Desde que defendeu, durante uma visita à Paraíba, um Judiciário “mais eficiente e menos custoso”, o ex-juiz Sergio Moro, pré-candidato à Presidência pelo Podemos, viu crescer contra si a ira de advogados, juízes e procuradores. Rapidamente vieram à tona críticas de membros da elite da advocacia de Brasília, de associações de magistrados e de membros do Ministério Público, segundo as quais ele nunca poderia, caso eleito presidente, propor uma reforma do Judiciário, iniciativa que caberia tão somente às próprias instituições deste poder.
Pouco foi revelado, no entanto, sobre que ideias o ex-juiz vem discutindo sobre o assunto, e boa parte da desaprovação se deu sobre o que é ainda desconhecido. Além da frase citada no início desta reportagem, o que Moro mais tem dito em entrevistas recentes, e que envolve a Justiça, são críticas pontuais a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), sem relação com o Judiciário como um todo.
Em suma, ele tem repetido que a Corte cometeu um grande “erro judiciário” ao anular as condenações de Lula, em razão de questões “meramente formais”; defendeu a volta da execução das penas após condenação em segunda instância e o fim do foro privilegiado. Ainda em dezembro, numa conversa fechada com empresários, falou na fixação de mandatos fixos para ministros do STF e em transformá-lo num tribunal estritamente constitucional (que apenas julga leis, para aferir se são ou não compatíveis com a Carta de 1988).
Desde o ano passado, porém, Moro reuniu um grupo de juristas para discutir mudanças na Justiça sob uma perspectiva mais ampla, para enfrentar problemas mais complexos e que afetam a maioria dos tribunais do país.
A Gazeta do Povo apurou que o objetivo das discussões não é formular propostas de mudanças estruturais profundas no Judiciário, o que, de fato, exigiria projetos de lei oriundos do próprio poder. As ideias em discussão – e que poderão ser futuramente integradas ao programa de governo de Moro – tratam sobretudo de mudanças de gestão pública e no aperfeiçoamento regulatório para tornar mais ágil, previsível e menos custosa a tramitação dos processos.
As principais preocupações se relacionam à sobrecarga de ações individuais a cargo dos juízes, com grande variação na solução de casos semelhantes, o que gera insegurança jurídica e prejudica diretamente o dinamismo da economia e a vida de cidadãos que aguardam a solução de seus problemas.
Das conversas, não sairão somente ou necessariamente projetos de lei, tampouco para reformar o Judiciário, mas soluções ou direções que podem ser implementadas a partir do próprio Executivo. Há também análise sobre propostas já em tramitação no Congresso e que deveriam ganhar força. E, no futuro, poderão surgir sugestões que precisarão de articulação política para serem apresentadas a órgãos do Judiciário – a exemplo do Conselho Nacional de Justiça – para poderem avançar.
O objetivo da maior parte das ideias em discussão é dar mais eficiência ao Judiciário. A soluções passam por resolver mais fácil e rapidamente disputas, seja entre particulares ou destes com o Estado, inclusive reduzindo a enorme quantidade de ações que a União leva adiante nos tribunais sem chances de vitória, na área tributária, por exemplo.
Na visão do grupo que assessora Moro, há espaço para: ampliar a resolução de conflitos por meio da arbitragem, fora, portanto, dos tribunais; reforçar o sistema de precedentes e estimular a solução dos casos de forma coletiva; aprimorar a atuação das agências reguladoras; facilitar a entrada de novos players no mercado, especialmente empresas que desenvolvem serviços digitais; impulsionar a regularização fundiária e garantir o direito à moradia; avançar na adoção, pelas empresas, de programas de conformidade (“compliance”) e de inserção no modelo ESG (“environmental, social and governance”), de práticas socialmente responsáveis, sustentáveis e corretamente gerenciadas.
Quem está na equipe de Moro
“Fui contatado para dar sugestões acadêmicas para aperfeiçoamento do sistema de Justiça no Brasil a partir de evidências e dados científicos. É dever republicano contribuir com o aperfeiçoamento das nossas instituições. Minhas áreas de pesquisa envolvem políticas públicas judiciais, métodos alternativos de solução de disputas, regulação econômica”, disse à reportagem o advogado empresarial Luciano Timm.
Secretário nacional de Direito do Consumidor entre 2019 e 2020, durante a passagem de Moro pelo Ministério da Justiça, Timm é mestre e doutor pela UFRGS, com especialização e pesquisas em direito econômico nas universidades americanas de Warwick e Berkeley, e atualmente dá aulas na Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
Além dele, integram o grupo Joaquim Falcão, professor de direito constitucional da FGV Rio. PhD pela Universidade de Genebra e mestre em Harvard, está entre os mais renomados especialistas em Justiça no país; e é também membro da Academia Brasileira de Letras. Completa o time Vladimir Passos, desembargador aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), doutor em direito de Estado pela UFPR, professor na PUC do Paraná, e ex-secretário nacional de Justiça durante a gestão de Moro no Ministério da Justiça.
O tamanho do problema
Estudos já realizados por integrantes do grupo ou colegas de academia, com base em dados oficiais, apontam uma realidade perniciosa, na qual o Judiciário consome um grande volume de recursos públicos, pagos por toda a população, para julgar, em grande parte, processos que envolvem o próprio Estado ou um número reduzido de grandes empresas.
