O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta em um discurso de pacificação do país como forma de se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Para isso, minimiza declarações do passado nos quais ele e membros do PT pregavam a divisão do "nós contra eles". Nessa estratégia, não apenas os adversários políticos eram estereotipados negativamente, mas também determinados segmentos sociais. E, em algumas dessas declarações, havia incentivo a comportamentos que poderiam levar à violência.
Ao ser sabatinado pelo Jornal Nacional da TV Globo, Lula foi questionado sobre os discursos que dividiam o país. O ex-presidente minimizou, com uma metáfora do futebol: "Você já foi em um jogo de futebol? Você torce para algum time? Já foi junto com outros companheiros? É nós e eles. A torcida do Vasco é nós, e a do Flamengo é eles", disse o petista. "Política é exatamente assim. Você tem divergência, você briga, você diverge, você tem divergência programática. Mas você não é inimigo", disse.
Para Lula, a polarização é saudável e é diferente de "estímulo ao ódio". "Feliz era o Brasil e a democracia brasileira quando a polarização nesse país era entre PT e PSDB. A gente era adversário político, a gente trocava farpas, mas a gente se encontrava num restaurante e eu não tinha nenhum problema de tomar uma cerveja com o Fernando Henrique Cardoso, com o José Serra ou com o Alckmin. Porque a gente não se tratava como inimigo. A gente se tratava como adversário", completou Lula na entrevista ao JN.
Apesar disso, durante anos o partido do ex-presidente alimentou uma forte polarização entre direita e esquerda, que inclusive resultou em episódios de violência entre militantes dos dois grupos.
Confira 10 vezes em que Lula e PT adotaram um discurso de divisão da sociedade e de incentivo a comportamentos que podem levar a ações violentas:
1. Lula disse que elite brasileira é "escravista" e criticou classe média
Na pré-campanha de 2022, Lula disse que a elite brasileira é escravista e criticou a classe média por ostentar um "padrão de vida acima do necessário". "A elite brasileira é escravista. Ela pode ser avançada em um debate em Nova York, visitando Paris. Mas aqui no Brasil a mentalidade dela é escravista. E nós temos que ter coragem de dizer isso", afirmou o petista.
No mesmo evento, Lula disse ainda que o Brasil ainda é um país em construção e que ele só "está pronto para 10% da população". Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui, na América Latina, a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário", completou.
2. Petista sobre banqueiros: "na cabeça dessa gente, não existe pobreza"
Também no período da pré-campanha deste ano, Lula criticou os banqueiros, atribuindo a eles uma completa insensibilidade social. A declaração foi feita em entrevista à rádio Metrópole, de Salvador (BA).
"Eu tenho feito reuniões, vários jantares com empresários, e eu faço porque eu gosto de discutir abertamente. É o seguinte: na cabeça dessa gente, não existe pobreza. Não existe fome, não existe gente dormindo na rua, na sarjeta, não tem criança morrendo de desnutrição. Essa gente só fala em teto de gasto, em política fiscal, ou seja, eles não falam em política social, em distribuição de renda, em distribuição de riqueza", disse.
3. Lula incentivou militantes a "mapear" endereço de deputados
Em 2022, Lula também sugeriu aos integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que em vez de ir a Brasília fazer atos públicos, os trabalhadores e movimentos sindicais deveriam "mapear" o endereço de cada deputado e comparecer na porta de sua casa, com um grupo de 50 pessoas, para "incomodar" a sua "tranquilidade".
De acordo com Lula, era preciso ensinar a sociedade a cobrar os deputados e também mudar o jeito de exercer pressão. Para ele, "fazer ato público na frente do Congresso Nacional não move uma pestana de um deputado".
4. Ex-presidente desmerece o PSDB: "partido acabou"
Em 2022, Lula desmereceu o PSDB, adversário histórico do PT: "Agora quem acabou foi o PSDB". Para rebater o petista, a Executiva dos tucanos afirmou que o "PT passou anos dividindo o país". "Não adianta querer reescrever a história. Foram anos de PT, Lula e Dilma semeando o ódio, perseguindo adversários, dividindo a sociedade e montando uma máquina de mentiras (hoje chamadas de fake news)”.
