Revogação da reforma trabalhista; fim do teto de gastos; renovação do Bolsa Família; maior presença do Estado na economia; fortalecimento de bancos públicos; repúdio à privatização de empresas como Petrobras, PPSA, Eletrobras e Correios. Esses são alguns itens que fazem parte das diretrizes para a economia na formulação do programa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência, e do ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), pré-candidato a vice-presidente na chapa petista.
“Nosso horizonte é a criação de um projeto inovador e portador do futuro”, enfatiza uma prévia do programa de governo que foi encaminhada na última segunda-feira (6) para análise de partidos aliados. Boa parte do plano descrito no documento vai na contramão das políticas econômicas implementadas pelo governo de Jair Bolsonaro.
Confira a seguir quais as diretrizes do PT para a área econômica, listadas no documento que veio a público.
Fim do teto de gastos
Uma das medidas do pré-programa de Lula é a revogação do teto de gastos. Implantado em 2017, no governo Michel Temer, ele estabelece limites para os gastos públicos atrelados ao aumento da inflação e é a principal regra fiscal em vigor atualmente. A medida vale por 20 anos.
Segundo o Banco Central, nos 12 meses encerrados em abril, o Brasil fechou com um superávit primário (antes do pagamento de juros) equivalente a 1,52% do PIB, impulsionado pelo desempenho dos governos regionais (estados e municípios). O endividamento atingiu 78,3% do PIB, o menor patamar desde abril de 2020.
O esboço do programa afirma que o teto é disfuncional e perdeu credibilidade. “Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento”, cita o texto que está em discussão entre os aliados do petista.
A intenção é substituir o teto de gastos por um novo regime fiscal que seja flexível e garanta atuação anticíclica, ou seja, que contribua para dinamizar a economia em momentos em que a atividade está mais fraca.
São premissas dessa proposta de estratégia fiscal:
- Promoção de transparência e acompanhamento da relação custo-benefício das políticas públicas,
- Fortalecimento do planejamento e a articulação entre investimentos públicos e privados,
- Reconhecimento do investimento social e em infraestrutura;
- Vinculação a uma estrutura tributária mais simples e progressiva.
Revogação da reforma trabalhista
Um dos primeiros pontos do pré-programa do candidato petista é a revogação da reforma trabalhista, também realizada no governo Temer. Em vigor desde 2017, as mudanças buscam flexibilizar as normas do mercado de trabalho e simplificar as relações entre trabalhadores e empregadores.
Segundo o PT, seu objetivo é construir uma legislação trabalhista que viabilize negociações tripartites que protejam os trabalhadores, recomponha direitos, fortaleça os sindicatos sem o retorno do imposto sindical, construa um novo sistema de negociação coletiva e dê atenção aos trabalhadores informais e de aplicativos.
Fortalecimento das estatais, sem privatizações
O documento prevê um papel mais forte das estatais em um eventual governo Lula: “Será necessário proteger o papel do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e social”.
Quatro estatais – Petrobras, Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA), Correios e Eletrobras – estariam fora da lista de privatizações em um eventual governo Lula. O governo Bolsonaro já iniciou estudos para privatizar as duas primeiras, tem um projeto para a venda dos Correios estacionado no Senado após ter sido aprovado pela Câmara e está prestes a concluir a oferta de ações que vai resultar na desestatização da Eletrobras.
A Petrobras, diz o texto do PT, seria colocada “a serviço do povo brasileiro” e não de "grandes acionistas estrangeiros". O objetivo seria ampliar a produção de derivados, expandir a oferta de gás natural e integrar com as petroquímicas, produção de fertilizantes e biocombustíveis.
Sobre o pré-sal, o documento afirma que ele é um passaporte para o futuro. “Suas potencialidades podem voltar a servir para financiar grandes transformações na sociedade, com recursos para educação, saúde e outros fins sociais”, diz o texto. O governo Bolsonaro acaba de enviar ao Congresso um projeto de lei para poder vender antecipadamente sua parcela de petróleo e gás nos contratos de partilha de produção do pré-sal.
Em relação à Eletrobras, que provavelmente não estará mais sob o controle da União ao fim da próxima semana, o texto afirma que será mantida como “patrimônio do povo”, preservando a soberania energética brasileira, viabilizando programas como o “Luz para Todos”, e com uma política sustentável de modicidade tarifária.
Sobre os Correios, o conjunto de propostas se limita a dizer que a empresa não é privatizável. E que ela tem uma importante função social e logística, com capilaridade em todo o território nacional.
