Preocupados em montar alianças fortes nos estados, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm enfrentado uma dificuldade extra: a oferta de palanques duplos.
A presença de dois aliados disputando um mesmo cargo majoritário cria uma saia justa para os presidenciáveis, que não podem declarar preferência abertamente, sob risco de melindrar um ou outro apoiador.
Só na base de Bolsonaro, a disputa entre aliados nos estados acontece no Distrito Federal e em outros nove estados, com destaques para Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Rondônia. Na maioria dos casos, o nó político envolve pré-candidaturas associadas ao eleitorado "raiz" e conservador do presidente contra outras com maior alinhamento ao centro político.
É o que está acontecendo no Distrito Federal. A ex-ministra Damares Alves (Republicanos) se lançou pré-candidata ao Senado, mesmo cargo cobiçado pela deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), ex-ministra da Secretaria de Governo. Ambas apoiam o presidente Bolsonaro e não abrem mão de concorrer ao posto de senadora.
O ex-presidente Lula também lida com a mesma dificuldade em diferentes estados. Está em curso a formação de palanques duplos em Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo, onde também há quadros mais ideológicos e outros mais à centro-esquerda.
As "bolas divididas" nos estados entre aliados de Bolsonaro e Lula não trazem ônus eleitorais às pré-candidaturas de ambos. Análises feitas na base governista e na oposição apontam que ambas as campanhas não sofrem impactos diretos na corrida eleitoral, sobretudo por estarem turbinadas pela polarização.
A lógica partidária é de que, quanto mais palanques, mais votos um presidenciável pode obter. Porém, efeitos colaterais políticos podem vir à tona em 2023.
Qual é o principal risco da formação de palanques duplos
Coordenadores eleitorais e aliados de Bolsonaro e Lula acreditam que, até julho, o cenário estará melhor definido e parte das pré-candidaturas atualmente postas podem ser retiradas. Um postulante ao Senado ou a um governo estadual pode recuar e lançar uma pré-candidatura à Câmara dos Deputados, por exemplo.
Para chegar a esse cenário, será preciso que partidos e pré-candidatos aliados de um mesmo presidenciável busquem conciliação política até as convenções partidárias, que ocorrem entre 20 de julho e 5 de agosto. Caso isso não ocorra e os palanques duplos sejam oficializados, mesmo Bolsonaro e Lula podem pagar o "preço" político da divisão a partir de 2023, quer vença um ou outro as eleições deste ano.
Interlocutores da base governista e da oposição entendem que Bolsonaro e Lula podem sair politicamente fragilizados em estados com palanques duplos à medida em que a permanência da divisão na corrida eleitoral, que se inicia em 16 de agosto, possa comprometer a eleição de um aliado ou outro.
No eventual caso de Damares, mais próxima do eleitorado conservador e cristão, e Flávia Arruda, um quadro mais alinhado ao do Centrão, oficializarem suas candidaturas ao Senado pelo Distrito Federal, por exemplo, um risco possível é as duas dividirem o eleitorado do presidente e nenhuma delas ser eleita.
"Para o presidente Bolsonaro, ter dois palanques é bom. O eleitor não vai deixar de votar nele. Mas para os aliados é ruim", avalia o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara. "Com os votos divididos, é claro que vai beneficiar a oposição", complementa.
No Rio Grande do Sul, dois nomes se colocam à disposição para fornecer palanque a Bolsonaro: o deputado federal Onyx Lorenzoni (PL), ex-ministro do governo, e o senador Luiz Carlos Heinze (PP), vice-líder do partido no Senado. Bibo tem a expectativa de que, com a proximidade das eleições, quem estiver melhor colocado nas pesquisas no estado receba o apoio do outro que estiver atrás. Porém, hoje, ele acredita que esse cenário é "praticamente impossível".
O entendimento entre Onyx e Heinze na disputa pelo governo gaúcho seria fundamental para Bolsonaro emplacar um aliado e evitar o fortalecimento da coligação tucana ou da oposição. O ex-governador Eduardo Leite (PSDB) é pressionado por aliados a concorrer à reeleição, embora siga disposto a apoiar o pré-candidato tucano, o atual governador Ranolfo Vieira Júnior.
Em Rondônia, há outro caso semelhante. A disputa pelo eleitor de Bolsonaro entre o senador Marcos Rogério (PL) e o atual governador Marcos Rocha (União Brasil) pode levar nenhum deles à vitória. Pesquisa divulgada em abril pelo Instituto Phoenix aponta que ambos aparecem como segundo e terceiro colocados na disputa, com 22,4% e 18% das intenções de voto, respectivamente. O deputado federal Léo Moraes (Podemos-RO) lidera com 33,9%.
