A Câmara dos Deputados está discutindo uma proposta para adotar o semipresidencialismo no Brasil – modelo no qual o presidente da República, eleito pelo voto popular, dividiria poderes com um primeiro-ministro aprovado pelo Congresso. O debate sobre o tema é liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defensor da iniciativa que já deu sinais de que gostaria de colocar o assunto em votação depois das eleições. Mas, para que a ideia avance, será preciso aprovar uma Proposta da Emenda à Constituição (PEC) na Câmara e também no Senado.
A ideia em discussão é que o novo sistema, se aprovado, seja implantado apenas a partir de 2030. Não se aplicaria, portanto, ao mandato do presidente da República que será escolhido em outubro. Os defensores da proposta alegam que a implantação em 2030 permite que a discussão de agora não seja contaminada pelo clima político atual.
O líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), discorda da proposta e vê na discussão um pretexto para enfraquecer um possível futuro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo Lopes, o discurso de implantação a partir de 2030 poderia ser mudado na tramitação da proposta e a vigência do novo modelo ser posta em prática de imediato.
O semipresidencialismo, de acordo com a proposta em discussão, criaria no Brasil a figura do primeiro-ministro. O presidente da República continuaria existindo, e ainda seria eleito por voto popular. Ele, porém, seria apenas o chefe de Estado (que é mais uma função mais simbólica, de representação do país e garantia da harmonia entre poderes). A função de chefe de governo, que é quem efetivamente governa, seria entregue ao primeiro-ministro. Pela proposta, o presidente escolheria um nome para ser o primeiro-ministro. Mas o Congresso teria de aprovar essa nome. Hoje, o presidente acumula as duas funções.
Segundo os defensores da iniciativa, ela cria "corresponsabilidade" entre o Parlamento e a Presidência da República. O primeiro-ministro, além de aprovado pelo Congresso, estaria permanentemente sob a "ameaça" de ser destituído caso perca o apoio de deputados federais e senadores. A rejeição formal por parte do Legislativo levaria à queda do primeiro-ministro, com o processo de escolha e aprovação de um nome sendo reiniciado a partir daí.
O modelo semipresidencialista, com suas peculiaridades locais, é adotado em países como Portugal e França. Essas duas nações serviram de referência para os defensores da iniciativa e para o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), autor do relatório da proposta que tramita numa comissão especial.
A diferença para o parlamentarismo clássico é que, no sistema semipresidencialista, o presidente da República tem mais poderes. Uma das atribuições que seria mantida com o presidente, por exemplo, é a de veto a projetos aprovados pelo Congresso. Mas a definição exata dessas responsabilidades não foi definida até agora. O entendimento é que isso seria afinado na ocasião do debate para a aprovação do modelo propriamente dito, ou mesmo permaneceria em aberto, para ser regulado ao longo dos anos.
O projeto em curso também não determina de forma direta se o semipresidencialismo já seria implantado após uma decisão favorável ao Congresso ou se seria submetido a uma votação popular, como um referendo. Entre os defensores da implantação do semipresidencialismo, há apoiadores dos dois diferentes modos para colocá-lo (ou não) em vigência. É mais uma questão que seria resolvida com a tramitação definitiva no Congresso.
Semipresidencialismo fortaleceria o Congresso
A ideia do semipresidencialismo é discutida há pelo menos dois anos na Câmara. O deputado Samuel Moreira apresentou uma PEC em agosto de 2020 sugerindo a implantação do modelo.
Mas a discussão ganhou mais corpo a partir de março deste ano, quando o presidente da Casa, Arthur Lira, determinou a criação de um grupo de trabalho para debater o sistema. O grupo é capitaneado por Moreira e contou com representantes de diferentes partidos, como PL, MDB, União Brasil e Novo. Não fez parte do grupo a oposição de esquerda ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo o líder petista Reginaldo Lopes, o PT entende que "a legislatura atual não tem legitimidade" para discutir a modificação no sistema. "Nós só participaríamos de uma discussão deste perfil se ela fosse inserida em um debate maior sobre reforma política, talvez dentro de uma nova constituinte", diz.
Além dos deputados, o grupo formou um conselho consultivo composto por pesos-pesados do direito e da política, como o ex-presidente Michel Temer e os ex-ministros do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim e Ellen Gracie.
Em geral, tanto os deputados que participaram do grupo quanto os membros do conselho consultivo e os convidados para audiências são favoráveis à implantação do semipresidencialismo. A abordagem comum entre eles é que o modelo presidencialista, no Brasil, se mostrou insuficiente para administrar as diferentes instâncias de poder e é um dos fatores que explica as crises e a instabilidade histórica que marca o país.
Integrante do grupo, o deputado Enrico Misasi (MDB-SP) diz que a adoção do semipresidencialismo "significaria uma grande modernização do sistema de governo". O parlamentar define como "irracional" a acumulação de funções de chefe de Estado e de Governo que existe no modelo atual.
Para Misasi, o sistema também traria soluções para um dos problemas habituais do contexto político nacional, que é a relação entre o Executivo e o Congresso. "No presidencialismo, a relação se dá de forma posterior [ao começo de um governo]. Já no semipresidencialismo, a relação é fruto de uma maioria [no Parlamento]. O governo começa com uma coalizão que garante sustentação política", diz.
O deputado acrescenta que as atividades do grupo de trabalho, ao enfatizarem que uma mudança só ocorreria em 2030, derrubaram a principal rejeição existente em torno do tema, que é a de sugerir que a modificação serviria para prejudicar Lula ou o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso da vitória deles na eleição.
O senador Angelo Coronel (PSD-BA) diz ser favorável ao modelo. Ele entende que o Congresso é o poder "mais próximo da sociedade, de quem ouve constantemente as suas reivindicações". Ele também afirma que "está na hora" de voltar a debater sistemas de governo no Brasil, cerca de 30 anos após o plebiscito de 1993 que confirmou o presidencialismo, em oposição ao parlamentarismo e à monarquia.
O senador, porém, afirma que não vê a possibilidade de conclusão do tema ainda em 2022. Para ele, seria mais favorável aguardar a nova composição do Senado. O Senado poderá renovar um terço de suas vagas nas eleições deste ano. Já na Câmara, as 513 cadeiras estarão submetidas à renovação.
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