Acompanhado de um técnico das Forças Armadas, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou nesta quinta-feira (14), no Senado, três propostas de fiscalização que considera “fundamentais” para o sistema eleitoral e que, segundo ele, seriam “plausíveis e exequíveis”, sem contrariar as normas legais e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira delas buscaria reduzir a possibilidade de que um código malicioso (malware), possivelmente instalado nas urnas eletrônicas, pudesse burlar um teste realizado nos equipamentos no dia das eleições.
As propostas foram defendidas numa audiência pública promovida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle da Casa. São elas:
1) Realizar o teste de integridade das urnas eletrônicas nas mesmas condições da votação, inclusive com a utilização da biometria do próprio eleitor da urna em teste. A finalidade dessa proposta é “reduzir a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”.
2) Implementar, ainda para o pleito de 2022, o Teste Público de Segurança (TPS) das urnas EU 2020. A finalidade, segundo a Defesa, é “assegurar que hardware e software funcionam de forma integrada adequadamente e com menores riscos de segurança”. Trata-se do último modelo da urna, elaborado em 2020, que não passou pelo TPS, e que será utilizado em 39% das seções eleitorais
3) Tornar efetivas a fiscalização e a auditoria pelas entidades fiscalizadoras em todas as fases do processo. A finalidade é “aumentar transparência, pois é uma boa prática de auditoria que ‘quem faz não deve ser quem audita’”.
Tratam-se de propostas que já haviam sido feitas diretamente ao TSE no dia 10 de junho, num ofício enviado por Paulo Sérgio Nogueira ao presidente do TSE, Edson Fachin, no qual o general pedia a realização de uma reunião técnica exclusiva dos militares com a equipe de tecnologia do tribunal. Até o momento, não houve resposta a esse pedido de Nogueira.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o TSE, por meio de sua assessoria de imprensa, para saber se o tribunal ainda considera implementar essas medidas, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Nesta quinta, os três itens foram expostos numa apresentação do ministro da Defesa e depois detalhados pelo coronel do Exército Marcelo Nogueira de Souza, que o acompanhou no Senado. O militar destacou a necessidade de mudanças no teste de integridade das urnas, que ocorre no dia das eleições. Ele defendeu que o teste reproduza de maneira mais fiel uma votação real, de modo a reduzir a possibilidade de que um código malicioso possa burlar o próprio teste.
No teste de integridade, promovido pelo TSE, máquinas selecionadas pelos partidos ou sorteadas em centenas de seções eleitorais são levadas para Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Num local monitorado por partidos e empresas de auditoria, uma votação eletrônica simulada é realizada junto com outra, paralela, com os mesmos votos em cédulas. No fim do dia, os resultados são comparados, para verificar a integridade do sistema eletrônico.
Durante a apresentação, o coronel, que tem formação em engenharia elétrica e doutorado na Alemanha em processamento de sinais, falou sobre a possibilidade de que um código malicioso, instalado nas urnas, possa reconhecer o ambiente de teste e, assim, fazer com que a urna proceda a um correto registro dos votos, sem necessariamente reproduzir o funcionamento real de uma urna eletrônica dentro de uma seção eleitoral.
“É possível também que o código malicioso faça o equipamento operar de forma diferente. Então, temos o exemplo aqui de uma montadora de automóveis muito conhecida. Para burlar o sistema de fiscalização lá dos Estados Unidos, em relação à emissão de gás carbônico, o automóvel sabia que estava sob avaliação e operava de forma diferente; quando não estava sob avaliação, operava sob uma forma normal”, exemplificou.
Ele propôs que o teste de integridade seja realizado no próprio local de votação e com a ativação da biometria nas urnas selecionadas ou sorteadas, de modo a reproduzir de maneira mais próxima uma votação real.
“O eleitor faria sua votação, seria perguntado se gostaria de contribuir para testar a urna. Ele geraria um fluxo de registro na urna teste similar à urna original. Após isso, os eleitores fariam a votação em cédula de papel e depois seria conferida com o boletim de urna. Modificaria pequenos procedimentos no que está estabelecido, mas traria grau de segurança, de certeza maior, em relação a possível ameaça”, afirmou.
