O mercado de trabalho brasileiro se recuperou relativamente rápido da catástrofe da pandemia. Ao fim do primeiro semestre de 2022, a taxa de desocupação já estava abaixo dos níveis anteriores à chegada do coronavírus, e o número absoluto de empregados formais alcançou níveis recordes.
Um alívio muito bem-vindo, mas insuficiente. Se a melhor política social é o emprego, o Brasil ainda está longe de oferecer plenas condições de dignidade a sua população. E ainda mais longe de ser um país competitivo em relação a seus pares e de se desenvolver no longo prazo.
Mesmo tendo superado a crise do vírus, o país ainda não deu conta de absorver todos os que chegaram ao mercado de trabalho nos últimos anos, e ainda não se recuperou totalmente da desastrosa recessão iniciada em fins de 2014. Uma desocupação próxima de 9%, como a apurada ao fim de junho, ainda é superior à registrada na primeira metade da década passada – entre 2013 e 2014, ela chegou a ficar abaixo de 7%.
Estamos ainda distantes do chamado “pleno emprego”, contexto em que a demanda está aquecida a ponto de o mercado absorver rapidamente os que buscam ocupação, o que ocorre quando o desemprego se situa em algum nível entre 3% e 6%, a depender da fonte consultada.
Alguns estados já podem se considerar nessa situação, como Santa Catarina e Mato Grosso, que tinham taxas de desocupação na casa dos 4% e 5% nos primeiros meses do ano. São exceções, porém, num país onde as desigualdades regionais ainda são gritantes. Em algumas unidades da federação, como Bahia e Pernambuco, o desemprego estava na casa dos 17% no mesmo período. No Rio de Janeiro, ele beirava os 15%.
Além disso, a remuneração está baixa até para os padrões brasileiros. Embora tenha subido um pouco neste ano, o rendimento real – descontada a inflação – do trabalho ainda é um dos menores da série histórica da Pnad Contínua, do IBGE, iniciada em 2012.
O preenchimento de vagas tem seguido a lógica que historicamente predominou no Brasil: setores pouco produtivos geram a maioria dos empregos, que exigem pouca qualificação e pagam baixos salários.
Sem mudanças radicais daqui em diante, tudo conspira para que a produtividade do trabalho no país continue relativamente estagnada, pouco acima dos níveis da década de 1980. Um problema gigantesco, pois um país só consegue aumentar renda e qualidade de vida de forma duradoura se elevar a produção por trabalhador. E isso é ainda mais urgente em meio à transição demográfica que, dentro de alguns anos, começará a diminuir a força de trabalho do país, com menos jovens chegando ao mercado e cada vez mais idosos para serem sustentados pelos demais.
Em 2019, antes da pandemia, a produtividade do trabalho no Brasil equivalia a 25% da norte-americana, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em outras palavras, um brasileiro levava quatro horas para produzir a mesma riqueza gerada em uma hora por um trabalhador norte-americano. Nossa produtividade também era inferior à de países latino-americanos como Argentina (diferença de 26%), México (-30%) e Chile (-34%).
As razões para a baixa produtividade brasileira não são novas nem desconhecidas: barreiras à competição, proteção a empresas ineficientes, sistema tributário complexo, insegurança jurídica, burocracia para empreender e baixa qualidade do ensino.
O cenário é dos mais desafiadores, e exige do próximo governo medidas de curto prazo, mas também a coragem de adotar abordagens cujos frutos serão colhidos apenas no médio e longo prazo, após o fim do mandato.
O governo Bolsonaro colaborou para tornar mais amigável o ambiente de negócios, com reformas microeconômicas para reduzir burocracia e modernizar marcos legais, além de tocar uma ampla agenda de concessões de infraestrutura que dará frutos nos próximos anos. Porém, não conseguiu reformar o sistema tributário nem as regras do serviço público, o que é fundamental para tornar o país mais estável e atraente ao investimento.
Entre as iniciativas de curto prazo que podem ser adotadas pelo próximo governo, podemos destacar políticas ativas de intermediação e qualificação profissional capazes de melhorar rapidamente a empregabilidade dos trabalhadores.
