As campanhas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão determinadas a estimular os eleitores a irem às urnas em 30 de outubro, data do segundo turno das eleições. O objetivo é reduzir as abstenções pelo país – que, no primeiro turno, atingiram a marca de 20,9% dos eleitores aptos a votar. É o maior índice para o primeiro turno desde a eleição de 1998, embora semelhante ao de 2018, quando 20,33% dos eleitores não votaram no primeiro turno.
Em números absolutos, as abstenções corresponderam a cerca de 32,7 milhões de eleitores. Com tantas pessoas aptas a votar que não compareceram, o núcleo político de Lula acredita que o petista teria derrotado Bolsonaro sem a necessidade de um segundo turno. Por sua vez, a campanha do presidente acredita que, não fossem os faltosos, ele teria ao menos vencido o primeiro turno.
A preocupação de ambas as candidaturas ocorre porque, historicamente, a abstenção no segundo turno tende a ser maior do que no primeiro. Nas eleições de 2018, a abstenção subiu de 20,3% dos eleitores no primeiro turno para 21,3%, – 1 ponto percentual a mais. Em números absolutos, subiu de cerca de 29,9 milhões para aproximadamente 31,4 milhões – ou seja, em torno de 1,5 milhão eleitores a mais deixaram de votar no segundo turno de 2018.
Analistas políticos e aliados de Bolsonaro e Lula acreditam que a quantidade de eleitores faltosos também tende a subir em 2022 em relação ao primeiro turno. A meta de ambas as campanhas é, ao menos, mitigar o provável aumento. Para isso, os dois candidatos apostam no apoio de suas bases e alianças políticas, em discursos nos campos econômico, social e de costumes, e na polarização para convencer os brasileiros a votarem.
Como as abstenções afetam as candidaturas de Lula e Bolsonaro
O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, acredita que Lula é o mais impactado pelas abstenções. “Ele foi o principal prejudicado no primeiro turno e pode ser no segundo porque, tradicionalmente, tem um eleitor mais pobre, que é a maioria”, diz. “Em estados que têm percentual maior de pessoas em situação de vulnerabilidade, a abstenção tende a ficar elevada”, diz Fernandes.
Mas o analista político vê um risco da abstenção para Bolsonaro: o feriado de Finados, em 2 de novembro. É que eleitores com maior poder aquisitivo eventualmente podem viajar durante o segundo turno para emendar com o feriado, que cai na quarta-feira seguinte ao segundo turno.
O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que Bolsonaro pode ser tão impactado quanto Lula pelas abstenções. Para ele, o ex-presidente deve manter os votos obtidos no primeiro turno e a proporção de faltosos deve permanecer próxima dos 20%. Ou seja, a se manter esse cenário, Bolsonaro será tão prejudicado quanto Lula.
“Há um certo folclore falar que a abstenção vai definir. Temos uma quantidade de eleitores bem definida pró-Lula e pró-Bolsonaro e acredito que teremos índices de abstenção e de brancos e nulos próximo ao do primeiro turno. O que vai definir é a capacidade dos candidatos de reverter a rejeição e conseguir os votos dos outros nove candidatos que não foram ao segundo turno”, diz.
Pelo cenário traçado por Baía, Bolsonaro poderia ter mais dificuldades, uma vez que precisaria ultrapassar a diferença alcançada por Lula no primeiro turno, de cerca de 6,2 milhões de votos, e impedir que o petista consiga ainda mais votos. O professor da UFRJ pondera, contudo, que não existe “transferência automática” de votos. Ou seja, os eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), por exemplo, não necessariamente votariam no petista apenas porque os presidenciáveis decidiram apoiá-lo no segundo turno.
Quais as estratégias da campanha de Bolsonaro para atenuar a abstenção
O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, concorda que as abstenções prejudicam a todos os candidatos, mas entende que ela é uma preocupação maior para Lula. Para ele, a candidatura de Bolsonaro impõe menos “medo” em relação à do petista e isso pode favorecê-lo, sobretudo após os erros de institutos de pesquisas eleitorais.
“A abstenção foi muito alta justamente porque o eleitor que se absteve não se sentia representado nem por um lado nem pelo outro, e não se sentia representado por nenhum candidato. Ela aumentou ainda pelo fato de que as pesquisas induziram o eleitor a acreditar que isso seria resolvido no primeiro turno. Neste segundo turno, vai ganhar mais voto daquele eleitor que não decidiu votar quem 'fizer menos medo' ao Brasil”, afirma.
Para Otoni, Bolsonaro tem vantagem nesse quesito por ser o candidato que menos poderia causar uma instabilidade. “Quem não foi votar não foram os extremos. É quem não se identifica com esquerda ou direita; é a grande massa do centro, que não se identificou com Bolsonaro ou Lula. Essa massa de centro não é ideológica; é pragmática. É o bolso, o dia a dia, o amanhã. Quem é que tem solução para o amanhã? O Bolsonaro”, diz o deputado. Por esse motivo, a campanha de Bolsonaro tem apostado em discursos mais propositivos sobre o legado do governo e em um tom mais moderado do presidente.
