A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e a pastora Damares Alves, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, assumiram papéis importantes na pré-candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ambas atuam para reduzir a rejeição do presidente entre as mulheres e fortalecer a base eleitoral entre os evangélicos.
A ex-ministra definiu com a primeira-dama uma agenda de viagens pelo país. As duas vão percorrer igrejas e falar aos cristãos em cultos e demais eventos voltados ao eleitor evangélico. Damares, por exemplo, participou da Assembleia-Geral da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), em Cuiabá, do qual Bolsonaro também participou. Na ocasião, ela lançou seu livro "Tudo Começa na Infância".
Antes de ir ao maior evento de pastores evangélicos do Brasil, Damares cumpriu agenda em Manaus e, na próxima semana, irá a Campo Grande. "Teremos muitas reuniões como esta [Assembleia-Geral da CGADB] principalmente no Norte do país", afirma um interlocutor da ex-ministra.
A expectativa é de que parte dessas agendas sejam cumpridas com a primeira-dama, sobretudo para as regiões Norte e Nordeste. Interlocutores apontam que as duas aproveitarão as viagens e demais encontros públicos para também fazer gestos ao eleitorado feminino e falar sobre programas lançados pelo governo neste ano e outras ações.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), aliada do governo, confirmou a agenda de viagens de Damares e Michelle pelo país à Gazeta do Povo e afirma que ela não ficará restrita ao eleitor evangélico. "As duas vão começar a viajar bastante para falar dos feitos do presidente em relação às políticas das mulheres", afirma.
"Esse governo é o que mais tem mulheres no primeiro, segundo e terceiro escalão, é o único governo que colocou 14 mulheres em cargos de liderança na Caixa Econômica Federal, é o governo que mais sancionou leis pró-mulheres: 63, até o momento. Foram investidos R$ 236 bilhões em políticas públicas para mulheres só no ano passado. Tudo isso são informações que o povo não tem e as duas vão começar a difundir em viagens conjuntas", complementa.
Expectativa é que a mensagem delas chegue a 60 milhões de eleitores
O cálculo político feito no governo é que, juntas, Michelle e Damares possam ter acesso e poder de influência em pelo menos 60 milhões de eleitores. As contas são baseadas na proporção do eleitorado feminino e evangélico.
Dados de março do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam para cerca de 78,4 milhões de votos válidos entre as mulheres. Os evangélicos representam 31% da população, segundo pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Datafolha, o que significava uma massa de 65,4 milhões de pessoas.
Segundo as pesquisas mais recentes do PoderData, Bolsonaro tem 53% das intenções do eleitorado evangélico e 32% do voto das mulheres em um eventual primeiro turno. Por esses dados, contas feitas no governo apontam que, hoje, o presidente tenha pelo menos 60 milhões de votos calculados de eleitores entre esses dois grupos. Porém, o cálculo feito por interlocutores de Michelle e Damares é de que esse número de votos potenciais pode ser ainda maior.
A avaliação feita por assessores da primeira-dama e da ex-ministra é de que o papel desempenhado por elas na pré-campanha pode ser fundamental para manter em desaceleração a rejeição de Bolsonaro, impulsioná-lo nas pesquisas eleitorais e fortalecer sua base eleitoral.
Atuação de ambas pode ser decisiva na eleição, avalia cientista político
O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entende que a articulação capitaneada por Michelle e Damares possa render não apenas frutos políticos à campanha presidencial, como ser decisiva para as eleições. "Por que Bolsonaro vem se aproximando de Lula nas pesquisas? Porque a rejeição dele está diminuindo. Reduzindo a rejeição, ele fica mais competitivo do que é hoje", analisa.
Em março, o PoderData apontou Bolsonaro com 48% das intenções de voto entre os eleitores evangélicos e 26% entre as mulheres em um primeiro turno. Em abril, os índices foram de 53% e 32%, respectivamente. O mesmo instituto apontou este mês que Lula tem 40% das intenções de voto, enquanto o presidente tem 35%. A diferença de 5 pontos percentuais entre os dois candidatos é a menor registrada em 2022.
O professor da UFRJ analisa que o esforço conjunto de Michelle e Damares pode ser determinante para manter a diferença entre Lula e Bolsonaro nas pesquisas em queda. "Numa disputa polarizada como a atual, 1% ou 2% que elas conseguissem ao Bolsonaro seria muita coisa", avalia.
Sobre a ex-ministra, ele pondera que ela se firmou em todos os grupos religiosos e conservadores, não apenas entre os evangélicos, o que dá força a ela e a Bolsonaro. "A Damares fala para uma mulher conservadora, que representa boa parte das mulheres. Pautas conservadoras como a questão de ser contra o aborto e a preservação da família são caras e muito queridas sobretudo pela população pobre e a maioria do eleitorado feminino de todas as faixas sociais", diz Baía.
E a respeito de Michelle, o cientista político e sociólogo aponta que, embora ela não tenha tanta visibilidade, ela tem o "poder" de ser a primeira-dama. "Junto com a Damares, ela potencializa a ex-ministra, inclusive para um cargo de vice-presidente", analisa.
