A recente moderação em declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) é consequência de uma orientação de conselheiros políticos. A ideia é mostrar um lado de Bolsonaro que, segundo aliados, não costuma aparecer na imprensa. E, com isso, o objetivo é ampliar a base eleitoral por meio da conquista de votos dos indecisos e de eleitores que hoje preferem nomes da terceira via.
A mudança de tom ficou evidente durante a participação de Bolsonaro num podcast na segunda-feira (12). Ele disse se arrepender ao ter afirmado, sobre as mortes por Covid-19, que não era "coveiro". A declaração foi dada durante o auge da pandemia. Bolsonaro disse que mudou: “Eu sou o chefe da nação, sei disso. Lamento o que eu falei; não falaria de novo. Você pode ver que, de um ano para cá, meu comportamento mudou. Minha cadeira é um aprendizado”.
No mesmo podcast, o presidente também disse que, se perder a eleição, vai entregar o cargo a quem vencer e que irá se "recolher". A declaração contrasta com outras ocasiões em que ele afirmou que só entregaria o cargo se as eleições forem limpas – o presidente costumava levantar dúvidas sobre as urnas eletrônicas.
O tom mais moderado não tem se restringido ao presidente. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), repudiou a conduta do deputado estadual de São Paulo Douglas Garcia (Republicanos), que constrangeu nesta semana a jornalista Vera Magalhães durante um debate entre candidatos ao governo do estado. O ex-ministro e candidato apoiado por Bolsonaro ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também condenou a atitude de Garcia.
Apesar disso, o problema para o presidente Bolsonaro é que, durante o debate da TV Band, ele próprio já havia criticado a mesma jornalista – o que foi interpretado por parte dos eleitores como um ataque à imprensa e às mulheres. O núcleo político de Bolsonaro entendeu que o presidente excedeu no tom ao responder uma pergunta feita por Vera Magalhães no debate, e que isso pode deixar em segundo plano os benefícios que o governo Bolsonaro concedeu às mulheres.
Por isso, os conselheiros do presidente vêm reforçando ao longo das últimas semanas as recomendações para que ele modere o discurso em busca de mais votos. A percepção da campanha é que a base mais ideológica de Bolsonaro já está consolidada, principalmente após as manifestações de 7 de setembro. Porém, coordenadores eleitorais avaliam que o presidente ainda patina ao tentar obter votos de eleitores "mediano" e de "centro" – que é mais impactado por discursos pragmáticos e moderados do que por falas mais ideológicas e duras.
Os aconselhamentos por moderação são feitos desde a pandemia por caciques políticos que se aliaram ao governo. E, durante a campanha, as sugestões foram ampliadas. Interlocutores do núcleo político afirmam que os estrategistas eleitorais recomendaram a adoção de tons e falas que demonstrem sensibilidade e empatia.
Embora os discursos de Bolsonaro costumam ser espontâneos e não combinados com os estrategistas e profissionais de marketing político, a campanha entende que falas como o arrependimento por ter dito não ser "coveiro" mostram que o presidente está disposto a suavizar algumas declarações para contemplar o eleitor de centro.
A mesma lógica se aplica em relação à fala de Bolsonaro sobre "passar a faixa" caso não seja reeleito. No núcleo de campanha do presidente, a avaliação é de que comentários sobre a suspeição das urnas eletrônicas consolidam votos dos eleitores mais ideológicos, mas não surtem efeito entre os mais moderados.
Quais os desafios da moderação do discurso de Bolsonaro
Apesar da disposição de Bolsonaro em moderar o tom em alguns de seus pronunciamentos, a campanha admite que é um desafio evitar que outros discursos, maus incisivos, possam afetar a ideia de moderação.
Em comício em Presidente Prudente (SP), na quarta-feira (14), por exemplo, Bolsonaro disse que defende o "funcionamento de todas as instituições", mas falou em "trazer essa minoria que pensa que pode tudo para dentro das quatro linhas da nossa Constituição", numa crítica indireta a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nós defendemos o funcionamento de todas as instituições, mas aqueles que ousam sair fora das quatro linhas, não interessa de qual Poder seja, tem que ser trazido para dentro das quatro linhas. O Brasil não aceita ditadores. O Brasil luta e vai ter liberdade a qualquer preço", afirmou Bolsonaro. "Esperem acabar as eleições. Todos jogarão dentro das quatro linhas da Constituição."
No mesmo discurso de Presidente Prudente, Bosonaro disse ainda que defende policiais, militares, a família, a "liberdade do povo" e a "legítima defesa". Na sequência, se manifestou contrário a "desarmar o seu povo".
Estrategistas da campanha admitem que, embora a pauta sobre armamento e contra decisões do STF seja uma bandeira de Bolsonaro, elas impõem dificuldades em buscar o voto dos eleitores mais ao centro.
Outro aspecto que impõe desafios à campanha é o tom e a comunicação usada em relação às mulheres não apenas por Bolsonaro, mas também por aliados. Um exemplo disso foi o caso do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos-SP) em relação à jornalista Vera Magalhães.
