Aprovada pelo Congresso no ano passado, a federação partidária pode ser um instrumento eleitoral fadado ao fracasso por causa do atual clima de insegurança jurídica e política. Da esquerda à direita, os principais partidos brasileiros conversam sobre a possibilidade de se federalizarem – ou seja, de formarem uma espécie de união de partidos temporária que vai valer não apenas para as eleições, mas para os quatro anos seguintes. Mas o cenário de incertezas ameaça a criação das federações partidárias.
A discussão de uma federação partidária ganhou mais evidência principalmente por causa de uma que está sendo negociada no campo da esquerda, entre PT e PSB. Recentemente, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, foram a público anunciar o encaminhamento de um pedido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de ampliação de prazo para a solicitar a formação da federação. Hoje, o prazo limite para partidos registrarem na Justiça Eleitoral uma federação é 1.º de março. Isso é considerado pouco tempo para que as siglas resolvam impasses regionais entre os partidos no lançamento de candidaturas.
A ideia das cúpulas de PT e PSB é ter mais tempo para resolver a disputa em cinco estados entre as legendas. Contudo, dentro desses mesmos partidos e segundo especialistas, existe a a avaliação de que o encurtamento do prazo, estabelecido em liminar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), poderia gerar um efeito oposto e comprometer a federação partidária.
Além disso, existem outros impasses judiciais envolvendo as federações. O próprio STF deve julgar na semana que vem uma ação que questiona a constitucionalidade das federações partidárias – a tendência é que, nesse mesmo julgamento, também fixe em definitivo o prazo para formalizar essa união temporária de partidos, caso a tese da constitucionalidade das federações seja aprovada.
A argumentação da ação é de que esse instituto, criado por lei, seria uma forma de burlar a emenda constitucional de 2017 que proibiu os partidos de se coligarem nas eleições para deputado e vereador. A diferença é que as coligações valiam apenas para as eleições; e a federação vale para quatro anos.
Paralelamente à insegurança jurídica, há a insegurança política em discutir a composição de uma federação partidária. Partidos de esquerda, como PSB e PCdoB, temem ser subjugados pelas decisões do PT em caso de adesão ao bloco petista pelos próximos quatro anos. Na direita, apesar de conversas entre PL, Republicanos, Pros e PTB para formar uma federação, algumas lideranças estão mais convencidas de que essa união traria mais ônus do que bônus.
Quais as inseguranças jurídicas relacionadas às federações partidárias
Mesmo que o plenário do STF decida pela constitucionalidade das federações partidárias, as legendas poderão continuar no impasse se a maioria dos ministros do Supremo mantiver o prazo que Barroso fixou prazo para formalizar essa união temporária entre as legendas.
Originalmente, a lei que criou as federações partidárias fixou o prazo máximo de agosto para elas serem formalizadas – o mesmo que existia para as coligações. Mas, em dezembro, Barroso concedeu uma liminar fixando o prazo de até seis meses antes das eleições para que as federações sejam registradas. Ou seja, ele equiparou o instituto da federação partidária aos mesmos requisitos para a criação e registro de um partido para a disputa de uma eleição.
Essa liminar foi concedida, em dezembro, como resposta a uma ação que questionava justamente a constitucionalidade das federações partidárias. A ação foi ajuizada pelo PTB, partido que se posicionou em convenção contrário a uma federação partidária.
Subscrita pela advogada Ezikelly Barros, ação pediu a inconstitucionalidade da Lei 14.208/2021 pelo entendimento de que, sob a denominação de federação partidária, a legislação permite as coligações nas eleições proporcionais, vedadas desde a Emenda Constitucional nº 97/2017.
A federação partidária obriga a vinculação entre as candidaturas em âmbito federal, estadual, distrital e municipal, o que, no entendimento do PTB, viola o parágrafo 1.º do artigo 17 da Constituição Federal, que assegura aos partidos políticos autonomia para definir aspectos como estrutura interna e regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios. Em uma federação, os partidos passam a ser tratados como um só por quatro anos.
Barroso, em liminar, negou o pedido para suspender as federações. Ele não viu inconstitucionalidade no novo instituto político. Mas acatou parcialmente um pedido do PTB e mudou o prazo de formalização delas de agosto para março.
Pela decisão de Barroso, os partidos podem registrar a federação no TSE até 1.º de março. Uma vez feito o pedido, que tramitará em regime especial, a federação partidária tem até 2 de abril para ser deferida e homologada.
A contestação feita por PT e PSB é de que o prazo é muito exíguo e inviabiliza as conversas dos partidos para a construção de costuras políticas e a formulação do estatuto. Os dois partidos querem uma mudança na regulamentação definida em dezembro.
Caso a maioria do STF mantenha o entendimento da liminar de Barroso, os partidos interessados terão menos de 40 dias para formalizar a tempo seu pedido de federação partidária. Caso indefira e acate integralmente a ação do PTB, todas as conversas entre os partidos caem por terra.
