Tornou-se lugar comum dizer que “a democracia corre risco” – não apenas no Brasil, mas em diversos outros países. Há, inclusive, best-sellers que tratam do tema. Mas o fato de uma afirmação ter se tornado quase um clichê não significa que ela seja necessariamente falsa. E não nos referimos aqui apenas àquela parcela, que costuma oscilar entre um quarto e um terço da população em diferentes pesquisas realizadas nos últimos anos, segundo a qual ditaduras podem ser melhores em alguns casos ou tanto faz o regime político. Mesmo brasileiros convencidos do poder da democracia andam insatisfeitos com os rumos da ainda jovem democracia brasileira. E não é para menos. Ela precisa, sim, de revitalização – e esta é a principal tarefa a que os brasileiros precisam se dedicar nos próximos anos, pois uma democracia sólida é a base sobre a qual poderemos crescer em todos os outros aspectos como sociedade.
A Operação Lava Jato, que pela primeira vez na história do país colocou na cadeia figuras graúdas da política nacional que até então sempre escapavam impunes, e os resultados das eleições de 2018 – com uma forte renovação no Legislativo e a vitória de um candidato à Presidência que encarnou valores caros à maioria dos brasileiros e que até então eram desprezados pela classe política – trouxeram uma nova lufada de esperança no poder da democracia, mas ela já se desfez, afundada em uma sucessão de erros cometidos pelos três poderes da República e pela polarização que se instalou no país, em boa medida graças justamente a esses erros.
Continua sendo extremamente necessário repetir que a democracia é, de fato, o melhor regime; é o único no qual as pessoas têm a possibilidade de colocar em prática todo o seu potencial, por meio da garantia de uma série de liberdades e direitos. Não é verdade que “tanto faz” se vivemos em uma democracia ou em uma ditadura – e basta apontar para a vida daqueles que vivem sob regimes autoritários para comprová-lo. Ninguém gosta que as decisões sobre o que cada um deve fazer sejam impostas de cima – e mesmo que tais decisões impostas fossem as melhores, elas ainda assim estariam violando a dignidade humana ao tirar das pessoas o poder de serem os autores de seu próprio destino. Mas, para desfazer o atual nó brasileiro, não basta defender democracia como princípio; é preciso atacar as raízes da desilusão, e encontrá-las não será muito difícil para quem estiver disposto a abandonar a ideia de que “antidemocráticos” são apenas os outros.
É preciso, em primeiro lugar, que os três poderes voltem a funcionar de forma harmônica e independente, repelindo os hábitos nefastos da interferência cotidiana nas atribuições uns dos outros, e das palavras ou ações que, muito além da crítica legítima, acirram belicosidades e disparam crises institucionais. É especialmente importante que os guardiões da Constituição, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), deixem de atuar como agentes políticos e voltem a defender garantias básicas, como a liberdade de expressão, a imunidade parlamentar, a ampla defesa ou o devido processo legal, todas recentemente atropeladas em inquéritos abusivos. É necessário recuperar o espírito do bom combate à corrupção, perdido com o desmanche da Lava Jato. Quando o crime não é devidamente punido, quando a classe política vive arquitetando meios de atrapalhar o combate à corrupção e quando o Judiciário se torna instrumento de impunidade, tenha ou não essa intenção, o resultado é a decepção com o sistema que torna tudo isso possível.
Quando tanta coisa vai mal, como tem sido o caso brasileiro, é ainda maior a tentação de acreditar que a democracia realmente não funciona, que a solução está na ruptura ou na autocracia – desde que o poder esteja, claro, nas mãos daqueles com quem se concorda. Mas é nestes momentos que os verdadeiros democratas precisam se erguer como uma voz isenta e equilibrada, denunciando os desmandos de onde vierem, aliados ou adversários, e oferecendo as soluções que ajudem a construir a cultura democrática de que o Brasil tanto necessita.
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