O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou nesta terça-feira (21) um novo plano com diretrizes de governo caso ele se eleja em outubro. O documento traz mudanças em relação à versão que vazou à imprensa no começo do mês. O trecho do plano anterior que falava em "revogar" a reforma trabalhista foi amenizado. O PT e os partidos aliados também incluíram a proposta de valorizar os policiais (isso não aparecia na primeira versão). E o novo texto excluiu o trecho que falava que o Estado tem de garantir às mulheres "direitos sexuais e reprodutivos". A expressão "direitos sexuais e reprodutivos" costuma ser usada como uma referência indireta à defesa do aborto.
Apesar dos recuos, alguns pontos polêmicos foram mantidos. Um deles é a revogação do teto de gastos – medida que é vista pelo mercado com forte reserva. O novo plano também traz outro ponto questionado por especialistas: o fim da política de paridade internacional dos preços dos combustíveis aplicados pela Petrobras. Muitos especialistas alertam que isso pode diminuir a competitividade da estatal, reduzir a capacidade de investimento e levar a prejuízos. Outro ponto polêmico é a regulamentação da mídia, medida que muitos acreditam que pode cercear a liberdade de expressão e de imprensa. A regulamentação já aparecia na primeira versão do plano do PT.
Mudanças no plano de governo de Lula vieram após pressão de aliados
As mudanças no plano ocorreram após descontentamento e pressão de aliados em relação à primeira versão lançada pelo PT. Os recuos também são acenos a segmentos sociais que hoje estão afastados de Lula.
A alteração em relação à reforma trabalhista foi uma sinalização positiva ao empresariado e ao mercado financeiro. Agora, o documento fala apenas de "marcos regressivos da atual legislação trabalhista" – ou seja, o PT pretende rever pontos da reforma aprovada no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Em paralelo, serão abertas mesas de diálogo com entidades, entre elas representantes do mercado, para uma eventual negociação de propostas da revisão da reforma trabalhista.
Já a inclusão de políticas para os policiais tenta atrair uma categoria que tende a apoiar o presidente Jair Bolsonaro (PL). E a exclusão da referência indireta ao aborto atende ao eleitor conservador, outro grupo identificado com Bolsonaro.
Além de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), indicado como vice na chapa petista, também participou da apresentação do novo documento. Alckmin tem buscado dialogar justamente com setores da sociedade que têm resistências a Lula.
O novo texto, porém, ainda não é definitivo. Ele vai ficar aberto para a contribuição de propostas de setores populares. O PT lançou uma plataforma para recolher sugestões que serão analisadas pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, para serem incorporadas na versão final do plano de governo.
"Estamos em um processo de reconstrução do país. Qualquer construção começa com um bom alicerce. Esse plano que apresentamos hoje é um alicerce, mas nosso programa vamos construir ouvindo as pessoas. E executando essa política se ganharmos as eleições", disse Lula. Além do PT, assinam o novo plano os integrantes dos PSB, Psol, Rede, PCdoB, PV e Solidariedade. O texto tem, ao todo, 117 diretrizes – 27 a mais do que o primeiro documento.
Plano de Lula propõe debate para negociar revisão da reforma trabalhista
Na busca de recomposição com o mercado empresarial, o PT indica que uma proposta de revisão da reforma trabalhista só será enviada ao Congresso após negociação entre governo, empresários, trabalhadores e sindicatos.
Na avaliação de aliados de Lula, o novo texto deixa claro o que o ex-presidente defende para a classe trabalhadora. "O novo governo irá propor, a partir de um amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social e trabalhista a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho [...], revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e reestabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho", diz o novo documento.
Além da revisão da reforma trabalhista, o plano de diretrizes prevê também mudanças na reforma da Previdência, aprovada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). "Buscaremos um modelo previdenciário que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável. A proteção previdenciária voltará a ser um direito de todos e de todas. Frente aos milhares de trabalhadores e trabalhadoras hoje excluídos, o desenvolvimento econômico, a geração de empregos e a inclusão previdenciária serão centrais para a sustentabilidade financeira do regime geral de previdência social", diz o texto.
Revogação do teto de gastos e rejeição às privatizações foram mantidas
Na área de economia, o novo plano de governo segue referendando a revogação do teto de gastos e a realização de uma reforma tributária "solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais".
Demanda de Alckmin, a proposta inclui ainda uma referência ao "fortalecimento da competitividade" através da desburocratização e da reindustrialização do país. "É preciso fortalecer e modernizar a estrutura produtiva por meio da reindustrialização, do fortalecimento da produção agropecuária e do estímulo a setores e projetos inovadores", diz o texto.
Os posicionamentos contra as privatizações da Eletrobras e da Petrobras e foram mantidos, mas a parte do texto que citava que a petrolífera seria "colocada de novo a serviço do povo brasileiro e não dos grandes acionistas estrangeiros" foi suprimida.
Na área social, o plano de diretrizes propõe ainda a retomada do Bolsa Família, programa social criado pelo do PT e rebatizado de Auxílio Brasil pelo governo Bolsonaro. "Um Bolsa Família renovado e ampliado precisa ser implantado com urgência para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população", diz o texto.
Plano de Lula faz aceno aos policiais e agentes de segurança pública
A nova prévia do plano de governo traz ainda um aceno aos policiais e agentes da área de segurança pública. No primeiro documento, o PT previa apenas “uma segurança pública cidadã para a proteção da vida”, sem citar o que pretendia para os polciais.