Auxiliar da campanha presidencial no Rio de Janeiro, o deputado esteve em uma reunião na sexta-feira (7) com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador-geral da campanha, o governador do estado, Cláudio Castro (PL), e outros integrantes da base política. O objetivo foi afinar o discurso e as estratégias da campanha, entre elas, as que discutem a abstenção.
“O Rio vai estar muito mobilizado em favor do presidente para que a gente diminua essa quantidade de abstenções. Eu até elaborei e coloquei para aprovação um vídeo de conscientização dos mais de 30 milhões de eleitores que não decidiram em quem votar. Esse é, sem dúvida nenhuma, o nosso alvo”, diz Otoni. O estado é um dos que não terá eleição de segundo turno para o governo, assim como Minas Gerais. Em ambos, Otoni entende que a base política pode fazer a diferença a favor de Bolsonaro.
Outra estratégia discutida é pedir ao TSE mais organização nas seções eleitorais para evitar filas – a demora na votação do primeiro turno pode desmotivar eleitores a comparecer no segundo. De acordo com Otoni, a campanha presidencial vai oficiar a Justiça Eleitoral sobre o tema. “Tivemos sessões [eleitorais] que ficaram na mesma sala. Foi um absurdo o que aconteceu. Teve gente que levou mais de duas horas para votar. O mais prejudicado dessas filas todas foi Bolsonaro, porque ele tem mais votos da meia-idade pra cima. É o voto do idoso, que não aguenta ficar numa fila, que tem 50 a 60 anos. Esse eleitor tem uma tendência a desistir de uma fila acima de uma hora; e aí acaba contando como abstenção”, analisa.
Aliados de Lula apostam na polarização para mitigar as abstenções
Em encontro na última quarta-feira (5) de Lula com senadores e governadores que o apoiam, o senador Jaques Wagner (PT-BA) admitiu a preocupação e disse que a abstenção é uma algo que exige "atenção” no segundo turno.
Região onde Lula se saiu melhor em relação a Bolsonaro, o Nordeste é uma preocupação para a campanha do petista em termos de abstenção. No primeiro turno, cerca de 8,3 milhões de eleitores faltaram às urnas, algo em torno de 19,5% dos eleitores aptos a votar.
O partido Rede Sustentabilidade, que apoia Lula, pediu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o passe livre aos eleitores no sistema de transporte público na data das eleições. Mas a solicitação foi negada pelo ministro Luís Roberto Barroso. No entanto, Barroso recomendou que “todos os municípios que tiverem condições de ofertar o transporte público gratuitamente no dia das eleições o façam desde já”, o que levou o PL, de Bolsonaro, a pedir esclarecimentos.
Também há preocupação na campanha petista nos estados em que não haverá disputa de segundo turno para os governos estaduais – a exemplo do Rio de Janeiro e Minas Gerais. "É um desafio grande a gente ir para uma eleição só de presidente nesses estados onde não há eleição para governador", avaliou o senador Jaques Wagner na última quarta-feira.
Nas eleições de 2018, em 12 estados as eleições para o governo estadual terminaram no primeiro turno e em 15 elas foram concluídas no segundo turno. Nos estados onde o governador foi eleito ainda na primeira etapa, a abstenção média na segunda foi de 21,6%. Nos estados onde houve segundo turno, a média de eleitores faltosos foi de 19,65%.
Outro ponto que chama a atenção é que a abstenção subiu no segundo turno, em média, 12% nos estados onde não houve segundo turno para governador. Nos estados onde os eleitores votaram para candidatos a governos estaduais, a abstenção subiu, em média, 9,9%. Ou seja, existe uma tendência maior de engajamento entre eleitores nas unidades federativas onde o futuro do governo local não foi definido.
Nesse aspecto, Lula pode ser favorecido ou pode mitigar os impactos das abstenções no Nordeste. Isso porque em cinco estados da região também haverá eleições para governos estaduais neste segundo turno: em Alagoas, na Bahia, na Paraíba, em Pernambuco e em Sergipe.
O deputado federal Zé Neto (PT-BA), vice-líder do partido na Câmara, acredita que o ex-presidente possa ser beneficiado de alguma maneira. “Eleição polarizada tende a reforçar a presença do eleitor, e a tendência é crescer o sentimento de polarização nacional nas próximas semanas até o segundo turno”, avalia.
O deputado entende que, onde não haverá segundo turno para governador, o clima de rivalidade entre Lula e Bolsonaro pode não ser suficiente para conter a abstenção, mas pondera que a base política vai trabalhar para engajar a militância e os demais eleitores a comparecerem às urnas.
“Diante do quadro, a gente tem que trabalhar com a perspectiva que o eleitor não se omita, venha votar e faça sua missão. Eu estaria preocupado se a eleição estivesse muito ‘fria’, e não está. Tivemos uma primeira semana [do segundo turno] de articulações nos dois lados, mas depois disso é que a gente vai ter essa ativação de campanha de rua e ‘guerra’ polarizada”, pondera. Zé Neto reforça, porém, seu entendimento de que a abstenção preocupa todos, não só Lula.
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