Tão logo a apuração das urnas caminhou para sua definição na eleição do último domingo (2), com o reconhecimento público dos eleitos, as redes sociais foram inundadas de críticas e contestações ao trabalho dos institutos de pesquisa, a maioria por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Houve vários exemplos de resultados diversos dos apontados na véspera pelas pesquisas eleitorais em alguns estados, inclusive na corrida pela Presidência da República.
A reação política foi grande e já chegou ao Congresso Nacional. Aliados do governo defenderam nesta segunda-feira (3) a abertura de uma investigação parlamentar contra os institutos e até mesmo pautar matérias legislativas que punam essas empresas.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou no Twitter que vai buscar assinaturas para criar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) das pesquisas eleitorais. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), porém, rechaçou a hipótese de instalar o colegiado, embora também tenha feito críticas ao trabalho dos institutos.
"A gente tem sofrido pressão para instalação de CPIs, mas penso que não é o caso. Temos que discutir uma boa legislação para empresa de pesquisas e divulgação delas, para que a gente não tenha essas disparidades [resultados diversos do apurado nas urnas]", disse Lira à GloboNews. "A população clama por isso, se angustia, e cabe ao Congresso regular essas matérias", acrescentou.
Outra hipótese de investigação poderia vir do Ministério Público Federal. Fontes ouvidas pela CNN apontam que o procurador-geral da República, Augusto Aras, pode fazer uma "ampla investigação" sobre o trabalho dos institutos de pesquisa. Contudo, conforme apurou a Gazeta do Povo, essa informação é desconhecida por membros do alto escalão da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Integrantes da cúpula do MPF ouvidos pela reportagem até acham improvável a abertura de uma investigação no âmbito do Ministério Público Eleitoral. A análise é de que os partidos e caciques políticos não bancariam o pedido de investigação após Lira rechaçar a instalação de uma CPI.
Além disso, eles entendem que Aras seria acusado de partidarismo e constrangimento ao vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, em meio ao processo eleitoral, já que ainda haverá votação em segundo turno para presidente da República e governadores de 12 estados no dia 30 de outubro.
Investigação poderia apurar se houve erro doloso em pesquisas
O deputado Eduardo Bolsonaro, reeleito no último domingo (2), aponta como fato determinado para requerer a criação de uma CPI para investigar os institutos de pesquisas eleitorais a "discrepância não só nas intenções de votos para presidente, mas também para outros cargos". Ele diz que pretende iniciar a coleta de assinaturas ainda esta semana.
O cientista político Paulo Kramer, da Fundação da Liberdade Econômica, avalia que uma investigação pode e deve ser feita. Para ele, um inquérito poderia até mesmo identificar não apenas erros culposos, mas também dolosos (quando há a intenção de cometê-los). "Eu acho que nós estamos diante de erros intencionais voltados a confundir a cabeça do eleitor", afirma.
"Foram cometidos tantos erros, e quase sempre os institutos errando a favor de um lado, a esquerda, e contra outro, a direita, que a gente pode desconfiar até que os erros não tenham sido meramente culposos, ou seja, não intencionais", opina Kramer.
Professor aposentado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), o analista acredita que as pesquisas podem ter influenciado não apenas eleitores a deixarem de votar em Bolsonaro, mas também aliados do Centrão, que podem ter resistido a se engajar ativamente a favor do presidente ainda no primeiro turno.
Para Kramer, o Congresso deveria criar um instituto independente para a fiscalização e análise das pesquisas formado por profissionais de notório saber e sem vinculação profissional com as empresas. No caso de uma investigação no âmbito do Ministério Público Eleitoral, ele entende que pode ser feita desde que assessorada por um grupo de trabalho de estatísticos e cientistas sociais independentes.
Punição penal contra institutos é improvável, dizem juristas
A hipótese de uma investigação contra institutos de pesquisas eleitorais estaria amparada pelos artigos 33 e 34 da Lei 9504/97, a Lei das Eleições. Porém, na possibilidade de abertura de um inquérito, a imputação de crime não seria simples. No âmbito do Ministério Público Eleitoral, ainda dependeria de uma autorização da Justiça Eleitoral, que poderia vetar por não identificar ilícitos eleitorais.
O advogado eleitoral Hélio Maldonado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), entende que, do ponto de vista penal eleitoral, institutos de pesquisa não poderiam ser responsabilizados. Já no campo do ilícito eleitoral, ele avalia ser possível, mas considera essa hipótese "remota". "Só se houvesse uma artimanha tamanha para beneficiar um candidato, partido, federação ou coligação, o que não se noticia", analisa.
