Os quatro principais concorrentes na eleição presidencial – Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) – possuem convergências e divergências entre si quando o assunto é política externa. Há discordâncias, por exemplo, na forma como eles se posicionam quanto à participação em fóruns mundiais e organizações multilaterais, apesar de todos proporem o aumento do protagonismo brasileiro nesse campo.
A adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo avanço no processo é bastante celebrado pelo atual governo, é motivo de divergência entre os candidatos. Enquanto Bolsonaro e Tebet são favoráveis a manter o andamento do processo de entrada no “clube dos países ricos”, Lula e Ciro veem isso com ressalvas.
Entre os pontos em comum nas diretrizes dos presidenciáveis estão, por exemplo, o compromisso com avanços em políticas ambientais, tendo como uma das preocupações evitar que portas comerciais se fechem para o país, e o estreitamento das relações com países latino-americanos. Uma coincidência nos planos de governo dos candidatos é que nenhum deles faz menção a China, principal parceiro comercial do país.
Sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, Bolsonaro pretende manter a política de neutralidade para evitar problemas comerciais com os russos. Já seus adversários são críticos a essa postura e cobram uma condenação mais incisiva do Brasil à invasão do solo ucraniano.
Veja a seguir as principais diretrizes que os candidatos têm exposto sobre política externa:
Jair Bolsonaro (PL)
Prioridade desde o início do mandato, o governo de Jair Bolsonaro investiu pesado no ingresso do Brasil na OCDE e tem o avanço desse processo como um dos objetivos prioritários em eventual novo mandato. Em janeiro, a organização formalizou o convite para o governo brasileiro dar início às tratativas para o ingresso no quadro de membros permanentes. O país prepara agora um memorando inicial, uma espécie de autoavaliação a respeito do alinhamento ao acervo normativo da organização, composto de 257 instrumentos. Até agora, o Brasil já atende a 112.
Apesar de não haver propostas mais detalhadas sobre relações com os principais parceiros comerciais, o plano de governo do candidato à reeleição diz que o país continuará buscando mercados, fontes de investimento e acordos de cooperação com países de todo o mundo, “sobretudo com os que tenham maior capacidade de contribuir para o desenvolvimento nacional; com aqueles com quem mantemos tradicionalmente fortes laços culturais e históricos; e com nosso entorno geográfico nas Américas e no Atlântico Sul”.
Em 2018, o plano de governo do atual presidente mencionava que não seriam feitos “acordos comerciais espúrios” com países chefiados por ditadores; o atual documento diz a mesma coisa, mas de forma mais amena. O plano afirma que será buscada maior interação com países “que defendam e respeitem valores que são caros aos brasileiros e se encaixem no ambiente democrático”.
Na relação com os dois maiores parceiros comerciais do país – China, seguida dos Estados Unidos –, o governo brasileiro se aproximou bastante do país norte-americano quando este estava sob o governo de Donald Trump, do qual Bolsonaro foi enfático apoiador de sua reeleição. Após a vitória de Joe Biden, o relacionamento entre os países esfriou, mas não a ponto de afetar a parceria comercial. No início de junho, durante a 9ª Cúpula das Américas em Los Angeles, Bolsonaro e Biden tiveram o primeiro encontro bilateral, visto como bastante positivo pelo governo brasileiro e, após o encontro, houve um ensaio de aproximação entre os dois mandatários.
Já com a China, o relacionamento teve momentos sensíveis durante o governo Bolsonaro. O presidente já sugeriu que o coronavírus teria sido criado em um laboratório chinês, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e um diplomata chinês chegaram a ter discussões ríspidas. Os episódios, entretanto, não chegaram a afetar de forma mais acentuada as relações comerciais entre os países.
Além da OCDE, o plano de Jair Bolsonaro cita que, em eventual novo mandato, o governo buscará mais protagonismo em organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Conselho de Segurança da ONU.
Sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, a postura de neutralidade por parte do governo Bolsonaro, caso reeleito, deve se manter. O Brasil condenou os ataques russos na Assembleia-Geral e no Conselho de Segurança da ONU, mas se absteve pela suspensão russa no Conselho de Direitos Humanos e na cooperação entre Moscou e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A posição, classificada pelo Itamaraty como de "equilíbrio", visa manter o fluxo comercial entre os dois países.
Na Defesa, Bolsonaro propõe ampliar planos de investimento e melhoria das capacidades das Forças Armadas, e fornecer estímulos a empresas estatais ou privadas que atuam com pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Em suas diretrizes de governo, o ex-presidente afirma que, caso eleito, irá “recuperar a política externa ativa e altiva” do país. Lula pretende apostar na participação do país na cooperação internacional Sul-Sul – que se refere à cooperação entre países em desenvolvimento no Sul Global – com América Latina e África.
O plano do candidato do PT também defende a integração da América do Sul, América Latina e Caribe com vistas a manter a segurança regional e a promoção de desenvolvimento integrado da região. “É fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics. É estabelecer livremente as parcerias que forem as melhores para o país, sem submissão a quem quer que seja”, menciona o documento.
Lula defende a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais e se compromete com a participação do país no esforço mundial para combater a crise climática.
O documento com as diretrizes de eventual governo não faz menção ao ingresso do Brasil na OCDE. Governos petistas nunca se manifestaram favoravelmente à entrada na entidade, e há possibilidade de que as tratativas esfriem com eventual eleição de Lula, que durante seus mandatos teve relação bastante próxima com a China.