5. Lula batizou estratégia do "nós contra eles" para separar esquerda da direita
Ao final do seu segundo mandato como presidente, em 2009, Lula afirmou que as eleições do ano seguinte seriam do "nós contra eles". A estratégia visava a dividir os eleitores de esquerda e de direta. À época, o petista ainda avaliava apoiar as pré-candidatura de Dilma Rouseff (PT) e do então deputado pelo PSB Ciro Gomes.
"Eu gostaria, e o momento vai dizer se vai ser possível ou não, que todos nós [da esquerda] tivéssemos apenas um candidato, que fizéssemos uma eleição plebiscitária, ou seja, nós contra eles, pão pão, queijo queijo. Se não for possível, paciência", disse Lula durante entrevista em Pernambuco.
6. Ex-presidente disse que partido adversário tinha de ser "extirpado"
Em 2010, quando Dilma Rousseff já tinha sido escolhida como candidata do PT à Presidência, Lula defendeu "extirpar" o DEM (atual União Brasil) da política brasileira. "Eu não quero crer que esse povo extraordinário de Santa Catarina vá pensar em colocar no governo alguém de um partido que alimenta ódio (...). Quando Luiz Henrique [candidato ao governo catarinense] foi eleito pensei que ele ia mudar. Mas ele trouxe de volta o DEM, que nós precisamos extirpar da política brasileira", disse o Lula.
Então presidente do DEM, Rodrigo Maia, disse que as declarações de Lula denotavam "desequilíbrio" do presidente. Além disso, afirmou que Lula "se aproveita de sua popularidade para agredir, tentar pisar em seus adversários".
7. Em 2014, discurso do "nós contra eles" voltou
Na campanha eleitoral de 2014, quando Dilma tentava a sua reeleição, o PT voltou a investir no discurso do "nós contra eles" para rebater as críticas que a petista vinha enfrentando. A petista vinha sofrendo com os desgastes de manifestações de rua e da crise econômica que o país enfrentava naquele momento.
"Ela [Dilma] vai ter que enfrentar uma oposição esquizofrênica, que perdeu as últimas eleições achando que ganharia", avaliou o então vice-presidente do Senado, Jorge Viana (AC).
8. Após impeachment, petista classificou a direita que crescia como "raivosa"
Em 2016, durante uma agenda em Belo Horizonte, Lula afirmou que "quando os jovens rejeitavam a política, a direita raivosa crescia". "Quando as pessoas começam a rejeitar a política não é a esquerda que cresce, é a direita. E não é a direita civilizada. É a direita raivosa", disse o petista. Àquela época, Dilma tinha sofrido impeachment havia pouco tempo. E o PT classificava o governo Temer como "golpista" e de direita.
9. Lula responsabilizou "brancos de olhos azuis" por crise econômica mundial
Em 2009, ao lado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, o então presidente Lula criticou os países ricos pela crise econômica mundial. Ele disse que os problemas financeiros mundiais foram causados por "gente branca de olhos azuis".
À época, um jornalista da BBC News perguntou ao presidente se as declarações não continham um viés ideológico. No entanto, Lula manteve sua posição, argumentando que não conhecia "nenhum banqueiro negro". "A crise foi causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes pareciam saber de tudo, e, agora, demonstram não saber de nada", disse o petista.
10. Presidente do PT afirmou que "para prender Lula vai ter que matar gente"
Em um episódio ocorrido durante 2018, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que "para prender o Lula seria preciso matar muita gente". À época, o ex-presidente aguardava o julgamento em segunda instância de seu processo do tríplex do Guarujá no âmbito da Lava Jato.
"Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente. Mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar", afirmou Gleisi ao site Poder360.
Ainda durante a entrevista, Hoffmann afirmou que, se a sentença do então juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Federal em Curitiba, fosse confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), significaria que “eles [os juízes] desceram para o ‘play’ da política. "No ‘play’ da política nós vamos jogar (…) E vamos jogar pesado”, completou.
Naquele ano, os desembargadores da segunda instância referendaram a condenação de Lula e decidiram ainda aumentar a pena para 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O petista ficou cerca de 500 dias preso em Curitiba. No entanto, em 2021 Lula teve a condenação anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois que a 13.ª Vara de Curitiba foi considerada incompetente para julgar o caso.
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