O mercado financeiro, que apoiou em peso o então candidato Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, está se desconectando do atual presidente e pode estar ao lado de outro nome na disputa de outubro. O desejo dos gestores do setor é o sucesso da chamada terceira via, uma candidatura que fure a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Porém, como o favoritismo para a eleição permanece entre o atual e o antigo chefe do Executivo, o mercado já considera o voto no petista – e espera que ele adote políticas empreendidas em seu primeiro mandato (2003-2006).
O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em entrevista à Globonews, na segunda-feira (14), que diminui o receio do mercado contra um eventual governo Lula.
Em outro sinal público sobre os rumos do segmento financeiro nas eleições, gestora de ativos Verde Asset divulgou, no dia 8, uma carta com pesadas críticas à gestão Bolsonaro. No texto, a empresa diz que a condução da economia se equipara à da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), rejeitada pelo mercado. O texto menciona ainda falhas na gestão do combate à pandemia de coronavírus, a quebra do teto de gastos e afirma que a gestão Bolsonaro age com "populismo eleitoreiro barato, totalmente irresponsável".
A Gazeta do Povo conversou com o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, e com mais operadores do mercado financeiro sobre o cenário nacional. Os operadores, todos atuantes em empresas de grande porte do segmento, optaram por falar de forma reservada com a reportagem, sem informarem seus nomes e nem as companhias em que atuam.
E o diagnóstico de todos é semelhante: o governo Bolsonaro, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu credibilidade por causa da falta de realizações e por medidas de cunho populista executadas ou anunciadas nos últimos meses.
"Paulo Guedes não enche um auditório na Faria Lima", diz operador do mercado
Alexandre Schwartsman define o ministro da Economia como "um fanfarrão" e aponta que grande parte do prometido por ele, Bolsonaro e pela equipe econômica não foi entregue. O economista cita a reforma da Previdência como uma conquista positiva do governo atual. Mas, segundo ele, as realizações pararam por aí. "A inflação subiu mais do que o conjuntural, e ele fez promessas como 'vou conseguir privatizações na casa de R$ 1 trilhão', 'vou acabar com o déficit em um ano', e agora chora as pitangas e põe a culpa no Congresso. Mas não fez o que estava ao alcance dele", afirma.
Os operadores do mercado endossam a análise e citam que o ponto derradeiro de descompasso entre o governo e o mercado foi a aprovação, no fim do ano passado, da chamada PEC dos Precatórios e de medidas que limitaram o efeito do teto de gastos. "Quando o time econômico deu aval a essa medida, o mercado percebeu o que estava acontecendo, identificou as mudanças e passou até a criticar em retrospecto decisões tomadas no passado", afirma um gestor.
Para outro, hoje Bolsonaro "tem cheiro de Lula". "Ele defende aumento de salários de servidores e outras medidas de expansão de gasto", afirma, citando as propostas como contraditórias em relação ao apresentado pelo presidente durante o período eleitoral de 2018.
Todo esse contexto distancia os operadores do presidente e também do seu ministro Paulo Guedes. "Hoje, o Paulo Guedes não enche um auditório na Faria Lima", diz um operador, em referência à avenida da capital paulista onde estão localizados parte dos escritórios das principais empresas do ramo. "Os gestores preferem escutar o Tarcísio [Gomes de Freitas]", acrescenta, mencionando o ministro da Infraestrutura, que é pré-candidato ao governo de São Paulo.
Imagem no exterior pode ser fator de desempate pró-Lula
Segundo um operador do mercado financeiro, o "desembarque" do mercado do governo Bolsonaro não deve ser interpretado como uma adesão em massa à candidatura de Lula. "Muitos ainda têm bastante identificação ideológica com Bolsonaro e permanecerão com ele, especialmente se o segundo turno for contra Lula", diz. O petista tem propostas mais conectadas com bandeiras de esquerda que motivam a rejeição por parte dos investidores.
Há um campo, porém, que pode levar a balança a pender para o lado do petista: a imagem que o ex-presidente e Bolsonaro têm no exterior. Operadores acreditam que a visão de investidores estrangeiros sobre Lula é melhor do que a que existe sobre Bolsonaro, e isso pode motivar os gestores brasileiros a ficarem ao lado do ex-presidente. "Bolsonaro prometeu que só falaria com os EUA e com a Europa Ocidental, e com isso acabou fechando muitas portas. A questão ambiental pesa bastante. Os investidores têm essa preocupação, e Bolsonaro passa muitos sinais contrários a isso. Além disso, o mundo mudou após a vitória do Biden [Joe Biden, presidente dos EUA eleito em 2020], e posicionamentos mais extremos como o de Bolsonaro deixaram de ter tanto apoio", acrescenta um gestor.
Desse modo, Lula começa a ser identificado no mercado como um "mal menor" do que Bolsonaro. Mas os gestores passam a nutrir a expectativa de que o ex-presidente, se eleito, tenha para o campo econômico posturas similares às que adotou em sem primeiro mandato. Segundo os analistas, o "Lula 1" seguiu uma cartilha de medidas que vinha sendo implantada no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com destaque para o rigor fiscal, o que possibilitou boas condições ao país. Já o "Lula 2", do segundo mandato (2007-2010), de acordo com os operadores, implantou medidas de maior gasto público que prepararam o terreno para a maior recessão da história, verificada no governo Dilma.
"O ideal seria que Lula anunciasse que está com o Meirelles ou alguém do mesmo perfil, mas sabemos que é impossível", destaca um operador. O Meirelles citado por ele é Henrique Meirelles, presidente do Banco Central durante o governo Lula e hoje secretário do governo de João Doria (PSDB) em São Paulo.
Mercado vê terceira via como frágil eleitoralmente
Doria, aliás, é visto como um bom candidato pelos operadores do mercado, assim como Sergio Moro (Podemos). "Moro anunciou o Pastore como seu conselheiro econômico. Tá com Pastore, tá com Deus", citou Alexandre Schwartsman, em referência a Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e integrante da equipe do pré-candidato do Podemos.
A celebração a membros das equipes de Moro e Doria não supera o desânimo motivado pelo desempenho eleitoral frágil de ambos e dos demais candidatos da chamada terceira via, grupo que inclui nomes como Simone Tebet (MDB) e Rodrigo Pacheco (PSD). Ciro Gomes (PDT), também pré-candidato, é visto como "pior que Lula", por ter posições mais à esquerda que o ex-presidente.
"Doria é um candidato eleitoralmente irrelevante", afirma Schwartsman. A percepção é endossada pelos outros operadores do mercado, que veem pouco espaço para a superação do cenário protagonizado por Lula e Bolsonaro. "Vamos ter que tapar o nariz e escolher um deles", brinca um gestor.
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