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Apontado como um dos expoentes da chamada "terceira via", o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) vê na rejeição de boa parte dos eleitores ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a chance de mudar o cenário polarizado quando a campanha eleitoral realmente começar.

Em entrevista à Gazeta do Povo nesta quarta-feira (13), Leite disse que a aparente vantagem de ambos nas pesquisas de opinião tende a diminuir assim que um nome alternativo "qualificado" for apresentado aos eleitores.

"Está muito claro que muitas pessoas estão indicando voto em Bolsonaro para evitar que Lula volte. E muitos indicam voto no Lula querendo tirar o Bolsonaro. A rejeição a ambos deixa isso muito claro", disse. "No momento certo que a campanha eleitoral começar, [quem tem] esse sentimento de estar votando contra um ou outro vai conhecer outros candidatos, alternativas. Então é possível se tirar voto de um ou de outro candidato, até mesmo dos dois, a partir de uma alternativa que se apresente para a população de forma qualificada", opinou.

Leite é um dos pré-candidatos que está pleiteando ser o escolhido dos partidos que compõem o autointitulado "centro democrático", grupo que reúne PSDB, MDB, União Brasil e Cidadania, e que pretende apresentar, dentro de um mês, um único nome para representar uma alternativa às candidaturas de Bolsonaro e Lula, a chamada terceira via – ou "primeira via", nas palavras do tucano.

O ex-governador tem viajado e se reunido com lideranças políticas desde que deixou o Palácio Piratini a fim de viabilizar seu nome, mas afirma que não segue uma estratégia de negociação. O seu trunfo, segundo ele, é o seu próprio histórico como político.

"Se entenderem que, pela minha trajetória, eu deva liderar o projeto, eu me sinto apto para liderar. Se o meu papel for o de ajudar em outra frente, de outra forma, um projeto alternativo, eu vou estar ao lado daquele ou daquela que tiver a liderança para ajudar a construir a viabilidade desse projeto", declarou.

Entre as propostas que Leite defende estão as reformas estruturantes, como a tributária, e uma nova geração de programas sociais voltados ao bem-estar das crianças. E, ao comentar sobre inflação, disse que há "muita semelhança" entre as ações que estão sendo adotadas pelo governo Bolsonaro e o que foi feito no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), referindo-se a "uma tentativa de gerar crescimento econômico a partir de subsídios, subvenções e pouco apreço ao equilíbrio fiscal".

À Gazeta do Povo, Leite também comentou o projeto de lei das Fake News, em tramitação na Câmara dos Deputados. Para ele, a liberdade de expressão não pode ser um escudo aos que querem utilizá-la para atacar a democracia, mas salienta que o tema deve ser tratado com cautela para que uma regulação não fira esse direito.

O ex-governador ainda criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu os direitos políticos a Lula e falou sobre a privatização da Petrobras. Confira a entrevista na íntegra abaixo ou no vídeo.

O senhor deixou o governo do Rio Grande do Sul e agora está em pré-campanha para presidente, certo? Poderia explicar para o leitor da Gazeta do Povo, como é possível o senhor ser pré-candidato mesmo tendo perdido as prévias do PSDB para o ex-governador de São Paulo, João Doria? Quem está apoiando essa sua pré-candidatura? 

Fui convocado pelo partido para participar de uma mobilização em favor de uma alternativa para o brasil. O mais importante neste momento é que nós estejamos unidos para viabilizar um caminho alternativo que, eu insisto, não é uma terceira via, mas uma primeira via para o Brasil. A primeira via não pode ser outra que não aquela que busca união, promover conciliação e não o confronto e o enfrentamento que as outras duas vias propõem para o país.

É nessa direção que eu renunciei o mandato para estar à disposição para ajudar nesse processo na posição que entenderem que eu melhor possa colaborar. Dando a minha participação com meu tempo, com minha disposição e disponibilidade para ajudar a construir convergência, então eu me coloco nessa condição.

Não estou aqui para tirar posição de ninguém, mas para ajudar a construir a convergência nesse grupo de partidos e lideranças que entendem que a gente deva viabilizar uma alternativa para o país.

Uma carta feita pelo PSDB por várias lideranças, me convocou, me chamou, para ter essa participação, com diversas lideranças entre governadores, senadores, deputados do partido que entendem que eu tenho um papel a cumprir nesse processo.

E qual é a sua estratégia para ser o candidato escolhido dessa "primeira via"?