Economia também terá seu peso
A cientista política Letícia Mendes, consultora em Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados, concorda que a agenda de Michelle e Damares pode ajudar Bolsonaro a ter mais votos entre mulheres, mas pondera que isso não é automático e dependerá de outros fatores, como a melhora da economia.
"É possível que atraiam mais votos, mas a concretização disso é um pouco mais difícil de vislumbrar, porque ainda falamos de um movimento incipiente. A maioria das famílias são chefiadas pelas mulheres, que vão observar o próprio cenário econômico. Vamos observar nas próximas pesquisas como vai ficar a visibilidade em torno do eleitorado a partir disso", pondera.
A analista acredita que Bolsonaro possa tirar proveito do movimento adotado por sua mulher e pela ex-ministra e deixar para trás elementos que, na opinião dela, o levaram a ter baixos índices de intenção de voto junto às eleitoras. Como exemplo, ela cita o combate à pandemia e a atenção à saúde das mulheres. "No ano passado, teve aquele veto à distribuição de absorventes e aquilo gerou uma imagem não tão boa ao governo", diz Letícia.
"Agora, essa presença na agenda do presidente, da primeira-dama e da então ministra são essenciais porque elas vão poder se observar diante da composição política do governo, principalmente porque até a primeira-dama tem feito falas e se mostrado mais visível à população e demonstrando que ela, sim, faz parte e está junta ao presidente diante de todo esse cenário", avalia Letícia.
Que acenos Bolsonaro fez aos eleitorados evangélico e feminino
O crescimento de 6 pontos percentuais da intenção de votos de Bolsonaro entre as mulheres é atribuído no governo aos recentes acenos feitos e programas lançados ao público feminino.
Em março, foi lançado um programa de saúde menstrual e criado um programa de empreendedorismo feminino, o "Brasil Pra Elas". Também foram sancionadas duas leis, uma que estabeleceu regras para o retorno de gestantes ao trabalho presencial e outra que exige o registro imediato de medidas protetivas de mulheres.
O programa de saúde menstrual foi lançado com o intuito de voltar atrás no veto do ano passado ao possibilitar a distribuição de absorventes a mulheres em situação de rua, mulheres de 12 a 21 anos que cumprem medidas socioeducativas e a alunas de 9 a 24 anos de idade matriculadas em escolas do programa Saúde na Escola.
Os programas e leis sancionadas atuam em eixos considerados sensíveis pelo governo, como segurança, economia e saúde das mulheres. Todas são pautas caras e cruciais para o público feminino e consideradas fundamentais pela coordenação eleitoral de Bolsonaro, que vislumbrou nisso o ponto de partida para reduzir a rejeição.
As pesquisas eleitorais mexem com o humor de políticos e são analisadas minuciosamente por integrantes do núcleo político e eleitoral do governo. Uma pesquisa qualitativa interna do PL, partido de Bolsonaro, já havia apontado uma rejeição entre as mulheres e baixos índices de intenção de voto entre esse eleitorado.
Os coordenadores eleitorais recomendaram a Bolsonaro que ele levasse Michelle em sua comitiva para agendas políticas nos estados e a sugestão foi acatada. Em visita às obras do hospital oncológico de Bagé (RS), ele demonstrou a felicidade em retornar ao município "agora muito bem acompanhado da primeira-dama" e disse que ela voltaria a acompanhá-lo em outras viagens.
"É a primeira vez que ela sai comigo de Brasília. Com toda certeza outras vezes ela me acompanhará, que isso abrilhanta realmente o evento e nos traz mais tranquilidade", destacou. A fala de Bolsonaro é admitida por aliados e interlocutores como um claro aceno às eleitoras. Não à toa que a agenda de viagens de Michelle e Damares ocorre com sua anuência.
Além das mulheres, o presidente da República também foi aconselhado a prestigiar sua base evangélica, principalmente após os escândalos no Ministério da Educação (MEC) envolvendo pastores acusados de intermediar a liberação de recursos públicos para prefeituras do Maranhão.
Embora tenha o apoio da maioria dos evangélicos, Bolsonaro foi alertado por aliados e conselheiros de que o apoio a ele não é automático. Não à toa, ele recebeu para um café da manhã no Palácio da Alvorada na última quarta-feira (13) pastores da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, além de ministros e parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica.
O encontro sacramentou a ida de Bolsonaro ao evento da CGADB em Cuiabá e o fortalece entre os evangélicos. Alguns pastores manifestaram ao presidente, contudo, sua preferência por Damares como vice na chapa à reeleição. Para eles, indicar a ministra como sua vice poderia ajudá-lo a consolidar os votos entre os evangélicos, principalmente entre os pentecostais.
O que Bolsonaro ganharia com Damares como vice e quais as chances de indicá-la
O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, foi escolhido pelo próprio Bolsonaro para ser seu vice. Entretanto, ele não é unanimidade no governo até o momento. Aliados e ministros o aconselharam a testar Damares por mais tempo e deixá-la se viabilizar como potencial nome a vice-presidente.