Para o especialista, a investigação deveria encontrar um claro favorecimento a determinada campanha para se chegar a pedir uma ação. Para além da dificuldade de correlação entre instituto e a tendência de beneficiar uma candidatura, Maldonado também aponta para o prazo curto para eventuais contestações.
"Haveria dificuldade de tempo para fazer essa constatação investigativa. As ações eleitorais têm prazo certo para serem ajuizadas. Existe um prazo derradeiro que vai de 15 dias após a diplomação dos eleitos. Se temos a data final da diplomação, que é 19 de dezembro, temos 15 dias após isso para serem ajuizadas todas e quaisquer ações eleitorais. Após esse período, há uma estabilização de fechamento de ciclos eleitorais, que é justamente para não manter 'ad aeternum' o questionamento do resultado das urnas", alerta.
O advogado eleitoral Renato Ribeiro, sócio da Ribeiro de Almeida & Advogados Associados e coordenador acadêmico da Abradep, entende que não houve má-fé que justifique a hipótese de investigação dos institutos e concorda que seria improvável uma punição contra as empresas. Ele explica que há situações de indícios graves de crime eleitoral quando uma pesquisa não é registrada, não apresenta metodologia e nas hipóteses de que há um erro "gritante", o que, no entendimento dele, não ocorreu.
"A divulgação de pesquisa falsa é crime eleitoral, mas esses institutos apresentaram metodologia, registro e os erros não foram crassos. Eu já vi e até participei de processos judiciais de crime eleitoral envolvendo empresas e institutos de pesquisa, mas geralmente de institutos menos consagrados. E esses sérios não erraram dessa forma. Pode ter um erro metodológico que pode se justificar até pela ausência de um Censo [demográfico] brasileiro mais recente", diz.
O último Censo no Brasil é de 2010 e um novo levantamento está em curso, com dois anos de atraso e previsão de conclusão em 2023.
Os dois especialistas entendem que as contestações são frutos de estratégias eleitorais. "A 'gritaria' faz parte da retórica de campanha, mas isso não corresponde às verdades", diz Ribeiro. "Particularmente, acho que é a construção de uma narrativa para coagir e de antemão descredibilizar esses institutos", analisa Maldonado.
Projetos que o Congresso debate e que impactam pesquisas eleitorais
Embora a probabilidade de uma investigação no âmbito de uma CPI seja improvável no Congresso, parlamentares querem avançar com a aprovação de matérias que punam os institutos de pesquisa. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por exemplo, é um dos favoráveis a discutir isso e, inclusive, disse no domingo (2) que vai apresentar um projeto de lei sobre o tema.
Há outros projetos de lei que propõem algo em torno das pesquisas eleitorais. O deputado federal Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo na Câmara, por exemplo, é autor do projeto de lei 5.301/20, que veda a divulgação de pesquisas eleitorais 15 dias antes das eleições e responsabiliza os institutos de pesquisas pela divulgação e realização de pesquisas fraudulentas.
O projeto de lei complementar (PLP) 112/21, o novo Código Eleitoral, também discute o tema. Entre os pontos previstos, está a vedação de pesquisas de intenção de voto nos dois dias que antecedem as pesquisas. Também prevê que as empresas serão obrigadas a divulgar um "percentual de acerto" e proíbe que as pesquisas sejam realizadas com recurso próprio da instituição, com exceção das empresas ligadas à atividade jornalística.
O advogado Marcelo Weik, professor de direito eleitoral da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e membro da Abradep, participou da consultoria externa do grupo de trabalho de deputados que elaboraram o novo Código Eleitoral e defende o texto aprovado pela Câmara e que, atualmente, está parado no Senado. "Dá mais transparência ao eleitor", sustenta.
A divulgação de um "percentual de acertos" é defendido por ele para dar ao eleitor mais clareza e possibilidade de verificar a credibilidade do instituto, que ficaria obrigado a apresentar essa informação no registro da pesquisa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e também o estatístico responsável.
"É uma proposta para ter maior clareza no sistema interno de controle da pesquisa, para evitar fraudes internas e ter maior clareza nesse sentido. Tudo isso é para tentar melhorar o ambiente de produção", defende Weik. Porém, o advogado evita acusar os institutos. "Não podemos demonizar o processo de pesquisa, nem endeusar. Errado é quando achamos que ela é o retrato fiel. É apenas a tendência momentânea daquele eleitorado", justifica.
Procurada pela reportagem para comentar as críticas, a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) informou que seus associados estão "avaliando e refletindo sobre os último acontecimentos" e que, nesta quarta-feira (5), o Comitê de Opinião Pública da Abep deve se reunir e divulgar um comunicado oficial.
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