A lógica não é muito diferente em relação a "bolas divididas" entre aliados de Lula nos estados. O caso mais emblemático é o de São Paulo, onde o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Márcio França (PSB) disputam os espólios eleitorais do petista. Uma pesquisa divulgada em maio pelo instituto Paraná Pesquisas aponta um empate técnico entre Haddad e o ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), quando associados a Lula e Bolsonaro.
Outros problemas no horizonte
A continuidade de palanques duplos nos estados pode trazer riscos maiores do que a não eleição de aliados a governos estaduais ou ao Senado. O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, vai além e pondera que pode, sim, trazer impactos eleitorais, ainda neste ano, e políticos, a partir de 2023, na relação de Bolsonaro e Lula com os partidos.
Eleitoralmente, o analista acredita que os presidenciáveis podem ser impactados caso deem maior prioridade aos palanques de aliados mais associados à base ideológica. Em uma eleição polarizada, Bolsonaro e Lula precisarão seguir para o centro para aumentar a base de apoio e de votos. O próprio petista adotou esse caminho como principal estratégia.
O risco maior de apoio a aliados ideológicos recai com maior peso sobre Bolsonaro, avalia Fernandes. "Ele já começa a dar sinais de estagnação em pesquisas eleitorais recentes. Então, é um indício de que ele vai precisar ir mais para o centro", pondera. O analista da BMJ Consultores usa a pesquisa da Genial/Quaest divulgada na quarta-feira (11) para reforçar a leitura.
Além de apontar Lula com 46% das intenções de voto e Bolsonaro com 29% em um primeiro turno, a pesquisa da Quaest também aponta que, em virtude do indulto concedido a Daniel Silveira, 12% dos eleitores apontam que diminuem a chance de voto em Bolsonaro, enquanto 45% afirmam que não votariam para a sua reeleição após o indulto. O índice de reprovação à "graça" é de 54%, enquanto o de aprovação é de apenas 17%.
O Rio de Janeiro é um dos estados onde também há "bolas divididas". O PTB fala em manter a pré-candidatura do deputado federal Daniel Silveira ao Senado, que ampliou seu capital político após o indulto concedido por Bolsonaro e as manifestações de 1º de maio. O nome apoiado pelo governo, porém, é o senador Romário (PL), que irá à reeleição.
O estado fluminense é um exemplo que forçará Bolsonaro a avaliar bem seu apoio, avalia Fernandes, que entende que o indulto já está eleitoralmente precificado para a campanha presidencial. "Ele jogou a 'bola' para o eleitorado ideológico, que é cativo, mas deixa de agradar uma parte do eleitorado centrista, que poderia não embarcar na candidatura de Lula e poderia se abster. A aproximação com a classe ideológica pode ter um preço", alerta.
Outro risco é o de aliados nos estados desistirem de apoiar um presidenciável e subir em outros palanques. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado André Ceciliano (PT), por exemplo, é pré-candidato ao Senado, mas não dá sinais de que deseja preservar a aliança com o PSB e tem acenado para o governador Cláudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro, e ao deputado federal Otoni de Paula (MDB), vice-líder do governo.
Politicamente, os presidenciáveis também podem sair fragilizados a partir de 2023 caso os palanques duplos causem cisão interna nas bases. Caso eleito em um contexto de desavenças nos estados entre as bases ideológica e fisiológica, Bolsonaro poderia ter que reaver o apoio junto a aliados, sejam apoiadores "raiz" que podem se desgarrar do governo ou do Centrão, que poderia cobrar mais caro por um apoio, analisa Fernandes.
Já o petista poderia enfrentar um cenário semelhante a depender dos ruídos na base pós-eleições, pondera o analista da BMJ Consultores. "Há várias lideranças que já se mostram insatisfeitas com Lula sempre priorizar esse projeto nacional e colocando algumas especificidades regionais de lado, como no Rio de Janeiro e em Pernambuco", diz. "Entre o bônus e o ônus, o bônus é bem mais alto, mas os presidenciáveis terão de avaliar os riscos de perda de unidade, embora seja difícil pensarmos em algum tipo de ruptura hoje", complementa.