Não existe uma estratégia de negociação. O que existe é colocar a minha própria trajetória. As pessoas me conhecem. Fui governador de um estado que estava quebrado, que não conseguia nem pagar as contas do mês para seus funcionários, que tinha impostos aumentados e uma situação política historicamente difícil. O Rio Grande do Sul sempre foi um estado de difícil trato político, de debates muito acirrados, nunca conseguiu sequer eleger um governo de continuidade, talvez por tantos enfrentamentos muito complexos e difíceis no cenário político. E dentro desse cenário difícil do ponto de vista político e fiscal, nós fizemos um governo de transformação.

É isso que está sendo colocado na mesa para que seja conhecido e reconhecido pelas pessoas. E se entenderem que, pela minha trajetória, por esse histórico, eu deva liderar o projeto, eu me sinto apto para liderar. Se o meu papel for o de ajudar em outra frente, de outra forma, um projeto alternativo, eu vou estar ao lado daquele ou daquela que tiver a liderança para ajudar a construir a viabilidade desse projeto.

O seu partido, o PSDB, o Cidadania, o MDB e o União Brasil estão prometendo lançar um único nome para ser o candidato a presidente daqui a um mês. A Simone Tebet, do MDB, tem o diferencial de ser a única mulher na disputa; o Doria tem o apelo das vacinas; o Luciano Bivar, que aparentemente será a aposta do União Brasil, tem consigo o partido com maiores recursos. Eu queria saber qual é o seu diferencial nessa disputa para ser escolhido como o candidato da terceira via… E como os partidos estão planejando chegar a um consenso…

Não existe uma fórmula objetiva, matemática, para a definição de uma candidatura à Presidência da república. Certamente, a partir da sensibilidade política das lideranças que compõem esses partidos, das suas experiências, vai se analisar diante do cenário eleitoral que a gente tem para 2022 qual o perfil que melhor se encaixa no que a população parece demandar. Aí o que a política exige: muito diálogo, muitas reuniões, muitas conversas para que se possa afinar esse processo de decisão e temos a convicção na escolha daquele ou daquela que vai liderar esse projeto.

O importante é que tenha capacidade de trazer o debate para onde nós entendemos que ele deva estar: na proposta de futuro. Qual é a proposta do meio ambiente? Qual é o caminho para o país retomar crescimento econômico? Qual é o discurso de conciliação dessa nossa diversidade como povo brasileiro que deve ser levado adiante? Ter a capacidade de ser entendido pela população com essas agendas que, entendemos, devem estar, sob o cuidado de quem liderar o projeto da primeira via.

A senadora Simone Tebet comentou que a terceira via não decola nas pesquisas de intenção de voto porque não tem um rosto. Mas também não tem nenhuma proposta apresentada. Quais são as suas propostas?

Me parece que a gente tem um problema de crescimento. O Brasil não consegue sustentar taxas de crescimento por longo prazo, e por isso tem voos de galinha. Tem um ano de crescimento econômico, gera uma sensação de bem estar para uma parcela da população mais vulnerável, mas não consegue sustentar isso por um longo período. Precisamos resolver essa questão do baixo crescimento do Brasil ao longo das últimas décadas a partir de reformas estruturantes que deem melhor condição de competitividade e de produtividade para a nossa economia.

Uma delas é a reforma tributária, que deve resolver o complexo sistema tributário que nos limita a capacidade de empreendedorismo. É muito difícil para o empreendedor no Brasil a sua vida por conta de um complexo sistema de tributação que gera muitos riscos para quem empreende de ser surpreendido com uma mudança de interpretação da legislação e multas e penalizações, mesmo que esteja fazendo tudo corretamente por conta da complexidade na classificação dos seus itens, por exemplo - para dar um exemplo de uma das reformas que deve estar no centro da atuação do governo para viabilizar com a retomada do crescimento de forma sustentada. Mas não só isso.

O Brasil precisa ter sempre a consciência de que tem uma população vulnerável para a qual precisa ser dado atenção devida e entendo que o país deva ir para uma nova geração de programas sociais. Se aprendeu muito com os programas sociais ao longo do tempo, a gente tem que olhar para o passado reconhecendo aquilo que foi feito e buscando aperfeiçoar e evoluir a partir dos programas existentes. Entendo que o Brasil pouco protege a sua infância. A pobreza infantil não é devidamente cuidada. Vou dar um dado que demonstra isso claramente: 42% das crianças abaixo de 14 anos estão abaixo da linha da pobreza estabelecida pela ONU, de R$ 460 de paridade de poder de compra per capita. Enquanto 7% dos idosos acima de 60 anos estão na mesma condição, abaixo da linha de pobreza. Ou seja, a gente tem instrumentos e programas que cuidam da pessoa na linha de chegada, vamos dizer assim, considerando uma linha de vida, e evitamos uma pobreza extrema para a população, mas a gente pouco cuida dessa população na linha de início, no ponto de partida de suas vidas e por isso talvez o país fique sempre enxugando gelo. A gente mais precisa de governo depois que a gente não melhorou a linha de partida para que as pessoas possam crescer, pelas suas próprias capacidades.

