Apesar dos esforços para tentar reverter a preferência dos eleitores evangélicos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda tem dificuldade para avançar sobre esse segmento do eleitorado. Levantamento da Quaest divulgado na última quarta-feira (3) mostra que o atual presidente tem 48% das intenções de votos evangélicos, ante 29% do petista, faltando menos de dois meses para o primeiro turno das eleições.
Aliados de Lula admitem reservadamente que a campanha petista ainda não conseguiu acertar o tom do discurso para atrair o voto evangélico. Contudo, acreditam que o ex-presidente terá uma votação maior que a de Fernando Haddad (PT) na última disputa presidencial. Em 2018, quando disputou o segundo turno contra Haddad, Bolsonaro recebeu cerca de 70% dos votos dos evangélicos, contra 30% do petista.
A pesquisa da Quaest revela que o atual presidente cresceu 14 pontos percentuais desde o começo deste ano entre os evangélicos, enquanto Lula recuou seis pontos. Em janeiro, Bolsonaro tinha 34% e, em agosto, registrou 48%. Na contramão, Lula caiu de 35% para os atuais 29%.
Lula decide focar na economia para atrair evangélicos
Para tentar reverter esse cenário, a campanha petista abandonou a estratégia que vinha adotando para se aproximar dos evangélicos. O próprio ex-presidente chegou a propor um podcast voltado para esse público, mas o projeto nunca saiu do papel e foi abandonado pelo PT.
A avaliação interna é de que Bolsonaro conta com o apoio das maiores denominações pentecostais e neopentecostais do país e que as principais lideranças irão apoiar o projeto de reeleição do atual presidente. Com isso, a campanha petista defende que Lula deixe de lado o discurso ideológico e foque em pautas da economia.
"A diminuição da pobreza, da desigualdade social, o aumento do emprego, da renda, tudo isso permite que a pessoa tenha melhores condições para a pessoa exercer a sua espiritualidade. A prosperidade econômica permite que a pessoa exerça sua fé em todas as suas acepções", diz Gutierres Barbosa, evangélico e coordenador nacional do Setorial Interreligioso do PT.
Escalado pelo PT para trabalhar nas estratégias de Lula com os evangélicos, o pastor Paulo Marcelo Schallenberger organiza para a segunda quinzena deste mês um evento entre Lula e Geraldo Alckmin, que é candidato a vice-presidente na chapa petista, em São Paulo. A expectativa é de que o encontro reúna cerca de mil pastores de denominações pequenas espalhadas pelo país.
Além disso, a campanha prepara uma série de agendas para Lula por meio dos núcleos evangélicos da sigla, já existentes em todos os estados, sobretudo nas periferias. O objetivo agora é tentar uma aproximação com pastores pentecostais para realização de eventos em todo o país com foco na agenda econômica.
Campanha cita fala sobre aborto como principal erro de Lula
Reservadamente, integrantes do PT avaliam que a declaração do ex-presidente Lula sobre a legalização do aborto foi o principal erro do petista no período de pré-campanha. Em abril, ele afirmou que todo mundo deveria ter direito ao aborto durante fala em um evento da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.
Na ocasião, o petista criticou o fato de as classes sociais mais baixas não terem acesso ao procedimento, enquanto uma mulher rica "pode fazer um aborto em Paris" ou "ir para Berlim procurar uma clínica boa". A declaração gerou críticas de diversos adversários e, segundo integrantes da campanha, esse vídeo circula até hoje em grupos de WhatsApp e nas redes sociais de apoiadores do presidente Bolsonaro.
Além disso, a primeira versão do plano de governo de Lula falava de forma indireta que o Estado deveria garantir o aborto, no trecho em que tratava de políticas para mulheres. "O Estado deve coordenar uma política pública de cuidados e assegurar às mulheres o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos", dizia o texto. Como a Gazeta do Povo mostrou, a expressão "direitos sexuais e reprodutivos" costuma ser entendida como uma defesa do aborto. Contudo, o tema acabou sendo retirado da segunda versão do documento.
Para tentar contornar a repercussão das falas de Lula entre os evangélicos, o partido criou o Comitê Evangélico Unificado para acompanhar a divulgação de notícias no ambiente digital e melhorar as formas de diálogo com o segmento.
De acordo com Magali Nascimento, colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas, o trabalho do grupo consiste em preparar as lideranças para identificação e controle da disseminação de notícias falsas pelas redes. "Esse tipo de conteúdo mexe com sentimentos, causando medo. São criados por quem quer ganhar alguma coisa, geralmente é dinheiro ou poder político", defendeu Magali.
Bolsonaro intensifica agenda com grupos evangélicos
A mudança de estratégia por parte da campanha de Lula ocorre justamente no período em que Bolsonaro consolida seu apoio juntos aos evangélicos. Nos últimos meses, o presidente ampliou a participação em eventos religiosos e aproveitou para falar sobre temas que mobilizam o eleitorado cristão conservador, como aborto, família e legalização das drogas.
Diante da multidão de fiéis que acompanham os cultos, Bolsonaro discursa utilizando referências bíblicas e evoca a ideia de que existe uma “guerra do bem contra o mal” na política brasileira. Em julho, por exemplo, ele esteve presente em ao menos 10 encontros com religiosos, entre eles, a Marcha para Jesus, em São Paulo.
Na última quarta-feira (3), Bolsonaro participou de um culto na Câmara dos Deputados após convite da bancada evangélica. O encontro foi organizado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder dos evangélicos no Congresso Nacional e um dos principais aliados de Bolsonaro.
Aos parlamentares, Bolsonaro relatou que, apesar de ter entrado na Câmara em 1991, só se aproximou da bancada evangélica em 2010, devido à oposição a dois projetos: o PLC 122, que criminalizava a homofobia; e o Plano Nacional de Diretos Humanos (PNDH-3), um conjunto de propostas apresentado no fim do governo Lula.
Metodologia da pesquisa citada
A pesquisa do instituto Quaest, encomendado pelo Banco Genial, ouviu 2 mil eleitores presencialmente entre os dias 28 de julho e 31 de julho. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo BR-02546/2022.
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