Agora, o documento prevê o aprimoramento do Sistema Único de Segurança Pública, com a modernização das instituições ligadas ao setor, a valorização das carreiras policiais e a reformulação dos processos de seleção e capacitação. Também estão previstas mudanças na atual política sobre drogas, com foco na redução de riscos, prevenção, tratamento e assistência ao usuário.
"A valorização do profissional de segurança pública será um princípio orientador de todas as políticas públicas da área. Serão implementados canais de escuta e diálogo com os profissionais, programas de atenção biopsicossocial, e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades", diz um dos trechos.
O texto propõe ainda uma nova política sobre drogas intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário. "O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência", diz o texto.
Como era a referência ao aborto na 1.ª versão e como ficou agora
A primeira prévia do plano de governo de Lula falava de forma indireta que o Estado deveria garantir o aborto, no trecho em que tratava das políticas para mulheres. “O Estado deve coordenar uma política pública de cuidados e assegurar às mulheres o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”, dizia o texto. Como já mostrou a Gazeta do Povo, a expressão “direitos sexuais e reprodutivos” costuma ser entendida como uma defesa do aborto.
O novo plano de governo exluiu esse trecho. A nova versão traz políticas para as mulheres menos polêmicas "Devemos enfrentar a realidade que faz a pobreza ter o 'rosto das mulheres', principalmente 'das negras', lhes assegurando a autonomia. Investiremos em programas para proteger vítimas, seus filhos e filhas, e assegurar que não haja a impunidade de agressões e feminicídios. Com políticas de saúde integral, vamos fortalecer no SUS as condições para que todas as mulheres tenham acesso à prevenção de doenças e que sejam atendidas segundo as particularidades de cada fase de suas vidas", diz o novo documento.
Fim da política de paridade internacional da Petrobras
Em meio ao debate sobre os preços dos combustíveis, o plano de diretrizes apresentado por Lula prevê o fim da Política de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras. Por estar vinculado ao sistema internacional, a variação do dólar e do barril de petróleo tem influência direta no cálculo do ´preço dos combustíveis da Petrobras.
O novo documento do PT traz uma crítica direta à gestão de Bolsonaro. "O atual governo renunciou ao uso de instrumentos importantes no combate à inflação, a começar pela política de preços de combustíveis", escreve.
Durante a apresentação do documento, o ex-presidente Lula criticou o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. "Nós não temos uma governança normal nesse país. Essa CPI da Petrobras é uma absurdo. Bolsonaro todo o dia quer jogar a responsabilidade da sua incapacidade em cima dos outros", disse.
Regulamentação da mídia foi mantida pelo PT
Prevista na primeira versão do plano de governo do PT, a chamada "democratização de meios de comunicação" foi mantida na nova versão do documento. A expressão é vista como uma forma de defender a regulamentação da mídia, já proposta por Lula em diversas ocasiões. E muitos críticos do PT afirmam que já existem leis que regulam a mídia, e que uma nova lei pode abrir brecha para cercear a liberdade de expressão e de imprensa no país.
"A liberdade de expressão não pode ser um privilégio de alguns setores, mas um direito de todos, dentro dos marcos legais previstos na Constituição, que até hoje não foram regulamentados. Esse tema demanda um amplo debate no Legislativo, garantindo a regulamentação dos mecanismos protetores da pluralidade, da diversidade, com a defesa da democratização do acesso aos meios de comunicação", diz o documento.
Recentemente, durante entrevista à rádio Itatiaia, Lula abordou o tema. "Precisamos ter consciência de que é preciso regular, mas quem vai regular é o povo, não eu. Isso vai ter que ser um debate que você vai participar, vão participar os caras da Globo, vão participar os caras da Record", disse o petista.
Fortalecimento do Real e do Mercosul
De acordo com o novo plano de diretrizes do PT, o fortalecimento do Real será uma forma de amenizar os impactos inflacionários de mudanças no cenário externo. "A orientação passiva para a política cambial dos últimos anos acentuou a volatilidade da moeda brasileira em relação ao dólar com consequências perversas para o índice de preços".
Paralelamente, o documento prevê o fortalecimento dos blocos internacionais, com foco no regional. "Fortalecer novamente o Mercosul [Mercado Comum do Sul], a Unasul [União de Nações Sul-Americanas], a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e os BRICS e estabelecer livremente as parcerias que forem melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja."
Amazônia e defesa dos povos indígenas ganham destaque no plano de governo
O novo plano de governo apresentado pela campanha de Lula deu mais destaque para a preservação ambiental do que o anterior. Entre as novas promessas, a campanha pretende reduzir a zero o desmatamento da Amazônia.
"Combateremos o crime ambiental promovido por milícias, grileiros, madeireiros e qualquer organização econômica que aja ao arrepio da lei. Nosso compromisso é com o combate implacável ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero, ou seja, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento dos biomas", afirma o documento.
O novo documento traz ainda a promessa de fortalecimento dos órgãos de fiscalização ambiental e de proteção aos povos indígenas. No plano de diretrizes anterior, não havia menções à Fundação Nacional do Índio (Funai).
"Vamos combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico. Para isso, será necessário recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. Reafirmamos o nosso compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas por práticas recorrentes de assédio moral e institucional", diz o documento.
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