Interlocutores do núcleo político de Bolsonaro reconhecem que o episódio causou mal estar na base política e que as manifestações de repúdio foram necessárias para evitar que o caso respingasse sobre a candidatura presidencial.
O que aliados acham da moderação no tom usada por Bolsonaro
A moderação demonstrada por Bolsonaro é bem avaliada pelo deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara. Para ele, é "evidente" que ajuda a campanha de reeleição. "Reconhecer um erro é um grande acerto", diz o parlamentar ao citar o arrependimento do presidente sobre ter dito que não era "coveiro" durante a pandemia.
O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), vice-líder do governo na Câmara, também entende que a moderação de Bolsonaro ajuda sua candidatura. Para ele, ficou no subconsciente da população que não é "apaixonada" pelo presidente a impressão de que, de alguma forma, ele foi "frio" na condução de enfrentamento da pandemia quando abordava a dor de pessoas que perderam familiares.
Otoni de Paula lembra que Bolsonaro teve muitos pontos positivos na pandemia, como a compra de vacinas e a distribuição de recursos para estados e municípios. Mas ele admite que isso ficou obscurecido por declarações que foram interpretadas como falta de empatia com a dor de outras pessoas.
O deputado entende que o arrependimento do presidente pode ajudá-lo a convencer eleitores e diz que a campanha poderia trabalhar a fala como uma estratégia em uma propaganda eleitoral. "Eu acho que eles deveriam aproveitar esse momento do presidente, que fez essa mea culpa, para de alguma forma tratar isso olhando nos olhos da nação. E mostrar que, na verdade, ele sempre esteve preocupado, mas que, por conta da sua formação militar, ele sempre se comportou diante da vida como um estado de guerra", diz.
O vice-líder do governo acredita, porém, que a fala sobre a pandemia foi espontânea e não segue nenhuma estratégia de campanha. "Eu acho que ele acabou manifestando ali um sentimento que eu chamaria de 'cansaço do guerreiro'. Você não consegue ficar lutando no mesmo tom o tempo todo. Tem hora que você faz um desabafo e tem hora que você mostra um pouco da sua humanidade", avalia.
A mesma análise de Otoni é atribuída ao comentário de Bolsonaro sobre "entregar a faixa". "Não vi estratégia nenhuma da equipe de marketing nesses comentários. Em momento algum ele também manifesta algum sentimento de que acha que vai perder. Apenas manifestou o democrata que é, e afastou qualquer sentimento de golpe – algo que não cabe, nem fará parte de seu currículo", diz o deputado.
Quais as chances do tom moderado gerar votos à campanha presidencial
O cientista político Cristiano Noronha, sócio e vice-presidente da consultoria Arko Advice, diz que o tom mais moderado de Bolsonaro faz parte de uma "calibragem" natural e até prevista da campanha.
"É perfeitamente normal ao longo da campanha os candidatos fazerem ajustes em determinadas mensagens e em determinados comportamentos quando se percebe que precisa ganhar espaço", diz Noronha. "O pessoal do Centrão [grupo político que apoia Bolsonaro], por exemplo, já havia recomendado que o presidente adotasse uma postura mais cautelosa. Inclusive, houve a recomendação de que no 7 de setembro ele fizesse um discurso mais ameno e moderado."
Noronha entende que seja possível Bolsonaro, de fato, conquistar votos com essa moderação. Porém, ele demonstra dúvidas sobre o alcance disso: "Sem dúvida nenhuma pode ajudar. E, numa campanha tão polarizada, qualquer ponto extra e voto adicional conquistado faz a diferença. Mas não sei se necessariamente na intensidade ou na velocidade com que ele precisa para eventualmente reverter a decisão [de votos]".
O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e sustentabilidade da BMJ Consultores, concorda que exista uma estratégia para conquistar votos de indecisos, principalmente entre as mulheres. Mas ele avalia que a moderação no tom usado por Bolsonaro ocorre tardiamente.
"Fazer moderação no discurso e usar um tom mais institucional é positivo para atrair mais eleitores, mas chega tarde. Estamos a menos de 20 dias [do primeiro turno das eleições]. É um tempo pequeno para que esse tipo de mensagem chegue para toda a população e que as pessoas já precifiquem isso e levem em conta na decisão do voto", diz Fernandes.
Outro ponto observado pelo analista é que, muitas vezes, falta continuidade no tom mais moderado empregado por Bolsonaro em seus comentários, a exemplo de falas críticas contra a segurança do sistema eleitoral. "Temos visto nesses episódios que essas reações de tentar segurar o tom são episódicas, nunca se mantêm por muito tempo", diz ele. "Vai seguir nesse morde e assopra. Tem um esforço da campanha claro em moderar o discurso do presidente, mas ele é um pouco arredio a esses conselhos e, principalmente no calor do momento, ele não mantém. Então, é um problema, a população já precifica isso também. Ora vai para o debate mais acalorado, ora é um discurso mais moderado."
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