Ele também disse que, na literatura especializada de segurança da informação, calcula-se que 60% dos problemas em softwares, equipamentos de tecnologia ou soluções cibernéticas, provêm de ameaças internas. “Provêm de alguma falha, de alguma pessoa, em algum momento, ou equipamento, que conseguiu no perímetro interno, colocar essa falha”.
Antes dessa explicação, Paulo Sérgio Nogueira também defendeu as outras duas propostas das Forças Armadas: a realização do Teste Público de Segurança (TPS) nas urnas do modelo mais recente, de 2020, que serão utilizadas em 39% das seções eleitorais; e também a de tornar mais efetivas a fiscalização e a auditoria do processo eleitoral em todas as suas fases.
A segunda proposta parte da informação, prestada pelo TSE às Forças Armadas, de que 224.999 das 577.125 urnas a serem utilizadas nas eleições de outubro não passaram pelo TPS, no qual “hackers”, técnicos de universidades e peritos da Polícia Federal são chamados ao tribunal para tentar encontrar vulnerabilidades nas máquinas, no ano anterior às eleições.
Nesses ataques, monitorados de perto pelos técnicos do TSE, os especialistas externos buscam quebrar o sigilo do voto ou mesmo adulterar uma votação na urna eletrônica, por exemplo. As falhas e brechas apontadas são depois corrigidas pela equipe de tecnologia do tribunal.
A terceira proposta das Forças Armadas condiz com o plano do presidente Jair Bolsonaro de fazer uma auditoria privada no sistema de votação eletrônica, a pedido de Partido Liberal, nas fases de votação, apuração e totalização dos resultados.
Num ofício enviado ao presidente do TSE, Edson Fachin, no último dia 10 de junho, o ministro da Defesa afirmou que a proposta tem o sentido de “incentivar-se a realização de auditoria por outras entidades, principalmente por partidos políticos”.
Ele citou o artigo da lei eleitoral que dá às legendas permissão para “constituir sistema próprio” de fiscalização, inclusive com auxílio de empresas de auditoria de sistemas, que, credenciadas junto à Justiça Eleitoral, podem receber, previamente, programas de computador e dados do sistema oficial de apuração e totalização dos votos.
“A atuação de empresa especializada de auditoria, contratada por partido político, nos termos da lei eleitoral, completaria um rol de medidas aptas a aumentar a transparência do processo, caracterizando melhor a separação de responsabilidades entre auditor e auditado, além do perfeito alinhamento com as finalidades da CTE”, diz o ofício enviado pela Defesa ao TSE.
Ministro da Defesa nega protagonismo e papel revisor das Forças Armadas nas eleições
Durante a sessão desta quinta, o ministro da Defesa ainda negou uma suposta intenção das Forças Armadas de revisar os resultados da eleição de outubro e de exercer protagonismo no pleito. Era uma resposta ao diretor da Transparência Internacional no Brasil, Michael Mohallem, que, durante a audiência, disse que os militares não têm essas atribuições.
Nogueira disse que as Forças Armadas querem colaborar para o aprimoramento do sistema, porque foram convidadas pelo TSE para fiscalizar as eleições.
“Não queremos protagonismo. Em absoluto, jamais, em tempo algum, seremos revisores de eleições. Tudo que temos feito é seguindo rigorosamente as resoluções do TSE. Talvez pelas Forças Armadas terem se engajado de forma mais forte nesse processo, dá impressão que a gente é protagonista. O protagonista é o TSE, é o povo brasileiro, é a transparência e a segurança que a gente tanto quer”, disse o ministro da Defesa, respondendo a Mohallem.
O que o TSE já disse sobre as três propostas das Forças Armadas
As três propostas das Forças Armadas já foram, ao menos parcialmente, analisadas e rejeitadas pelo TSE. No último dia 20 de junho, durante uma reunião com outras entidades fiscalizadoras das eleições, técnicos do tribunal afirmaram que a primeira proposta, relacionada ao Teste de Integridade, será analisada nas próximas eleições.