Que posturas adotam Lula e Bolsonaro nas "bolas divididas" nos estados
Em meio aos gestos de aliados por apoios de Bolsonaro e Lula nos estados, ambos os presidenciáveis têm adotado posturas distintas. O petista atua como mediador e tem viajado pelo país em busca de conciliação entre as pré-candidaturas aliadas. Já o presidente adota uma postura de afastamento e não-intervenção.
A posição de Bolsonaro é avaliada como correta por aliados. O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), vice-líder do governo na Câmara, entende que não cabe a ele ser o mediador por entender que o aliado que for preterido pode se ressentir da falta de apoio. "Não é problema do presidente. Os presidentes de partidos que têm que resolver isso", defende.
O deputado Bibo Nunes endossa a análise e sustenta que Bolsonaro não quer e nem irá intervir. "Eu acho que ele não deve ser um mediador, pois caso seja vai se queimar com os dois lados sempre. É melhor que fique de fora", avalia. Nos bastidores, é dito que Bolsonaro conversou com Onyx Lorenzoni e Luiz Carlos Heinze sobre a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul e disse aos dois que não definiria seu apoio por um ou outro.
Mas alguns aliados do governo entendem que Bolsonaro deveria assumir um "lado" nessas quedas de braço nos estados. Para essa ala da base, ele até pode deixar de comprar brigas ao se eximir da responsabilidade, mas também deixará de garantir uma fidelidade maior para o próximo ano.
Outros aliados sustentam, porém, que ele tem candidatos nos estados e que não está afastado. Apontam, por exemplo, que ele intercedeu na disputa pelo Senado e definiu Rogério Marinho (PL) como seu pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Norte. "Ele não terá bolas divididas, ele já tem seus candidatos. Ele trabalhou para que o Fábio [Faria, ministro das Comunicações] retirasse a candidatura. Em outros estados, não será diferente, como no Rio e no DF", diz um interlocutor governista.
No Rio de Janeiro, a informação que circula nos bastidores é de que Bolsonaro apoia Romário ao Senado e não vai voltar atrás em seu acordo com o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, que participou das costuras pela reeleição do senador. O presidente espera que Daniel Silveira tente a reeleição à Câmara.
No Distrito Federal, interlocutores do governo apontam que Bolsonaro apoia Damares nos bastidores. "Até porque ele precisa capitalizar ela politicamente", sustenta um assessor do Palácio do Planalto, em referência à possibilidade de ela acumular capital político e sair como pré-candidata a vice em sua chapa à reeleição.
É dito, porém, que Flávia Arruda conta com o apoio de seu marido, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, que tenta reverter condenações no Supremo Tribunal Federal (STF) para se candidatar como governador. Aliados de Damares ponderam, no entanto, que esse movimento é mais um blefe para elevar seu capital político.
Lula, por sua vez, mesmo com a proposta de mediar algumas pré-candidaturas nos estados, avalia bem o cenário antes de tomar suas decisões, analisa o deputado federal Zé Neto (PT-BA), vice-líder do partido na Câmara.
"São Paulo, Rio e Pernambuco está tudo resolvido? Não, tem que esperar o desenrolar. Lula vai influenciar ou esperar as coisas acontecerem? Em alguns lugares, ele pode até querer influenciar, em outros pode esperar. É ter muita cautela sabendo que a eleição vai ser muito polarizada", justifica.
O vice-líder do PT entende que ambos os presidenciáveis terão mais bônus do que ônus em potenciais palanques duplos, mas reforça a defesa de que os arranjos sejam articulados com cuidado. "Acho que Lula tem que ter cautela e ir administrando. Uma hora tem que dar peteleco porque ele também tem que montar o cenário nacional, mas o tempo irá dizendo como ficarão os palanques. Começo de julho, vamos ver como estarão os ambientes", destaca.
Metodologia de pesquisas citadas na reportagem
A pesquisa do Instituto Phoenix, encomendada pela empresa ABC - Construções, ouviu 1.201 eleitores em 14 municípios de Rondônia entre 5 e 8 de abril de 2022. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, com 96% de nível de confiança. O registro foi feito no Tribunal Regional Eleitoral pelo número 07330/2022-RO.
O levantamento da Paraná Pesquisas foi encomendada pelo banco BGC. O levantamento foi realizado entre os dias 24 e 29 de abril. A empresa fez 1.820 entrevistas pessoais, face a face. A margem de erro é de 2,3 pontos percentuais, para mais ou para menos. Já o nível de confiança é de 95%. A pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral com o protocolo SP-01683/2022.
A pesquisa da Quaest foi contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2 mil eleitores entre os dias 5 e 8 de abril de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo BR-01603/2022.
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