Embora tenha apreço por Damares, o presidente ainda não se mostra convencido com a ideia de tê-la como vice. No entanto, ele não fechou as portas para a possibilidade de indicá-la caso, até o fim de junho e início de julho, suas viagens pelo país derem sinais de que ela pode agregar votos à sua chapa.
Influentes lideranças evangélicas tomaram conhecimento de que Bolsonaro a considera como um "plano B" e se colocaram à disposição para ajudá-la a se cacifar como vice, com convites e estrutura para recebê-la em eventos públicos nos estados.
No PL, o "plano A" defendido para Damares atualmente é tê-la como pré-candidata à Câmara dos Deputados no Distrito Federal para puxar votos para eleger outros aliados do governo, o que asseguraria a pré-candidatura da deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), ex-ministra da Secretaria de Governo, na chapa do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB).
No Republicanos, o planejamento central é tê-la como pré-candidata ao Senado. A ideia inicial de Damares e defendida por Bolsonaro era lançar a pré-candidata ao Senado pelo Amapá, mas seu partido a quer como candidata ao Senado, admite à Gazeta do Povo o deputado federal Júlio César Ribeiro (Republicanos-DF), vice-líder da legenda na Câmara.
"Sem dúvida alguma a nossa pretensão é de tentar firmá-la ao Senado no mesmo bloco do Ibaneis. O governador tem dois grandes nomes que são seus aliados e poderão fortalecer a sua chapa [Flávia e Damares]. Como tudo é decidido nas convenções, nós temos até lá [5 de agosto] para que haja esse grande diálogo", afirma Ribeiro.
O "plano B" – Damares como vice de Bolsonaro – também é bem visto no Republicanos, embora interlocutores da ex-ministra vislumbrem a possibilidade de o governo passar a tratar sua pré-candidatura como um "plano A" em breve. Há uma confiança de que ela vai conseguir atrair votos e apoio entre evangélicos, principalmente entre pentecostais.
"O presidente perdeu muito voto no meio protestante. Esse negócio de ser católico não cola para quem é pentecostal. Às vezes, o eleitor não vota em Lula, mas também não vê Bolsonaro como uma opção automática. Aquela reunião [ministerial, em 2020] que ele soltou muito palavrão não caiu bem entre os pentecostais, que, no entanto, veem com muito bons olhos a Damares como vice", diz um interlocutor do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos.
O cientista politico e sociólogo Paulo Baía, professor da UFRJ, acredita que Bolsonaro não sairia prejudicado caso não indique Damares como vice, mesmo que ela e Michelle consigam reduzir a rejeição e impulsioná-lo nas pesquisas eleitorais. Porém, ele entende que o presidente deixaria de consolidar votos.
"O Braga Netto não traz um voto para o Bolsonaro, apenas mantém o perfil associado à segurança pública e à defesa de teses conservadoras. No caso da Damares, ela consolida uma possibilidade de voto, ao mesmo tempo em que é um nome respeitado nos segmentos conservadores, não apenas nos religiosos", analisa Baía.
O cientista político entende que uma indicação da ex-ministra como vice poderia ajudá-lo a consolidar votos que, hoje, podem estar ao centro político. "A Simone Tebet aposta em herdar o voto de Sérgio Moro, mas lançar Damares como vice poderia trazer de volta aquele voto do eleitor mais indeciso ou que, hoje, considera uma terceira via", avalia Baía.
Sem Moro na corrida presidencial, Bolsonaro "herda" 62% dos eleitores que votaram nele em 2018, segundo pesquisa de abril do PoderData. O índice saltou 15 pontos percentuais na comparação com o último levantamento, e a aposta de Baía é que, com Damares, a campanha presidencial poderia absorver ainda mais votos que hoje estão afastados.
A cientista política Letícia Mendes, consultora em Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados, é menos otimista quanto ao potencial de Damares em consolidar votos para a chapa presidencial. "O vice tem um teto um pouco mais curto de ascensão junto ao eleitorado, mas é uma figura importante", pondera.
De toda a forma, Letícia concorda que lançá-la como vice poderia ser um sinal significativo às mulheres. "O eleitorado tem que se ver presente diante da composição política para que mais a frente isso tenha uma construção mais robusta", diz. "Metade da população é formada por mulheres e só tivemos uma mulher como chefe de Estado. Quando uma mulher observa outra no poder, ela se imagina estando ali presente naqueles espaços de poder, que, hoje, são compostos por homens. De certa forma, é uma assertividade do presidente em defender esse movimento, se concretizado", acrescenta.
Metodologia da pesquisa citada na reportagem
Os levantamentos do PoderData que apontam Bolsonaro "herdando" 62% dos votos dos eleitores que votaram nele em 2018, a redução na diferença de intenção de voto entre ele e Lula, além do crescimento da intenção de voto entre eleitores evangélicos e mulheres, foram conduzidos entre 10 a 12 de abril de 2022. O PoderData entrevistou 3 mil pessoas por meio de ligações para telefones celulares e fixos em 322 municípios nas 27 unidades da Federação. A margem de erro geral da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa está registrada no TSE pelo código BR-00368/2022.
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