Em 2020, o Judiciário brasileiro consumiu R$ 100 bilhões, segundo o último relatório Justiça em Números, do CNJ – para efeito de comparação, no período, o governo federal investiu R$ 788 milhões em saneamento básico, segundo dados do Portal da Transparência.
O mesmo ano terminou com 75,4 milhões de processos em tramitação. Destes, 27,1 milhões (36%) são processos de execução fiscal, dívidas tributárias não pagas pelo contribuinte pela via administrativa, junto aos próprios órgãos públicos. Esses processos são considerados pelo CNJ os grandes vilões do inchaço e da sobrecarga do Judiciário.
“Historicamente as execuções fiscais têm sido apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário [...] Acabam chegando ao Judiciário títulos de dívidas já cobradas por outras vias e, por consequência, com menor probabilidade de recuperação [...] De cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2020, apenas 13 foram baixados”, diz o relatório Justiça em Números, lançado no ano passado pelo órgão.
Cada processo deste dura, em média, 8 anos 1 mês no Judiciário (10 anos e 11 meses na Justiça Federal, quando envolvem a União; e 7 anos e 10 meses na Justiça Estadual). Estudos independentes calculam que o custo total médio de um processo como esse é de R$ 3 mil, durante todo o período de tramitação.
Possíveis soluções
Para o grupo que assessora Moro, para reduzir essa grande quantidade de processos, uma das soluções possíveis é não levar adiante ações nas quais já existe jurisprudência consolidada para resolver aquele conflito tributário, seja em favor do Estado ou contra ele.
A Advocacia-Geral da União (AGU), nesse sentido, não deveria continuar recorrendo em casos que já está claro que tende a perder. Por outro lado, já nos casos em que precedentes apontam que tende a ganhar, a saída é tentar fazer acordos com os devedores – atualmente o Estado só recupera em média 15% dos créditos que busca na Justiça após o fim do longo litígio. Um acordo entre as partes poderia elevar esse percentual e encerrar mais rapidamente o caso.
Outra solução já tramita no Congresso: trata-se do projeto de lei 4.257, de 2019, proposto pelo então senador e atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia, que permite ao devedor optar por um tribunal de arbitragem para discutir a cobrança dos tributos, o que não só desafoga os tribunais, mas permite uma solução mais rápida.
O mesmo projeto propõe um rito de execução para pagamento de dívidas tributárias incidentes sobre imóveis e veículos fora da Justiça, no qual o próprio poder público pode tomar e leiloar esses bens em caso de inadimplência, como ocorre com bancos que não recebem parcelas de um financiamento imobiliário, por exemplo, sem precisar acionar o Judiciário.
Para o grupo de juristas chamados por Moro, ainda há outras iniciativas possíveis para reduzir a sobrecarga e os custos do Judiciário. Uma delas é reforçar o sistema de precedentes no país e ampliar as ações coletivas – que reúnem milhares ou até milhões de casos idênticos, muito comuns, por exemplo, na área de direito do consumidor – com soluções uniformes, mais abrangentes e rápidas, também conforme jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.
Hoje, a maioria dessas ações é ajuizada pelo Ministério Público, mas falta incentivo e segurança para que elas também sejam apresentadas por entidades civis (associações, institutos ou mesmo ONGs) representativas de um grande número de empresas ou pessoas com o mesmo problema.
E quando grandes empresas ignoram essas soluções e optam por ir até o fim dos processos, apresentando os inúmeros recursos possíveis na Justiça? Uma ideia aqui é cobrar delas custas judiciais diferenciadas e maiores e também fixar honorários de sucumbência (pagamento a advogados da parte que venceu) mais altos.
Para dinamizar a economia e facilitar a vida de pequenas e médias empresas e empreendedores, a equipe de Moro também estuda maneiras de aperfeiçoar a regulação das agências reguladoras, de modo a evitar que elas sejam manipuladas por grandes players do mercado que tentam sufocar novos concorrentes.
Há também planos para procedimentos mais simples e unificados de atendimento ao consumidor, reunindo em um só canal, por exemplo, reclamações de serviços como água, telefonia, energia, etc. A ideia, novamente, é evitar que problemas triviais, para os quais as normas já favoreçam o consumidor, cheguem ao Judiciário.
O que fazer com a sobra de recursos?
Se planos como esses se tornarem realidade, o que fazer com o tempo e os recursos que sobrarem? O grupo de Moro entende que eles devam ser aplicados no próprio Judiciário, para ampliar o atendimento a pessoas mais pobres que têm dificuldades para acessar a Justiça ou para acelerar os processos daquelas que batalham anos a fio para assegurar direitos e ou buscar soluções na primeira e na segunda instância.
Nos próximos meses, o grupo ainda vai aprofundar discussões que envolvam outras áreas socialmente sensíveis – como a de regularização fundiária, entendida como importante para assegurar o direito de propriedade de famílias e produtores rurais, por exemplo –, bem como em setores de ponta, que interessam a empresas que investem em inovação tecnológica e em práticas sustentáveis. Tratam-se de temas em que Joaquim Falcão e Vladimir Passos estão mais concentrados.
Tudo depois será submetido a Moro para eventual inclusão no programa de governo. O passo seguinte será discutir como implementar essas ideias em caso de vitória num eventual governo. A avaliação inicial é que será preciso muito diálogo e estratégia, para um esforço que envolva todos os órgãos afetados.
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