Um Congresso mais conservador emergiu das urnas neste domingo (2). Na Câmara, partidos que costumam apoiar o governo do presidente Jair Bolsonaro – PL (99), União Brasil (59), PP (47), Republicanos (41), PSC (6), Patriota (4), Novo (3) e PTB (1) – elegeram 260 deputados (50,6% entre os 513) o que, em tese, garante maioria suficiente para aprovar projetos de lei comuns.
Já no Senado, uma coalizão semelhante – composta por PL (14), União (11), PP (6), Republicanos (3), PSC (1), e eventualmente ou em parte, Podemos (6) e PSDB (4) – daria a um eventual novo governo Bolsonaro 45 votos (55,5%), também suficiente para aprovar propostas ordinárias e abrir processos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Obviamente, o tamanho do apoio em cada Casa pode variar, para mais ou para menos, a depender da proposição que estiver em análise, dos interesses de bancadas estaduais ou temáticas, e também da capacidade de articulação da ala política do governo para negociar apoio e satisfazer demandas por cargos, verbas e influência desses parlamentares.
Ao lado disso, partidos que se comportam de maneira mais independente – às vezes a favor do governo, outras de forma contrária – alcançaram tamanho médio. Somados, MDB (42), PSD (42), PSDB (13), Podemos (12), Avante (7), Cidadania (5), Solidariedade (4) e Pros (3) perfazem 128 deputados (25% do total). No Senado, esses partidos – PSD (11), MDB (10), Pros (1), Cidadania (1) – alcançaram peso semelhante, com 23 senadores (28%).
Assim como deputados do Centrão, vários deputados desse segundo grupo podem votar com o governo, seja ele de Bolsonaro ou mesmo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Já a esquerda, no Congresso como um todo, saiu minoritária. Na Câmara, PT (68), PDT (17), PSB (14), Psol (12), PCdoB (6), PV (6) e Rede (2) somam 125 deputados (24%). No Senado, PT (9), PDT (3) e PSB (1) têm juntos 13 representantes (16% do total).
Para entender como essa nova composição, mais à direita, afeta a relação com os outros poderes, Executivo e Judiciário, e especialmente com o futuro presidente da República, a Gazeta do Povo ouviu um analista político e quatro políticos conservadores, sendo dois deputados federais reeleitos e dois novatos na Câmara.
Para o professor de ciência política do Ibmec de Minas Gerais Adriano Gianturco, a nova cara do Congresso indica um movimento maior à direita na sociedade – segundo ele, de crescimento orgânico de baixo para cima, e que ultrapassa o chamado “bolsonarismo”, de apoio irrestrito e personalista ao atual presidente –, e que está amadurecendo. Isso favorece um apoio maior no Legislativo à agenda de Bolsonaro, num eventual segundo mandato, mas não dispensa a articulação com o Centrão.
“Se o vitorioso for Bolsonaro, vai ser mais fácil governar, do que com o Congresso atual. Poderia até ter quórum para abrir um impeachment de ministro do STF. Não terá maioria, terá que compor com o Centrão. Se for Lula, vai ser mais difícil para ele. É possível que seu novo governo se assemelhe mais à gestão Dilma que seus dois primeiros mandatos. Claro que Lula é mais esperto que Dilma. Já governou duas vezes e sabe fazer política melhor. Mas os números não estão ao lado dele. Pode ocorrer um ‘ganhou, mas não levou’”, diz o professor.
O que conservadores esperam de um novo governo Bolsonaro
Uma das maiores aliadas de Bolsonaro na Câmara e reeleita com a maior votação no Distrito Federal, a deputada federal Bia Kicis diz que, com um Congresso mais à direita, Bolsonaro poderá até mesmo alcançar 300 votos na Casa. As prioridades do novo governo, segundo ela, devem ser “reformas que impactam diretamente na vida das pessoas: liberdade econômica, desburocratização, redução da carga tributária, reforma tributária, valorização da família, da mulher, segurança pública e legítima defesa.”
Independentemente do governo, ela diz que a bancada conservadora deve focar em reforma política e reforma do Judiciário, o que inclui mudar a forma de composição e manutenção dos ministros do STF – há várias propostas em discussão nessa área, que incluem aumentar o número de ministros, o que poderia dar maioria de indicados por Bolsonaro na Corte, a redução da idade de aposentadoria compulsória ou mesmo fixação de mandatos.
O avanço da agenda reformista, em caso de reeleição de Bolsonaro, é também defendido pelo deputado Pastor Marco Feliciano (PL-SP), outro aliado histórico do presidente e reeleito. “Acredito que o presidente Jair Bolsonaro irá focar esforços nas reformas tributária e administrativas que estão pendentes”, disse. Em relação às prioridades dos conservadores no próprio Legislativo, ele destaca temas que interessam à bancada evangélica, a qual integra. “Lutaremos para manter a liberdade de culto, independência da Igreja perante o Estado, e aprovar no Congresso projetos sociais que visem recuperar drogados para o convívio, como já vem sendo feita pelas comunidades terapêuticas mantidas por entidades religiosas a baixo custo.”