Mas, caso o Supremo mantenha a legislação atual, especialistas advertem para o risco de criar um precedente acerca de como uma lei ordinária eleitoral pode se sobrepor ao texto constitucional.
O especialista em direito eleitoral Marcelo Peregrino, advogado e doutor em Direito pela UFSC, classifica a federação partidária como uma fraude para evitar a cláusula de barreira e entende que seria um erro a maioria do STF acatar os pedidos de PT e PSB e, eventualmente, antecipar o pedido de ampliação do prazo.
"Lei ordinária não poderia alterar o sistema partidário. Não há previsão na Constituição de união de partidos tal como se imagina. O fim das coligações foi aprovado e essa ideia da federação é uma fraude para que se volte a ter coligação", diz. Peregrino acredita que o instrumento eleitoral não vai vingar, mas exime o Supremo de culpa. "Não adianta chamar o poder Judiciário de ativista. Ele está tentando resolver um problema que o próprio Parlamento criou para dar um jeito na proibição da coligação."
Quais as inseguranças políticas em relação às federações partidárias
A despeito do pedido das cúpulas de PT e PSB para ampliar o prazo de inscrição de sua federação partidária, nem todos nas duas legendas estão convencidos de que isso eliminaria os impasses políticos. No caso do bloco da esquerda, mesmo que adiamento do período para a homologação junto ao TSE fosse acatado, lideranças políticas entendem que isso não eliminaria as incertezas.
"É uma total insegurança jurídica e política", diz o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG), vice-líder da minoria na Câmara. "Se entrarem na Justiça com pedido de alargamento, vai ter muito mais instabilidade nas pessoas e no descrédito de que isso vai ocorrer. Problemas se resolvem, não estendem e esticam para frente. Acho que isso deixa uma instabilidade muito grande e espero que a a Justiça Eleitoral não caia em mais uma jogada que os partidos fazem", acrescenta.
Membro da Executiva Nacional do PSB, Delgado é contra uma federação partidária com o PT, destaca que o impasse entre ambos os partidos se mantém em São Paulo e Rio Grande do Sul e ressalta que, mesmo em Pernambuco, Espírito Santo e e Rio de Janeiro, onde havia uma queda de braço, seu partido está dividido sobre uma união com os petistas.
O parlamentar sustenta que o PSB já não é mais dependente do PT e não entende como uma federação partidária seja positiva para o partido. "Demoramos a cortar nosso cordão umbilical [com o PT], e cordão umbilical não tem remendo. Conseguimos ganhar estatura e não temos essa dependência do PT", diz Delgado. "Eleitoralmente, a federação é até vantajosa, mas politicamente eu sou contra."
Como uma federação partidária funciona como um partido, isso implica que, dentro do Congresso, os partidos dividiriam os cargos comissionados destinados ao bloco, um líder e uma participação única na chapa da Mesa Diretora. Atualmente, os partidos têm estruturas e espaços proporcionais aos seus tamanhos. Além disso, toda a federação poderia lançar até 100 candidaturas de deputados federais, o teto permitido a um partido.
Além disso, como uma federação, os recursos e as estruturas dos partidos seriam administrados por uma única direção do grupo. Hoje, cada legenda detém o domínio de seus diretórios e da "chave" de seus cofres. Logo, em uma coligação verticalizada, o PT, proporcionalmente o maior partido, poderia disputar a hegemonia dentro do Congresso e nas eleições municipais.
Ciente disso, o PCdoB apresentou ao PT uma proposta de estatuto partidário de que a federação partidária seja proporcional ao tamanho das bancadas eleitas para a Câmara em 2018. As decisões, por sua vez, deveriam ser tomadas por pelo menos uma maioria de três quintos da Executiva Nacional da federação. Pessoas envolvidas nas negociações apontam que as reivindicações não foram bem recebidas entre os petistas.
O deputado federal Rui Falcão (PT-SP), ex-presidente nacional do partido e vice-líder da sigla na Câmara, reconhece que os desafios são grandes. "Há exigência de programa comum, eleição de direção e vinculação que se estende até os municípios e só um candidato majoritário em cada estado e municípios. Além do prazo curto, você tem 100 deputados para eleger, a maioria provavelmente do PT", diz. A meta do partido é construir uma união com PSB, PCdoB, Psol e PV.
Nos bastidores, deputados petistas reconhecem que o principal objetivo com a federação partidária é assegurar a maior força para a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a candidatura única do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ao governo de São Paulo. Isso é algo ao qual o PSB se opõe, pois o partido quer manter a candidatura do ex-governador Márcio França em São Paulo. Já o PT não abre mão de Haddad.
"O PSB está colocando exigências que nós não vamos aceitar. Está fora de questão que a gente vá ceder o cargo de candidato ao governo do estado para o Márcio França. Ou eles abrem mão disso e caminham numa direção de fazer uma coligação com o PT e Lula sobe no palanque com Haddad e França, como já ocorreu no passado", diz Falcão. "Em Pernambuco, Lula botou no mesmo palanque Humberto Costa [PT] e o Eduardo Campos [PSB]. Eduardo Campos foi pro segundo turno e o apoiamos", acrescenta.