Pesquisadores do Ibre/FGV propõem aperfeiçoar o Sistema Nacional de Emprego (Sine). Esse esforço envolveria, entre outras coisas, melhorar o funcionamento das plataformas digitais, inclusive com técnicas de “machine learning”; conectar programas de intermediação de mão de obra com os de qualificação profissional (para que não se treine “padeiros” em locais onde a demanda é por “confeiteiros”, por exemplo); e compartilhar os dados do Sine com empresas privadas de treinamento e intermediação profissional. Outra sugestão é o governo contratar agências privadas e remunerá-las por “impacto social”, isto é, por trabalhador efetivamente colocado.
No âmbito da política econômica, é imprescindível desonerar a folha de pagamentos, que sempre foi uma barreira para a formalização. Esse era um dos principais objetivos do atual governo, mas não prosperou: foi prejudicado pela obsessão por compensar a perda de arrecadação com um controverso tributo sobre transações nos moldes da antiga CPMF, cujos defeitos levaram o Congresso a derrubá-la 15 anos atrás.
Se uma desoneração ampla pode ser ambiciosa demais num primeiro momento, pode-se começar por reduzir o custo de contratação dos jovens trabalhadores. Algo que o governo Bolsonaro tentou duas vezes, em 2019 e 2021, com o programa de redução de encargos sociais batizado de Carteira Verde e Amarela. Em ambas, a desoneração foi aprovada pela Câmara mas não passou pelo Senado.
A oposição teve papel decisivo na derrubada, com argumentos enganosos como o de que a proposta retiraria direitos e provocaria a substituição de chefes de família. A esquerda parece preferir o “direito sem emprego” criado por nossa legislação – que mantém quase 40% dos trabalhadores na informalidade – e ignorar que também há jovens chefiando famílias, entre eles muitas mães solteiras.
Como o jovem que chega ao mercado de trabalho é menos produtivo que os profissionais mais experientes, contratá-lo mesmo por um salário mínimo costuma ser antieconômico: incluídos os encargos sociais, o custo desse trabalhador supera a riqueza que ele produz. Daí a importância de baratear a contratação, de forma a abrir aos mais novos as portas do emprego, da experiência profissional e da superação da pobreza.
Boa parte de nossos políticos, no entanto, demonstra desconhecer ou desprezar a realidade do jovem. Segundo a mais recente síntese de indicadores sociais do IBGE, de 2020, os brasileiros de 14 a 29 anos têm menos emprego (com taxa de desocupação de 24,1%, bem acima da média de 13,8% de então); são mal aproveitados (taxa de subutilização de 41,5%, ante média de 28,3%) e menos formalizados (56,4%, contra média de 61,2%).
Não por acaso, são mais pobres: 27,1% viviam em lares situados abaixo da linha de pobreza em 2020, ante 24,1% na média nacional, situação melhor apenas que a das crianças e adolescentes de até 14 anos (38,6%). Pior: cerca de um quarto dos jovens brasileiros não trabalha nem estuda, o que significa pouca ou nenhuma perspectiva de futuro.
Este último ponto nos leva à necessidade de melhorar a qualidade do ensino. Ainda que o país tenha ampliado o acesso à escola nas últimas décadas, os indicadores de aprendizado estacionaram. Muitos jovens deixam as carteiras escolares despreparados até mesmo para entrar num curso profissionalizante.
Um exercício muito didático, nesse sentido, é comparar a evolução da produtividade no Brasil com a de países que apostaram na educação, como a Coreia do Sul. Em 1960, o trabalhador brasileiro era 65% mais produtivo que o sul-coreano. Hoje, um sul-coreano produz mais que o dobro de um brasileiro.
Nenhuma outra medida terá tamanho impacto sobre nosso futuro como economia e como nação: se não melhorarmos decisivamente a qualidade da educação, qualquer ganho econômico será sempre transitório, como nosso passado já provou tantas vezes.
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