Esse cuidado com a primeira infância é o que eu entendo que precisa estar muito focado à atuação de governo e aos programas sociais. Então uma nova geração de programas sociais que busca atender especialmente a essas crianças, evitando que estejam essas crianças abaixo da linha de pobreza. Programas de transferência de renda focados para cuidar das famílias que têm essas crianças e dar a essas famílias condições de ascensão social melhor.

E por fim, uma agenda voltada à economia verde, onde o país precisa estar atuando com destaque. Um programa forte de enfrentamento a desmatamentos, a cuidado com as florestas e a demonstração clara para o mundo de que o Brasil cumprirá o seu papel na agenda das mudanças climáticas a partir de programas voltados ao meio ambiente, que mantenham floresta em pé, que ajudem a melhorar a produtividade no campo sem a necessidade de desmatamentos, entre outras agendas ligadas a questão ambiental.

E, além disso, eu insisto, uma agenda de pacificação do país, de reconhecimento da nossa diversidade como um valor, uma força e não um problema a ser combatido, como temos visto uma agenda de enfrentamento a minorias que acabam sendo um problema de diversas formas. Entre outros pontos, acaba acirrando o debate político e fazendo com que o Brasil deixe de atacar os problemas porque gasta energia atacando pessoas.

O senhor tomou conhecimento sobre as propostas do economista Affonso Pastore lançadas nesta semana? Pretende incorporar alguma proposta à sua agenda caso seja o candidato da terceira via?Eu tive acesso a esse documento ontem apenas, mas conheço por linhas gerais as ideias do Pastore, daqueles que se debruçaram sobre esse documento e, pelo que vi, ele se afina com o que penso para o futuro do país. A gente precisa ganhar produtividade, como eu falei, essa produtividade vem de reformas estruturantes que façam nossa economia girar melhor, mas também de uma visão de inserção social, de políticas sociais, que ajudem a viabilizar a melhoria do pontos de partida.

Se você não tiver uma população inserida economicamente, que tenha esse ponto de partida da sua vida, com habitação, saneamento, educação, que deem um ponto de partida para que ela possa se desenvolver no seu pleno potencial, você vai ter uma população podada da sua capacidade de contribuição econômica, porque não terá tido a formação e o crescimento pessoal que, como ser humano, poderia ter, e consequentemente vai produzir menos, e aí economicamente o país sofre as consequências. Pelo que conheço das ideias do Pastore, ele se afina muito com isso que nós estamos defendendo também para o futuro do Brasil.

A economia será um dos principais assuntos dessa campanha, até por causa da inflação que estamos observando...

Esse é um dos pontos que mais precisa ser debatido, porque vemos muita semelhança o que está sendo feito agora por Bolsonaro com o que era feito por Dilma. Uma tentativa de gerar crescimento econômico a partir de subsídios, subvenções e pouco apreço ao equilíbrio fiscal, que acaba resultando em inflação. E nada é mais concentrador de riquezas do que a inflação, porque as pessoas de classes mais altas têm mecanismos de proteção. Acabam fazendo aplicações financeiras que protegem o seu dinheiro. A população mais pobre não tem essa capacidade de poupança, de aplicações. O dinheiro cai na conta do salário e já vai sendo gasto para pagar o aluguel, a energia, o combustível, a alimentação, entre outros itens que estão ficando a cada dia mais caros e o salário não aumenta. Então a população mais pobre é a mais punida, então não dá para ser tolerante com a inflação.

E por isso é tão importante a agenda da responsabilidade fiscal, ela não vem em direção oposta à melhoria da qualidade de vida - pelo contrário, é fundamental que a gente tenha equilíbrio nas contas para que o governo possa evitar a inflação e assim evitar a deterioração do poder de compra dessa população mais pobre.

No fim de março, a gente teve dois eventos que sacudiram essa disputa da terceira via, com a ameaça do Doria de continuar no governo e não sair para disputar a presidência e com a troca de partido do Moro. Como você viu esses movimentos? Isso te fortaleceu ou prejudicou de alguma maneira? E como essa estratégia do Doria repercutiu dentro do partido?

