Após diversas tentativas frustradas de uma reforma tributária ampla nos últimos governos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz que, caso eleito este ano, pensa em trabalhar em uma tramitação “fatiada” de alterações no modelo de impostos do país. Sem entrar em detalhes, ele já declarou que quer tornar mais progressivo o sistema de tributação, de modo a satisfazer tanto empresários quanto consumidores, e que pode unificar tributos.
“Eu não sei se a gente tem que continuar falando em reforma tributária [ampla], que é uma coisa muito complexa”, disse, na última quinta-feira (28), durante evento da Confederação Nacional de Transportes (CNT). “Quem sabe a gente pega os pontos cruciais e, ponto por ponto, consiga fazer com que aconteça um modelo de tributação que a gente possa satisfazer tanto a quem produz quanto a quem consome”, sugeriu.
Um dia antes, em entrevista ao portal UOL, Lula disse que é possível adotar um modelo de imposto único sobre consumo, além de taxar lucros e dividendos. “Política tributária pode ser um IVA [imposto sobre valor agregado], pode ser alguma coisa em que a gente consiga diminuir a quantidade de impostos, que a gente diminua a burocratização, mas que a gente faça com que as pessoas paguem sobre lucros e dividendos”, disse.
Em abril, em encontro com as centrais sindicais, o petista já havia afirmado que é preciso que as classes mais altas recolham mais tributos do que os mais pobres. “Vamos ter que fazer uma reforma tributária que leve em conta que quem ganha mais tem que pagar mais. Uma reforma que não permita que a pessoa que viva com seu salário de 3, 4 mil reais, ao comprar um produto, pague o mesmo que paga o presidente de um banco”, disse.
Estudo recente conduzido por pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Samambaia Filantropia, mostrou que apenas 5% de quase 5 mil proposições legislativas relacionadas à questão tributária visaram tornar o regime mais progressivo.
Hoje há ao menos três propostas de emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso que versam sobre mudanças estruturais no modelo de tributação brasileiro – as PECs 45/2019, 110/2019 e 7/2020. Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), a reforma do sistema de impostos acabou não avançando durante o atual governo, principalmente em razão de uma disputa de interesses de governo federal, estados e municípios, setores da indústria e até mesmo entre Câmara e Senado.
Caso volte à Presidência, Lula pode aproveitar partes dos textos já em tramitação. “É um esforço que estamos fazendo. Ter um projeto completo, abrangente, de reforma tributária, mas construir uma estratégia de encaminhamento fatiado”, disse o coordenador do plano de governo do candidato petista, Aloizio Mercadante, à agência de notícias Reuters.
Para o candidato, uma nova proposta de política tributária tem mais chances de avançar se partir da discussão com os diversos segmentos envolvidos. “Não queremos negar ao empresário, ao banqueiro, ao comerciante, ao fazendeiro, o direito de falar. Mas eles têm que falar em uma mesa de negociação onde os trabalhadores estejam representados”, declarou, em abril.
A estratégia é a mesma adotada no segundo governo de Lula, que, no entanto, não prosperou. O próprio ex-presidente lembrou, durante o evento da CNT, a experiência. “Em abril de 2007, eu levei ao Congresso uma proposta de política tributária construída, primeiro, com todos os presidentes de federações de indústrias deste país; segundo, com todas as lideranças políticas do Congresso Nacional; e depois, com todos os partidos políticos, e mais com as centrais sindicais”, relatou. “E mais ainda, com 27 governadores de estado.”
“Quando eu levei a proposta de reforma tributária para o Congresso Nacional, eu achei que ia ser votada como aquelas votações de prestação de contas no sindicato: ‘quem é a favor fica como está, quem é contra, levanta a mão’. A verdade é que quando se escolheu o relator, que foi o [então deputado federal] Sandro Mabel [PL-GO, à época no MDB], a reforma tributária não andou, e até hoje não aconteceu nada.”
O que dizem as três PECs sobre reforma tributária em tramitação no Congresso
Desde a promulgação da Constituição de 1988, houve propostas de reforma tributária em praticamente todos os governos. Segundo a Câmara dos Deputados, somente três delas chegaram a ser aprovadas em comissão especial da Casa, mas nenhuma foi à votação em plenário: a PEC 175/1995, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB); a PEC 233/2008, no governo Lula; e a PEC 293/2004, no governo Michel Temer (MDB).
No primeiro ano do mandato de Bolsonaro, foram apresentadas paralelamente, na Câmara dos Deputados, a PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e, no Senado, a PEC 110, que teve à frente o senador Davi Alcolumbre (União-AP). Dessas, a segunda foi a que mais avançou, já tendo relatório favorável à admissibilidade, do senador Roberto Rocha (PSDB-PA), na CCJ do Senado.
Em linhas gerais, a proposta da PEC 110 é unificar tributos sobre consumo em um modelo de IVA “dual”, com um imposto de competência federal e um de responsabilidade de estados e municípios. No entanto, sob pressão de diversos setores da iniciativa privada, a votação do parecer vem sendo adiada desde o início do ano e não deve mais ocorrer em 2022.
Nenhuma das duas propostas é totalmente aceita pelo governo, que, no ano passado, preferiu encaminhar uma reforma “fatiada”, iniciando com alterações específicas no Imposto de Renda (PL 2.337/2021) e unificação dos tributos federais PIS e Cofins em um único imposto, a Contribuição sobre Bens e Serviços (PL 3.887/2020).
Com forte resistência de estados e municípios, o primeiro até chegou a ser aprovado na Câmara, mas está parado desde setembro de 2021 na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O segundo até hoje não teve sequer relatório apresentado.
Em maio, uma terceira PEC, a 7/2020, de autoria do deputado Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que já havia tido parecer favorável da CCJ da Câmara no fim de 2021, avançou com a instalação de uma comissão especial específica. O texto, que visa limitar a arrecadação pública a apenas três tributos – sobre renda, consumo e propriedade –, no entanto, não deve ir à votação na atual legislatura em razão do início da campanha eleitoral.
Enquanto isso, o governo tem adotado medidas no sentido de reduzir a carga de impostos, em alguns casos de forma temporária e em outros, definitiva. Entre as mais recentes estão o corte linear de 35% no IPI, a desoneração provisória de tributos federais sobre gasolina e etanol, e o patrocínio ao projeto que limitou o ICMS cobrado por estados sobre combustíveis, energia elétrica, transporte público e telecomunicações.
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