Apesar disso, em discurso na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em 9 de agosto, o presidenciável fez uma análise crítica do avanço chinês no país. “A nação asiática está ‘ocupando o Brasil’ e tirando o espaço da indústria brasileira”, disse.
Por outro lado, em entrevista a jornalistas estrangeiros no dia 22 de agosto, o ex-presidente disse que, caso eleito, quer manter a boa relação com a China. “Claro que temos interesses soberanos, comerciais e agrícolas e que vamos brigar para que eles prevaleçam, mas, do ponto de vista de Estado, nossa relação com a China sempre foi muito forte e espero que continue sendo”, declarou.
Na mesma entrevista, Lula defendeu a alternância de poder na Venezuela e defendeu que o país seja “o mais democrático possível”. O ex-presidente foi bastante próximo do ditador Hugo Chavéz, que presidiu a Venezuela, e do seu sucessor, o ditador Nicolás Maduro.
Sobre a guerra na Ucrânia, o candidato petista disse à imprensa estrangeira que tentaria mediar uma solução para o conflito. No início da guerra, Lula e demais integrantes do PT criticaram as sanções econômicas de outros países à Rússia. Em julho, o nome do petista chegou a ser incluído em uma lista do centro de inteligência do governo ucraniano, que apontava Lula como acusado de fazer “propaganda russa” durante a guerra entre os dois países.
Ainda na entrevista a jornalistas estrangeiros, o ex-presidente criticou a ONU e defendeu mudanças no Conselho de Segurança da entidade. “A ONU precisa ser reformulada, porque ela precisa ter mais força para evitar que esses conflitos se prolonguem. A ONU teve força de criar o Estado de Israel, mas ela não tem força de criar o estado palestino”, disse.
Por fim, Lula deve tentar barrar o acordo de livre comércio União Europeia-Mercosul, fechado em 2019, mas que ainda não entrou em vigor. Segundo o petista, a consolidação do acordo “não é o desejo do Brasil”.
Ciro Gomes (PDT)
Eu suas diretrizes de governo, o candidato pedetista resume suas propostas na área de política externa a uma frase: “as negociações comerciais e diplomáticas seguirão dois princípios essenciais: a defesa dos interesses nacionais e da soberania do país”.
No entanto, no Plano de Trabalho divulgado em seu site não há mais detalhes sobre as propostas. Lá, Ciro traz nortes genéricos sobre a política externa, sem compromissos mais claros, mas destaca que todos os campos de petróleo brasileiro vendidos ao exterior pelo governo de Michel Temer após a revogação da Lei de Partilha serão recomprados. “O mesmo se dará com relação à Eletrobras, caso ela também seja vendida”, menciona.
Na área da Defesa, o texto cita que não será permitida a compra, por estrangeiros, de ativos que compõem ou apoiam o complexo industrial de defesa brasileiro. “Vamos reafirmar o compromisso com a Estratégia Nacional de Defesa já promulgada”, diz.
Em entrevista à Globo News no final de julho, Ciro disse que não é possível viabilizar um projeto nacional sem uma “sólida integração aos interesses estrangeiros e aos nossos interesses” e citou os princípios que norteariam sua política externa caso seja eleito: não intervenção em assuntos domésticos de outros países, solução pacífica dos conflitos e autodeterminação dos povos.
Sobre o ingresso do país à OCDE, o presidenciável disse ao Correio Braziliense, em janeiro deste ano, que a adesão ao grupo nunca foi almejada pelo país, apenas cogitada após sugestão do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, a Bolsonaro. “Porém, para isso, seria necessário que o Brasil abrisse mão do status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio”, declarou. Com a entrada na OCDE, o Brasil abriria mão do tratamento diferenciado de “país em desenvolvimento” na OMC, que permite maior flexibilidade na organização, como prolongamento de prazos em negociações.
No âmbito do conflito na Ucrânia, Ciro é crítico da postura de neutralidade do Brasil e, caso a guerra se prolongue, deve mudar a política em relação ao conflito em caso de eleição ao cargo. “Enquanto o Brasil for Brasil, jamais ficará neutro diante de tal violência”, publicou no Twitter quatro dias após o início dos ataques russos.
Simone Tebet (MDB)
A emedebista pretende, dentre outras medidas, ampliar o grau de abertura comercial, negociar novos acordos com parceiros comerciais relevantes e colocar em vigência acordos negociados recentemente. Em seu programa de governo, Tebet propõe reforçar a integração latino-americana, aprofundando acordos já existentes e negociando novos acordos; consolidar e aprofundar o Mercosul; revigorar a atuação do Brasil na Organização Mundial do Comércio; e avançar no processo de adesão à OCDE.
A candidata pretende, ainda, intensificar a participação do país junto à ONU, em especial em temas como mitigação das mudanças climáticas e promoção do desenvolvimento sustentável; e tornar o Brasil mais participativo nos grupos plurilaterais que participa, como G-20 e Brics.
Em entrevista ao veículo MyNews em abril deste ano, quando ainda era pré-candidata, Tebet disse que a diplomacia brasileira deve afastar o “papel infelizmente ideológico que passou a ter, seja pelo governo do PT, seja pelo atual governo”.
A respeito do posicionamento do Brasil, em seu eventual mandato, frente à disputa hegemônica entre Estados Unidos e China, a presidenciável disse que não tomaria partido de nenhum dos países. “O Brasil não tem que ter preferência”, declarou, ao mencionar relações com outras nações.
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