Os movimentos foram de foro íntimo dos dois agentes políticos. É legítimo ao ex-ministro Sergio Moro procurar os caminhos que entenda que melhor politicamente viabilizarão o seu projeto pessoal, que é legítimo. É absolutamente legítimo que um agente político tenha aspiração e busque os caminhos para viabilizá-la, assim como o ex-governador João Doria, que tem o meu respeito, que é legítimo também que tenha aspiração política. O importante é que não seja essa aspiração simplesmente o que move um agente político. Porque no fim das contas a aspiração maior é como cidadão, de dar uma contribuição. O ex-governador João Doria parece ter, durante um momento, pensado em ficar a frente do seu governo no estado de São Paulo, então é ele que deve responder isso. O ex-ministro Sergio Moro procurou um partido onde entende que terá mais espaço. Também ele deve responder por isso.

O que é importante, e deve estar presente nos dois, e eu vi nas manifestações de ambos estar presente, é a disposição de dialogar, de construir convergência em torno de uma candidatura única. Acho que isso é importante de ser saudado nos dois, que a gente tenha capacidade de dialogar e colocar acima das nossas aspirações pessoais o nosso desejo de viabilizar para o Brasil algo de diferente do que está aí ente um atual presidente que não entrega bons resultados para a população e um ex-presidente que também já frustrou muito as expectativas da população brasileira.

Mas esses movimentos prejudicaram ou beneficiaram a sua pré-candidatura?

Acho que nem uma coisa, nem outra. Acho que simplesmente foram movimentos deles e que uma candidatura deve se firmar por suas qualidades mais do que pelos defeitos que outros tenham ou de erros de eventuais adversários. O importante em uma candidatura a presidência da República se viabilize pelas suas qualidades. Estou nesse jogo participando com a minha trajetória, com meu currículo, com minha forma de fazer política, à disposição. Se houver entendimento de que ela encontra o sentimento da população com quem a gente vai conversar, eu me sinto preparado para fazer. Se houver entendimento de que outro nome faz essa conexão, eu estarei ao lado para poder construir essa candidatura.

Como vice também?

Acho que nada pode ser descartado. Não estou nesse processo buscando ser vice. Até porque a gente sabe que numa candidatura a conexão se estabelece pelo candidato titular, no caso, o candidato a presidente. Então todos estamos discutindo quem será o candidato a presidente. A candidatura a vice será aquela que melhor possa colaborar nesse processo. Posso inclusive, não ser candidato a nada, como melhor puder contribuir para que o país tenha uma agenda que pense no país, mais do que em derrotar um ou outro, que pense em fazer o Brasil sair vencedor e não em ter simplesmente um derrotado no processo eleitoral.

Na leitura que eu faço do que aconteceu por aqueles dias, o ex-juiz Sergio Moro acabou sendo escanteado pela terceira via. Isso não passa a impressão de que o grupo de políticos que está tentando a unificação estaria deixando de lado o combate à corrupção? 

Acho que não. É uma agenda na qual o ex-ministro Sergio Moro foi protagonista, teve uma exposição especialmente importante, mas não é uma agenda que ele detém com exclusividade. O importante é que a agenda esteja na candidatura. O projeto que enfrenta a corrupção, que é comprometido com a transparência, que tem a honestidade entre os seus valores, esteja presente na candidatura, não necessariamente com o candidato. Ninguém será sozinho o candidato absolutamente completo. O Brasil é diverso. E essa diversidade nunca vai conseguir ser representada na chapa de duas pessoas, então o que é importante é que o projeto tenha essas agendas presentes e o enfrentamento à corrupção, sem dúvida nenhuma é uma agenda que terá absoluto destaque para aquele que quiser governar o Brasil nessa primeira via.

Já que falamos de combate à corrupção, o que o senhor achou das decisões do STF que devolveram os direitos políticos para o ex-presidente Lula?

Acho um equívoco. Respeito a decisão judicial, tenho respeito pela Suprema Corte, mas acho um equívoco. O processo que se desdobrou, que levou à convenção o ex-presidente Lula passou por diversas instâncias, não apenas por aquela primeira (quando Lula foi condenado por Moro), mas também pela segunda e terceira. E em cada uma das etapas é analisada a preliminar de competência daquele juízo para o julgamento e foi validado nessa análise preliminar a competência do juízo pelo qual passou o ex-presidente Lula. Foi um equívoco, é uma pauta superada, e vamos fazer o debate político com as condições jurídicas que se estabeleceram.