Quais as possibilidades de haver outras uniões entre partidos
O prazo exíguo para a apresentação de uma federação partidária não compromete apenas a união de partidos em torno da candidatura de Lula, mas de todos os demais que mantêm conversas.
O PSDB e o Cidadania são os que estão em estágio mais avançado para constituir uma federação. Ambos têm candidatos a presidente: João Doria e Alessandro Vieira, respectivamente. As legendas também dialogam com o MDB, que tem a senadora Simone Tebet (MS) como pré-candidata, e o Podemos, que tem o ex-juiz Sérgio Moro.
Alguns no PSDB e Cidadania defendem uma federação partidária só com os dois. A avaliação é de de que seria mais simples construir uma união com duas legendas do que uma federação com cinco siglas. Afinal, seriam menos interesses e disputas por espaços nos estados e no Congresso para conciliar. Uma lógica vista entre algumas lideranças políticas é de que, quanto maior a federação, maior a complexidade dos arranjos políticos e maior a dificuldade de fechar as costuras no curto prazo.
No atual contexto eleitoral, um debate com o Podemos também envolve trazer para a mesa de negociações o União Brasil, partido que vai se originar da fusão entre PSL e DEM e que ainda aguarda sua ser homologado pelo TSE. Por todas essas variáveis eleitorais e de afinidade política, lideranças de PSDB e Cidadania defendem uma federação apenas entre as duas legendas.
"Uma federação entre Cidadania e PSDB é possível porque são aliados históricos, comungam de teses parecidas da social democracia e tem alguns liberais também em ambos os partidos. Tem dificuldades? Tem. Mas uma totalização de quatro, cinco partidos, aí já é difícil, temos que ver a afinidade com cada um", diz o deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE), vice-líder do partido na Câmara e membro da Executiva Nacional da legenda.
No caso do Podemos, Coelho admite que há um bom relacionamento, mas não a ponto de identificar uma afinidade ideológica. "Tem uma composição um pouco mais diferente", diz. Já no caso do União Brasil, ele também não identifica uma afinidade. "É um partido muito mais conservador. O Cidadania é um partido que abriga sociais democratas, liberais, mas não é um partido conservador", justifica.
O parlamentar entende, contudo, ser provável uma federação partidária entre PSDB e Cidadania em uma aliança com Podemos, União Brasil e MDB. "Poderia haver um palanque desses partidos sem o comportamento de Centrão, sem necessariamente uma federação, mas como um projeto de unidade para criar a viabilidade da terceira via", sustenta.
Já no campo da centro-esquerda capitaneada pelo PDT, o partido teve conversas com a Rede Sustentabilidade, o PSB e o PV, mas as conversas não avançaram. O posicionamento que circula nos bastidores pedetistas é de que não seria uma surpresa o presidenciável da sigla, Ciro Gomes, ir novamente para a disputa com uma chapa pura. No lançamento de sua pré-candidatura, ele foi evasivo sobre a possibilidade de Marina Silva (Rede) ser sua vice.
Um dos motivos de incertezas sobre uma composição entre o PDT e a Rede é a possibilidade de o partido de Marina Silva se unir em uma federação partidária com o Psol. O PT também flerta com o Psol. Mas alguns nesse partido não estão confortáveis com a possibilidade de Geraldo Alckmin (sem partido) ser vice de Lula.
Já na direita, lideranças de PL, Republicanos, PTB e Pros chegaram discutir a possibilidade de uma federação partidária. Mas a possibilidade segue remota. "Continua zero a possibilidade de o PL se federalizar com algum partido", sustenta um dirigente partidário do partido de Bolsonaro.
Já no Republicanos, o discurso é de que a federação traria mais ônus. E, no PTB, apesar de algumas lideranças defenderem a federação e participarem de conversas, a maioria do partido deliberou em convenção que não é a favor da federação.
Qual é o caminho mais provável caso os partidos não optem pela federação
Os mais diferentes partidos vão manter conversas sobre a possibilidade de união em uma federação partidária, mas a possibilidade de insucesso é real. Caso o instrumento eleitoral não vingue, mesmo que tenha sua constitucionalidade declarada pelo STF, a solução encontrada pelos partidos é buscar coligações nas eleições majoritárias (para presidente e governador), sobretudo a nível federal, e obter o apoio a deputados federais pelo capital político dos presidenciáveis.
No curto e médio prazo, uma análise feita no Congresso é a possibilidade de revogar a federação partidária. Segundo publicou o jornal O Globo e confirmou a Gazeta do Povo, parlamentares de esquerda já articulam nos bastidores encontrar uma forma legislativa de revogar a federação partidária ainda em 2023, antes das eleições municipais de 2024.
O deputado Júlio Delgado não descarta a possibilidade de os partidos tentarem uma forma de revogar o instrumento. "Eu temo pelo sucesso de vigência, vamos dizer, dessa federação partidária. Acho que pode ter sido criada e extinta logo depois das eleições", analisa.
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