O próximo presidente da República terá a responsabilidade de nomear dois ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF) logo no primeiro ano de seu mandato. Em um passado não muito distante, isso dificilmente estaria na órbita de preocupações do cidadão médio em um ano eleitoral. Mas, diante do crescente protagonismo do Judiciário em assuntos sensíveis, as visões dos candidatos sobre a Corte merecem atenção especial do eleitor.
Nos últimos anos, o STF tomou indevidamente para si o poder de legislar sobre assuntos tão polêmicos e complexos quanto a união homoafetiva, as pesquisas com células-tronco embrionárias, o aborto de anencéfalos e a criminalização da homofobia. Os ministros também agiram, na prática, pelos seus efeitos, como protetores de corruptos, interpretando a lei com contorcionismos hermenêuticos e até revertendo votos antigos para destruir a Operação Lava Jato e suas conquistas, em uma sequência de decisões absurdas. Com isso, liberaram da prisão e permitiram a candidatura de políticos responsáveis por um assalto sem precedentes ao Brasil.
Para corroborar o diagnóstico de ativismo judicial do STF, nem é necessário enumerar decisões controversas ou analisar a fundo justificativas apresentadas pelos ministros durante sessões de julgamento. A própria autoimagem da Corte, testemunhada por alguns de seus membros em pronunciamentos recentes, evidencia o problema.
Em julho de 2020, Dias Toffoli, então presidente do tribunal, definiu os magistrados como “editores de um país inteiro” em entrevista ao site Poder360. Em palestra de 2017 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o Supremo tem o papel “iluminista” de promover “certos avanços sociais, mesmo contra o sentimento majoritário, em casos como o das uniões homoafetivas”.
Como pretexto para a falta de parcimônia em exercer funções que deveriam caber somente ao Poder Legislativo, os ministros costumam alegar que a omissão do Congresso em certos assuntos reclama atitudes do Supremo. Porém, não consideram que, em muitos casos, há projetos de lei sobre as matérias julgadas tramitando na Câmara ou no Senado, e que a própria decisão de não pautá-los é uma escolha legítima dos representantes do povo, que já sinaliza um posicionamento.
Além desse atual ímpeto ativista, que talvez tenha se tornado mais agudo em função da polarização que se vê no mundo político e no seio da própria sociedade civil, a própria composição atual do STF representa por si só uma disfuncionalidade e um desequilíbrio aos que é preciso atentar. Se escolhêssemos três grandes dimensões de grande impacto na configuração jurídica do país – a visão do papel do Estado na economia, a visão mais ou menos garantista no campo do direito penal e as convicções mais progressistas ou mais conservadoras no campo moral – descobriremos um contraste especialmente acentuado entre as convicções da maioria dos brasileiros e as dos ministros, especialmente no campo moral. Se quanto ao papel do Estado há ministros de um lado e de outro do espectro ideológico, o mesmo ocorrendo no campo do direito penal, o que é realmente surpreendente é que, no campo moral, tenhamos no mínimo 9 ministros progressistas. De todos, esse é o maior desequilíbrio na composição atual do Supremo, o que só se explica pela pouca atenção que população, presidentes da República e Senado deram ao tema até agora, gerando um descompasso especialmente problemático, com decisões que cada vez mais se distanciarão do sentir comum de boa parte dos brasileiros, levando a um descrédito crescente da instituição.
Reverter a tendência ao ativismo judicial, com especial atenção ao campo comportamental, é hoje uma das prioridades para o Brasil. A Corte deve abandonar o ímpeto de reinventar as leis do País, recobrando o seu verdadeiro papel, que é o de guardiã – e não redatora – da Constituição. Assim, além de colaborar para manter a ordem constitucional, dará bom exemplo a instâncias inferiores do Judiciário, que já se veem tomadas pelo mesmo ímpeto ativista.
O caminho para uma renovação nesse sentido será árduo e longo, já que quase nenhum dos membros atuais do Supremo pode ser completamente poupado de responsabilização pelos problemas aqui descritos. Depois das duas indicações previstas para 2023 – em substituição a Ricardo Lewandowski e Rosa Weber –, uma nova nomeação só deverá ocorrer em 2028, já no mandato presidencial seguinte, com a aposentadoria de Luiz Fux. Por isso mesmo, não há margem para erro: as próximas duas indicações são essenciais para dar novos ares e começar a modificar a tendência hegemônica na Corte.
Se forem verdadeiramente fiéis à Constituição e avessos à ideia de reescrevê-la sob influência de modismos acadêmicos e lobbies ideológicos, os novos indicados precisarão assegurar, nos julgamentos, a proteção constitucional à família e aos nascituros. Para isso, deverão ter um firme entendimento – apoiado em argumentos racionais e um conhecimento profundo da Filosofia do Direito – de que o casamento não é uma mera construção social sem fundamento na natureza humana, de que a vida familiar tem um papel primordial na construção do bem comum e de que a vida humana começa no momento da concepção.
Também deverão resguardar direitos fundamentais que se veem ameaçados por antagonismos políticos de magistrados com membros dos Poderes Executivo e Legislativo. A liberdade de expressão, em especial, tem sido atacada com frequência dentro do próprio tribunal que tem a missão de defendê-la, com inquéritos que parecem motivados por um afã persecutório contra críticos da Corte e opositores de suas visões de mundo.
Outra característica a se esperar dos novos nomeados é o rigor no julgamento dos corruptos. Nos últimos anos, além de ter desmantelado a Lava Jato, o STF decidiu pelo fim de ferramentas essenciais para o combate à corrupção, como a prisão após condenação em segunda instância, o julgamento de caixa dois eleitoral pela Justiça comum e a condução coercitiva. Os próximos integrantes do tribunal precisarão remar contra essa maré.
Como o Supremo é um órgão colegiado, as duas nomeações previstas para 2023 não deverão ser suficientes para formar maiorias contrárias ao atual viés da Corte em certos julgamentos. O panorama é desafiador, mas os novos indicados poderão ter ao menos um papel educativo dentro do Supremo – se não para transformar de imediato a mentalidade hegemônica do tribunal, ao menos para mostrar a uma população cada vez mais cética em relação ao Judiciário que ainda é possível esperar discrição, imparcialidade e fidelidade à Constituição dos ministros do STF.
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