Eleito deputado federal, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP) diz que, num segundo mandato de Bolsonaro, a prioridade número um no Congresso deve ser aprovação das reformas administrativa e tributária. “E fazer isso logo no primeiro semestre, que são quando as coisas se viabilizam. Depois vai ficando cada vez mais difícil. São duas reformas que precisam ser feitas imediatamente.”
“Por outro lado, o Congresso deve se mobilizar, com essa frente conservadora que tem uma visão mais liberal na economia, para fazer o máximo de privatizações possível. O Brasil não aguenta mais estatais, e isso inclui Petrobras, Correios, toda as estatais, sem exceção, inclusive bancos públicos. Eu sou favorável que a gente faça privatização de absolutamente tudo.”
Questionado sobre uma eventual oposição do Centrão a uma agenda muito liberal, Salles diz que caberá ao governo montar uma equipe de articulação política habilidosa. “Pressupõe que o governo tenha nos órgãos ligados a isso, que são a Secretaria de Governo e a Casa Civil pessoas que tenham justamente essa habilidade, esse conhecimento da máquina pública e do ambiente do Congresso. Enfim, pessoas que sejam afeitas ao setor político”. Para Gianturco, a chance de aprovação das reformas depende da situação econômica. “Depende mais de questões pragmáticas que ideológicas. Se a economia andar bem, será mais fácil, se economia andar mal, fica mais complicado.”
Que papel um Congresso mais conservador teria num eventual governo Lula
Kicis, Feliciano e Salles estão confiantes que Bolsonaro vai ganhar de Lula no segundo turno. Mas, e se o petista vencer e passar a chefiar o Executivo, qual será o papel da bancada conservadora? Para Bia Kicis, será de “resistência e contenção de danos”.
É o que também prevê Feliciano. “Cerrar fileiras para impedir que sejam propostas mudanças nas pautas dos costumes, que sejam conflitantes com nossos valores judaico-cristãos, a favor da família tradicional, contra a famigerada ideologia de gênero, contra a descriminalização das drogas, contra a legalização do aborto fora do que já é previsto em lei”.
Salles diz que o grupo conservador que agora chegará à Câmara é mais maduro que aquele eleito pela primeira vez em 2018, no embalo da vitória de Bolsonaro. Segundo ele, os deputados eleitos de direita têm mais “consistência” no conteúdo, são mais preparados para debater e confrontar ideias ruins que venham de um eventual governo Lula.
“Você tem mais condições de demonstrar – mesmo que seja para um grupo fisiológico de centro que complemente o apoio à esquerda – que aquelas matérias são indesejáveis ou inviáveis, no todo ou em parte. Nem tudo é para rechaçar completamente, tem que considerar que há temas que comportam aprimoramento. Esse é um papel do grupo que foi eleito agora.”
Ele também considera que a nova direita na Câmara tem capacidade de mobilizar a opinião pública. “Manter a sociedade atenta, informada, mobilizada, em prol das boas políticas públicas é de fundamental importância para barrar um governo de esquerda, que vai propor coisa ruim”, diz Salles.
Eleito o deputado federal mais votado do país nestas eleições, com 1,49 milhão de votos, o vereador Nikolas Ferreira (PL-MG) concorda com o ex-ministro. “Agora tem mais vozes para poder ecoar no nosso país o conservadorismo, muito mais soldados para enfrentar o avanço da esquerda, com as pautas de aborto, legalização das drogas, ideologia de gênero”.
Ele prevê que, mesmo com Bolsonaro eleito, a esquerda tentará avançar nessas pautas e que cabe à bancada conservadora impedir. “Eu tenho certeza que a esquerda vai tentar ressuscitar algo nos mesmos moldes do PLC 122, com relação ao ativismo LGBT no Plano Nacional de Educação, no material escolar. Vão tentar impedir de qualquer jeito o homeschooling. Acredito que conservadores não somente propõem bons projetos, mas também travam os péssimos.”
Quanto ao ativismo judicial do STF, Salles e Nikolas demonstram cautela. Para o ex-ministro do Meio Ambiente, o perfil mais maduro dos parlamentares conservadores fará com que eles defendam melhor suas prerrogativas – como a imunidade parlamentar. “Tem pessoas mais preparadas, com mais bagagem, traz mais senioridade. Isso traz consequentemente mais poder de atuação para defender as prerrogativas parlamentares, em ambas as casas”.
Já Nikolas entende que não é possível mudar o Judiciário no curto prazo. “A gente tem que ir na origem, de onde são formados os ministros, ou seja, universidade. Então, não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. A gente tem que levantar novos juristas, pessoas que vão ocupar esse espaço. Mas, no âmbito do Congresso Nacional, a gente tem que jogar nas quatro linhas da Constituição. E confesso: é realmente difícil o que a Câmara pode fazer em relação aos mandos e desmandos do STF. Essa missão aí, eu acredito que esteja agora nas mãos do Senado.”
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