não se envolvem com isso. No máximo, individualmente, cada um pensa como quiser. Mas a instituição é de Estado, não é de partido, não é de um indivíduo", diz Chagas.

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