Os dois candidatos à Presidência que passaram ao segundo turno, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já lançaram uma série de novas promessas para o eleitorado. Se o orçamento da União já era insuficiente para comportar todos os gastos previstos para 2023, a questão agora é quais mudanças terão de ser feitas no regime fiscal para bancar todas as medidas prometidas, qualquer que seja o resultado das urnas no próximo dia 30.
Somente a manutenção do piso de R$ 600 do Auxílio Brasil, defendida por ambas as candidaturas, custará cerca de R$ 52,5 bilhões. Bolsonaro afirma que, se eleito, pagará um adicional de R$ 200 para beneficiários que conseguirem um emprego com carteira assinada e, agora, promete uma 13.ª parcela do benefício para famílias chefiadas por mulheres, o que elevaria a conta em mais R$ 10 bilhões.
O presidente também garante que fará a recomposição do orçamento do programa Farmácia Popular, que sofreu um corte de 60% nos recursos previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2023, passando de R$ 2,04 bilhões em 2022 para R$ 842 milhões na previsão para o ano que vem. Em outra frente, fez promessas que geram perda de arrecadação, como a desoneração da folha de pagamento do setor de saúde e a atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
Logo na primeira semana da campanha para o segundo turno, o governo de Bolsonaro ainda criou gastos já para este ano com medidas como a inclusão de mais 500 mil famílias no Auxílio Brasil e o pagamento de uma parcela extra do auxílio para taxistas. Em paralelo, um banco estatal, a Caixa, anunciou um programa de renegociação de dívidas com até 90% de desconto e a redução de juros para micro e pequenas empresas abertas em outubro.
Enquanto isso, o ex-presidente Lula, além da manutenção do valor do Auxílio Brasil, que deve retomar o nome Bolsa Família, promete, caso eleito, pagar um adicional de R$ 150 ao benefício para cada criança de até 6 anos, o que deve custar cerca de R$ 16 bilhões.
Também está entre os compromissos do candidato, desde a campanha do primeiro turno, retomada de programas como o PAC, o Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, aumento real do salário mínimo, reajuste maior para servidores públicos, ampliação de investimentos e atualização da tabela do IRPF com isenção para rendas de até R$ 5 mil.
Para receber o apoio de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), o petista ainda incorporou à sua campanha propostas como como o programa de renda mínima de R$ 1 mil, o fim da fila para cirurgias, consultas e exames no Sistema Único de Saúde (SUS) e uma poupança de R$ 5 mil para jovens de baixa renda que concluírem o ensino médio.
Só o programa de renda mínima – que unificaria Auxílio Brasil, Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e aposentadoria rural – tem um custo estimado em R$ 170 bilhões. No plano de Ciro Gomes, a ideia era custeá-lo com a criação de um imposto sobre grandes fortunas, mas o novo tributo é rejeitado por Lula.
“A gente discutia alguns meses atrás se o teto de gastos seria substituído. Agora a gente está discutindo o que é que vai entrar no lugar, ou qual mudança será feita no teto, porque damos dá como certo que como está não tem como”, diz Juliana Damasceno, economista sênior da Tendências Consultoria. “Principalmente depois da instituição desse valor do benefício de R$ 600, que foi o que sacramentou o fim do teto.”
Para ela, no entanto, o desajuste nas contas públicas não virá apenas no ano que vem e tampouco resulta somente das medidas adotadas pelo governo no período eleitoral. “A PEC dos Combustíveis, aprovada em julho e que virou a Emenda Constitucional 123, conseguiu passar por cima da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Constituição, do teto de gastos e da legislação eleitoral”, exemplifica.
“Estou falando desse contexto para entender que a fatura que a gente vai ter que bancar em 2023 em diante não é só do que foi contratado este ano. É uma conta que foi contratada por toda a má administração e falta de planejamento que a gente vê ao longo de todo o atual governo”, avalia.
A XP Investimentos prevê despesas superiores a R$ 140 bilhões acima do teto de gastos para 2023, o que exigirá uma revisão na âncora fiscal, além de gerar um déficit de R$ 91 bilhões para o governo central. Os economistas da instituição projetam que a relação dívida pública/PIB deve chegar a 78,9% ao fim de 2022, mas voltar a 82,7% em 2023.
“Em nossas simulações, após um ajuste inicial de nível em 2023, não haverá espaço para crescimento real da despesa nos próximos anos”, diz trecho de relatório da XP. “Segundo nossas estimativas, um crescimento superior a 0,9% além da inflação já gera um cenário em que a dívida pública não se estabiliza até o final desta década. Por outro lado, uma elevação de carga tributária para financiar maiores gastos pode ser contraproducente, tendo em vista os efeitos adversos sobre o crescimento econômico”. afirma o texto.
Tiago Sbardelotto, economista da XP, calcula que, caso haja crescimento das despesas em até 2% acima da inflação ao ano, a dívida pública pode chegar próximo de 100% do PIB em 2030. Em um cenário em que a correção dos gastos se dá pela inflação a partir de 2024, a dívida atingiria um pico pouco acima de 90% entre 2027 e 2028, cedendo a partir daí.
“É possível equilibrar a relação dívida/PIB, mesmo partindo de uma nova expansão de gastos em 2023? Entendemos que sim, mas dependerá de regras e gestores fiscais com credibilidade. Ainda assim, nossas contas indicam que, no melhor cenário, a dívida se equilibra a partir de 2026”, afirma.
Para Juliana, da Tendências, no entanto, mais importante do que buscar uma regra fiscal que permita aumento de despesas deveria ser eliminar gastos desnecessários e até prejudiciais à economia do país.
“A gente está procurando sempre uma regra que dê flexibilidade fora do teto, ou seja, que permita algum crescimento das despesas como um todo, esquecendo que quando fazemos isso, estamos perpetuando gastos que não fazem o menor sentido, dentre os quais eu destaco o orçamento secreto”, explica.
“Quando a gente tenta achar uma regra que permita a expansão das despesas por fora, sem olhar para dentro do orçamento, passamos a mensagem para o mercado, para a população e para o próprio Congresso, que o que está ali dentro merece estar ali dentro”, diz. “O governo, que adora se comparar as contas públicas ao orçamento familiar, deveria prezar pelo que as famílias fazem: antes de pegar um empréstimo, você encontra as despesas que consegue ou não cortar.”
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