Fortalecimento dos bancos públicos
Em relação aos bancos públicos, as diretrizes para o programa de Lula preveem o fortalecimento deles em sua missão de fomento ao desenvolvimento econômico, social e ambiental e na oferta de crédito a longo prazo e garantias em projetos estruturantes, compromissados com a sustentabilidade financeira dessas operações.
Reforma tributária
Outro ponto relevante das propostas apresentadas pela chapa Lula/Alckmin é a proposta de uma reforma tributária “solidária, justa e sustentável”. O objetivo é a simplificação tributária e a distribuição de renda. Ela não faz referência às duas propostas que tramitam no Congresso.
A intenção, diz o PT, é construir uma alternativa que:
- Simplifique e reduza a tributação sobre o consumo;
- Eleve a taxação de renda sobre os muito ricos;
- Preserve o financiamento do "Estado de bem-estar social";
- Restaure o equilíbrio federativo;
- Contemple a transição para uma economia ecologicamente sustentável;
- Aperfeiçoe a tributação sobre o comércio internacional;
- Corrija o problema da sonegação de impostos.
Combate à inflação
O conjunto de propostas que está em discussão prevê como tarefa prioritária o combate à inflação e enfrentar a carestia. Nos 12 meses encerrados em maio, os preços aumentaram 11,73%, segundo o IBGE. Três itens são considerados fundamentais: alimentos, combustíveis e a energia.
Uma forma de combater a inflação, de acordo com as propostas do presidenciável, é reduzir a volatilidade do real por meio de política cambial. Segundo o documento, a "orientação passiva" dos últimos anos teria acentuado a volatilidade da moeda brasileira em relação ao dólar, afetando os preços.
Sobre os preços dos combustíveis e a tarifa de energia elétrica, o pré-programa do presidenciável defende políticas que envolvam a consideração dos custos de produção no Brasil – algo que Lula tem destacado em suas declarações sobre a política de preços da Petrobras, hoje baseada nas cotações do mercado internacional –, os efeitos sobre os orçamentos dos consumidores e a expansão da capacidade produtiva setorial.
“O aumento da gasolina ao preço internacional não foi feito com uma votação no Congresso. Foi uma canetada do Pedro Parente [presidente da Petrobras no governo Temer]. Portanto, se para aumentar o preço do combustível e transformar o preço do combustível no Brasil a um preço internacional foi numa canetada, para você tirar também pode ser numa canetada”, disse Lula, na quarta-feira (8), em entrevista à Rádio Vale do Aço-Itatiaia, de Minas Gerais.
Criação de oportunidades de trabalho e emprego
A proposta prevê retomada de investimentos em infraestrutura e a "reindustrialização nacional" em novas bases tecnológicas e ambientais. Também são previstos estímulos às economias solidária, criativa e baseada na biodiversidade, bem como o apoio ao cooperativismo, ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas.
Salário mínimo
O PT diz ter o objetivo de recuperar o poder de compra de trabalhadores e beneficiários de políticas previdenciárias e assistenciais, que são consideradas essenciais para dinamizar a economia, particularmente dos pequenos municípios.
Novo modelo previdenciário
A proposta de Lula defende um modelo previdenciário que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável. “A proteção previdenciária voltará a ser um direito de todos e todas”, aponta o documento. O texto considera que a inclusão previdenciária será fundamental para se conseguir a sustentabilidade financeira do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Renovar e ampliar o Bolsa Família
Segundo o programa em discussão, é necessário renovar e ampliar o Bolsa Família para garantir renda compatível com as necessidades da população. “Um programa que, orientado por princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda, viabilizará a transição, por etapas, no rumo de um sistema universal e uma renda básica de cidadania."
O Bolsa Família foi criado em janeiro de 2004, no primeiro mandato de Lula, e tinha três eixos principais: complemento da renda; acesso a direitos e articulação com outras ações a fim de estimular o desenvolvimento das famílias.
Ele foi substituído no ano passado pelo Auxílio Brasil, que integra em um programa várias políticas públicas de assistência social, saúde, educação, emprego e renda.
Estabilidade político-econômica e institucional
O pré-programa econômico do PT diz ter como prioridade a retomada do crescimento, dos empregos, da renda e a busca pela estabilidade dos preços. “É necessário restabelecer um ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que proporcione confiança e segurança aos investimentos que interessam ao desenvolvimento do país”, informa o documento.
Plano nacional de desenvolvimento
O pré-programa do candidato petista fala em um plano nacional de desenvolvimento justo, solidário, soberano e sustentável que supere “o modelo neoliberal que levou o país ao atraso”.
O documento considera que investimentos em infraestrutura urbana, de comunicações, de mudança nos padrões de consumo e produção de energia criam grandes possibilidades de novos tipos de indústria e serviços e oportunidades de inserção ocupacional.