Qual é a sua opinião sobre o PL das fake news que está em tramitação no congresso. O senhor considera uma boa proposta?

Acho importante ter regulamentação para quem divulga e dissemina notícias falsas. É muito importante avançar nessa direção. Mas com toda cautela para evitar cerceamento à própria imprensa e à liberdade de expressão. É importante fazer os ajustes. Eu não tenho o domínio sobre o conteúdo exato do projeto, não tive tempo para fazer uma análise mais apurada desse projeto na condição que está, mas entendo que é um assunto que precisa avançar para que se dê consequência para quem distribui mentiras que acabam tentando corromper a nossa democracia, a liberdade de expressão é para fortalecer a democracia e não para dar um escudo aos que querem utilizar a liberdade de expressão com intuito de atacar a própria democracia. Essa regulamentação, dar consequência a quem divulga notícias falsas, a quem cria essas notícias, acho que é bastante importante para proteger um valor maior que nós temos que são as nossas liberdades e uma democracia vigorosa que nos permita conviver cientes dos nossos direitos, dos nossos deveres e das nossas responsabilidades. Por isso é importante que avance essa discussão, mas com cautela para evitar também que nós esbarremos em alguma situação jurídica que constrangesse liberdades.

Até porque, se não houver esse cuidado, corre-se o risco de que uma opinião venha a ser interpretada como notícia falsa.

É complexo regulamentar algo como isso, mas por isso que exige todo um cuidado. Eu falo sempre da imprensa, defendo uma imprensa livre para criticar e para ser criticada também. Nem sempre a gente vê essa mesma disposição para sofrer críticas daqueles que adoram criticar. Eventualmente quando se faz alguma crítica à forma como a imprensa fez uma abordagem de um tema, imediatamente à uma resposta de que há um ataque à imprensa, quando não é. A imprensa tem que estar livre para criticar quanto para ser criticada. Eu prefiro conviver com um jornalismo tendo que dar uma entrevista a um jornalista ruim eventualmente, que vai distorcer uma pauta, do que conviver com jornalismo nenhum, do que não ter que prestar contas a ninguém. São contradições que nós sempre teremos e que nós temos que, com toda cautela e cuidado, buscar ajustes que nos permitam avançar, evoluir, melhorar. Mas certamente sem permitir que se dê qualquer passo atrás em liberdades, direitos garantidos pela luta de tantas pessoas que buscaram criar uma democracia como a nossa com condições para que as pessoas sejam efetivamente livres.

Nas últimas pesquisas eleitorais, sem a presença do Moro, aparentemente é o Bolsonaro quem mais se beneficia. Bolsonaro e Lula somam, em alguns casos, mais de 50% das intenções de voto. Considerando isso, a terceira via teria que trabalhar para conquistar votos que hoje estariam com Lula ou Bolsonaro. Qual é o caminho que o senhor enxerga para a terceira via diante desses números? 

Está muito claro que muitas pessoas estão votando em Bolsonaro para evitar que Lula volte. E muitos indicam voto no Lula querendo tirar o Boslonaro. A rejeição a ambos deixa isso muito claro. No momento certo que a campanha eleitoral começar, esse sentimento de estar votando contra um ou outro vai conhecer outros candidatos, alternativas. Então é possível se tirar voto de um ou de outro candidato, até mesmo dos dois, a partir de uma alternativa que se apresente para a população de forma qualificada.

Uma aliança com Ciro Gomes é viável?

É difícil ainda dizer, é preciso compartilhar com ele ideias, ouvir as suas ideias, debater os rumos que pensamos para o futuro do país, mas antes de tudo tem que ter convergência na agenda, antes de buscar a convergência em uma candidatura. Talvez haja impossibilidade de convergência em uma agenda comum com o Ciro, mas é legítimo que se busque, que se tente.

Já conversou com ele?

Tivemos algumas conversas um tanto superficiais, sem aprofundamento, e eu estarei disponível para conversar, para ajudar nesse entendimento ou reforçar que entendemos que não seja possível estar juntos, mas é importante conversar, sem dúvida nenhuma. O Ciro é um protagonista nesse processo também.

Pra ir encerrando a nossa conversa, governador, o senhor citou em um vídeo que foi divulgado quando anunciou sua saída do governo do Rio Grande do Sul que admirava líderes como Macron, presidente da França, e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. Esses dois líderes reprimiram protestos durante seus governo e são bastante criticados aqui no Brasil principalmente pela direita. O que te faz admirar esses dois nomes? Não te preocupa essa visão que principalmente a direita tem sobre eles aqui no Brasil?