Anteriormente, em maio, o tribunal já havia divulgado resposta a essa sugestão. Afirmou “nenhuma eleição ocorre com identificação biométrica de 100% dos eleitores que compareceram à votação”, seja porque alguns eleitores não têm membros superiores, seja porque nem todos cadastraram suas digitais na Justiça Eleitoral.
Afirmou ainda que “o código-fonte referente à identificação biométrica é módulo bem estruturado e documentado de código, que pode ser inspecionado pelas entidades fiscalizadoras, considerando que as diversas oportunidades de auditoria (nesse cenário, a inspeção dos códigos-fontes e o teste de integridade) são, como premissa do processo eleitoral, complementares”.
Em relação à proposta de realizar o Teste Público de Segurança (TPS) nas urnas do modelo mais recente, de 2020, o TSE considera que trata-se de uma “sugestão parcialmente acolhida”. O tribunal diz que, como as urnas serão lacradas na última semana de agosto, possibilitará que o código-fonte dessas urnas seja analisado por instituições fiscalizadoras.
Por fim, em relação à efetiva fiscalização e auditoria, por empresas contratadas por partidos, o TSE diz que é uma “sugestão acolhida”. “A atuação de empresa especializada contratada por partido político, nas etapas de verificação e auditoria previstas nos normativos que definem o processo eleitoral, é possível, observados os prazos e limites legais”, diz a resposta do TSE.
Críticas dos parlamentares aos ministros do TSE
Durante toda a sessão, que durou cinco horas, vários parlamentares fizeram duras críticas aos ministros do TSE, principalmente pela atuação junto ao Congresso, no ano passado, contra a aprovação do voto impresso. Eduardo Girão acusou o ex-presidente da Corte Eleitoral, Luís Roberto Barroso, de ingerência no Legislativo durante a discussão da proposta. O senador também lamentou que os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, presidente e vice do TSE, não tenham comparecido à sessão, apesar de convidados.
Os deputados Filipe Barros (PL-PR), Paulo Eduardo Martins (PL-PR) e Bia Kicis (PL-DF) disseram que os ministros convenceram líderes e presidentes de partidos a trocar deputados que faziam parte da comissão especial por outros que votassem de forma contrária à proposta.
“A PEC foi rejeitada na Câmara por interferência não das Forças Armadas, mas por interferência dos ministros do TSE, que saíram do tribunal e foram para dentro da Câmara, convencer lideranças partidárias e presidentes de partidos mudarem integrantes da comissão especial para que a PEC fosse rejeitada. Não compete ao TSE esse tipo de interferência no processo legislativo, diferente daquilo que acontece com as Forças Armadas, que foram convidadas a participar desse debate pelo próprio TSE”, disse Filipe Barros.
Bia Kicis citou pesquisas que mostram que boa parte dos eleitores não confia nas urnas eletrônicas. “O TSE erra ao se colocar como o destinatário do processo eleitoral. Ele não é destinatário, ele é servidor. Todos os agentes, seja ministro, seja servidor público, são servidores, têm que servir à população. Então, se temos uma população que não acredita no sistema, a função deles seria vir, explicar, esclarecer, ouvir quais são as dúvidas e sempre implementar melhora no sistema”, disse a deputada.
Paulo Eduardo Martins criticou os ministros por, segundo ele, desconsiderarem a desconfiança das pessoas nas urnas eletrônicas. “Me assusta a insensibilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal, pessoas juridicamente cultas, e dos membros do Tribunal Superior Eleitoral ao desconsiderarem este ponto essencial da manutenção de uma democracia saudável, que é a confiança das pessoas e a legitimidade. Isso é bizarro, realmente assustador! E tentam sufocar o debate em vez de esclarecer os pontos e estabelecer essa confiança e, consequentemente, a legitimidade. O caminho está completamente invertido. É um mau caminho para a nossa democracia.”
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