A estratégia para viabilizar esse plano prevê mobilizar:
- Mercado interno com potencial de produção e consumo em massa;
- As capacidades estatais com potencial de gasto social e investimento público;
- A infraestrutura econômica, urbana e social;
- O uso ambientalmente sustentável de recursos naturais estratégicos, com inovações industriais e proteger os bens de uso comum.
Renegociação de dívidas dos brasileiros
Uma das ideias do pré-programa de trabalho da chapa Lula-Alckmin é promover a renegociação das dívidas das famílias e das pequenas e médias empresas por meio de bancos públicos e de incentivos para cooperativas de crédito e bancos privados para oferecer condições adequadas de negociação com os devedores.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio, 77,4% das famílias tinham algum tipo de dívida, contra 68% no mesmo período do ano passado. Conforme o levantamento, 28,7% das famílias tinham dívidas ou contas em atraso e 10,8% não tinham condições de pagá-las.
Um eventual governo Lula também pretende avançar na regulação e no incentivo de medidas para ampliar a oferta e reduzir o custo do crédito, ampliando a concorrência no sistema bancário, segundo o pré-programa.
"Reindustrialização" com foco em economia digital e verde
Uma das propostas previstas pelo pré-programa do presidenciável é o fortalecimento e a modernização da estrutura produtiva por meio do que chama de reindustrialização e do fortalecimento da produção agrícola e do estímulo a setores e projetos inovadores.
Muito desse processo de reindustrialização passaria por novos setores e aqueles associados à transição para a economia digital e verde.
“É imperativo elevar a taxa de investimentos públicos e privados e reduzir o custo do crédito, a fim de avançar com uma reindustrialização nacional de novo tipo, acoplada com os novos desenvolvimentos da ciência e tecnologia. Faz parte desse esforço o desafio de reverter a desnacionalização do nosso parque produtivo e modernizá-lo”, cita o documento.
A missão da política industrial seria promover o engajamento do setor na transição tecnológica, ambiental e social, com fomento à inovação. “Será também estimulada pelo poder de compra governamental em complexos industriais estratégicos como saúde, energia, alimentos e defesa”, diz o texto.
Agropecuária e alimentação
Outra proposta para a área econômica é a retomada da política de estoques reguladores e a ampliação das políticas de financiamento à produção de alimentos. Para o próximo plano safra (2022/23), o atual governo pretende liberar 20% mais que em 2021/22, segundo o Banco do Brasil. No último ciclo, foram liberados R$ 145 bilhões.
O pré-programa do PT prevê compromisso com o que chama de "soberania alimentar", com avanço da reforma agrária e elevação da produtividade.
“Daremos apoio à pequena e média propriedade agrícola, em especial à agricultura familiar. Políticas de compras públicas podem servir de incentivo à produção de alimentos saudáveis e de qualidade, que têm tido sua área plantada reduzida nos últimos anos por falta de apoio do Estado e de estímulo à ampliação das relações diretas dos pequenos produtores e consumidores no entorno das cidades”, afirma o partido.
Segundo o PT, "o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa é imperativo para repensar o padrão de produção e consumo e a matriz produtiva nacional com vistas a oferecer alimentação saudável para a população".
O partido defende "medidas que reduzam os custos de produção e o preço de comercialização de alimentos frescos e de boa qualidade, fomentem a produção orgânica e agroecológica e incentivem sistemas alimentares de bases saudáveis e sustentáveis obtidas com parâmetros de sustentabilidade, de respeito aos territórios e de simetria na posse e uso da terra".
O programa diz que "a Embrapa será fortalecida para assegurar mais avanços tecnológicos no campo, essenciais para a competitividade e sustentabilidade tanto dos pequenos quanto dos grandes produtores".
O pré-programa diz ainda que a agricultura e a pecuária têm de ser "comprometidas com a sustentabilidade social e ambiental" e que, caso contrário, "será perdido espaço no mercado externo e não haverá uma contribuição para superar a fome e o acesso a alimentos saudáveis".
Infraestrutura
Sobre a infraestrutura, a carta de intenções afirma que a modernização e a ampliação da infraestrutura de logística de transporte são fundamentais para o crescimento econômico e a redução dos custos de produção.
O documento fala em retomar investimentos públicos e que os privados também terão ampla relevância e serão estimulados por meio de créditos, concessões, parcerias e garantias.
“Tais investimentos estarão comprometidos com missões socioambientais e orientados para garantir maior eficiência na produção e na circulação de mercadorias, assim como para o aumento do bem-estar da população e para a construção de cidades mais inclusivas, seguras, justas, resilientes e sustentáveis.”
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