Na verdade eu não falei sobre admiração a um ou outro. O que eu estou chamando atenção é que o mundo está apostando em uma nova geração, buscando novos líderes: Macron, Trudeau, Jacinda Ardern (Nova Zelândia) e aqui do lado, embora com uma ideologia diferente, o (Gabriel) Boric, que com 35 anos é o presidente do Chile. Estou destacando que existe uma nova geração de líderes, com uma nova agenda, de um século XXI trazida para o debate. Pode-se gostar ou não dela, mas se está buscando novos caminhos, talvez até para cometer novos erros, mas não os mesmos erros do passado.

O Brasil está aí, parece parado no tempo, discutindo agenda do século XX, quando deveríamos estar discutindo energias renováveis, mas estamos discutindo petróleo, por exemplo, e a nossa dependência dele e da Petrobras, que tem a sua importância, mas é especialmente difícil de aceitar que o Brasil esteja preso nessa discussão do século XX sem ter uma discussão séria sobre essas agendas do século XXI. É nessa direção que eu chamo atenção e destaco que o Brasil pode encontrar novos caminhos e nessa direção eu me sinto à vontade para falar como uma liderança desta nova geração de políticos que quer ver mais o país construir caminhos do que simplesmente destruir adversários, atacando pessoas em vez de atacar problemas.

O Brasil tem que ser inimigo da pobreza, da miséria, do desmatamento, do baixo crescimento econômico e não criar inimigos internos entre nós mesmos – uma luta de povo contra povo que não nos faz chegar a lugar nenhum.

Aproveitando que o senhor mencionou a Petrobras: contra ou a favor da privatização?

A discussão sobre a privatização da Petrobras deve ser feita com seriedade. Claro que isso não significa que a empresa possa ser verticalmente privatizada, ela tem várias subsidiárias, então, privatizações de determinados setores da empresa até chegar um momento em que a empresa se torne totalmente privada. Isso não significa que o poder público, o governo, se ausente do setor, porque ele regula e orienta e fiscaliza. O governo então tem outros papéis a cumprir que não necessariamente de operador direto. A operação direta pelo poder público, via de regra, acaba gerando ineficiência, seja por pouca capacidade de modernizar a empresa, de contratar e demitir com mais facilidade por conta do engessamento da legislação, acaba também significando loteamento de cargos, corrupção, contratos direcionados, por conta dessa complexidade de gestão de algo que é de todos e que acaba sendo de ninguém diretamente.

Isso acaba gerando problemas em administração que acabam respingando na população. Então o papel do estado pode ser melhor o de orientar, regular e fiscalizar, mas não o de operar diretamente.

Por último, não posso deixar de perguntar: o senhor disse que sair do governo do RS não te fecharia nenhuma porta, só abriria portas. O que o senhor pretende fazer caso não seja o escolhido da terceira via para disputar a presidência?

Quando a gente se lança na vida pública, a gente não se pertence. Talvez por isso entendi porque os políticos falam de si mesmos no plural: 'nós fizemos', 'nós vamos'. A gente acaba integrando um grupo de pessoas que têm um propósito comum e é com essas pessoas que vou discutir os melhores caminhos. Estou disposto e disponível para ajudar num projeto nacional, mas vou buscar dar a minha colaboração onde melhor entenderem que eu possa contribuir.

Nós temos um projeto em andamento no Rio Grande do Sul, temos outros nomes que podem levar esse projeto à frente. Então entre as tantas cadeiras que estarão sendo disputadas, eu vou discutir com esse grupo político onde melhor eu posso dar a colaboração, inclusive, se for o caso, sem concorrer a nenhuma delas e ajudando nos bastidores. Não tenho nenhum apego a cargos, a salários, eu tenho a preocupação de dar a minha contribuição. Já saí de mandato como prefeito, sem concorrer à reeleição, fiquei fora de mandato, fui morar no exterior para estudar em Nova York e depois estudei em São Paulo, fazendo mestrado e isso não significou alijamento do processo político. Continuei participando do projeto político, inclusive vindo a me tornar governador depois. Não é um problema encontrar outros caminhos com que eu possa colaborar que não com cargos eletivos.

Descarta uma volta ao governo do Rio Grande do Sul?

Parece um caminho mais difícil de percorrer, mas estarei ajudando a construir a continuidade do nosso projeto aqui, onde entenderem que melhor eu possa colaborar.

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