No segundo turno da eleição para presidente, um dos focos da campanha de Jair Bolsonaro (PL) é tentar diminuir a vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Nordeste. O petista ganhou em todos os estados nordestinos, com destaque para o Piauí, em que obteve 74,25% dos votos.
A tarefa, entretanto, não deve ser fácil. Além de tentar conter estragos feitos pelo próprio presidente – na primeira semana do segundo turno, ele relacionou a vitória de Lula no Nordeste ao analfabetismo –, a campanha de Bolsonaro enfrenta a falta de palanques próprios em estados importantes.
Um deles é Pernambuco, segundo maior colégio eleitoral da região. O estado, que tem mais de 7 milhões de eleitores, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deu vitória expressiva a Lula no primeiro turno: foram 65,27% dos votos válidos, contra 29,91% de Bolsonaro.
O candidato petista só não ganhou em Santa Cruz do Capibaribe, município em que Bolsonaro obteve 48,31% dos votos e ficou em primeiro lugar.
Bolsonaro sem palanque
Além da desvantagem numérica no primeiro turno, um agravante para a campanha de Bolsonaro em Pernambuco é o fato de que o candidato a governador apoiado pelo presidente, Anderson Ferreira (PL), não conseguiu passar ao segundo turno. Miguel Coelho (União Brasil), que também é apoiador de Bolsonaro, tampouco foi à segunda etapa.
Ferreira e Coelho tiveram 18,15% e 18,04% dos votos, respectivamente. Duas mulheres, Marília Arraes (SD, 23,97%) e Raquel Lyra (PSDB, 20,58%), disputam o segundo turno do pleito.
Nenhuma das duas se associou a Bolsonaro. Marília, que trocou o PT recentemente pelo Solidariedade, já tem apoio declarado de Lula. Oficialmente, Raquel não declarou voto em nenhum candidato. Anderson Ferreira, que concorreu ao governo, afirma estar esperando o posicionamento de Bolsonaro para se manifestar.
A incógnita sobre o posicionamento de Raquel ocorria porque a candidata estava afastada da campanha desde o primeiro turno. No mesmo dia do primeiro turno, o marido dela, Fernando Lucena, teve um mal súbito e morreu. Enquanto ela estava afastada, Priscila Krause (Cidadania), candidata a vice, comandou as atividades.
Na quarta-feira (12), Raquel anunciou, em uma live, que não abriria seu voto para presidente. "Eu não vou declarar apoio a nenhum dos dois candidatos. Eu vou trabalhar incansavelmente por Pernambuco", escreveu a candidata em uma rede social.
“[Se aliar a Bolsonaro] não seria vantajoso para a Raquel, do ponto de vista eleitoral. Se ela anunciasse o apoio, legitimaria o discurso de Marília de que ela é candidata do Bolsonaro. Mantendo uma posição de neutralidade ela pode desmontar o discurso da adversária”, diz Vanuccio Pimentel, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para apoiar Marília, Lula contorna briga familiar
Do outro lado, o apoio de Lula a Marília ocorre em meio a uma disputa familiar envolvendo o PSB em Pernambuco. A legenda é a mesma de Geraldo Alckmin, candidato a vice na chapa do petista. No primeiro turno das eleições para o governo, Lula apoiou Danilo Cabral (PSB), que obteve 18,06% dos votos.
Marília rompeu com o PSB em 2014, alegando que o primo Eduardo Campos (1965-2014) estaria levando o partido para a direita do espectro político. Na época, ela declarou apoio a presidente Dilma Rousseff (PT), que tentava a reeleição. A ruptura ocorreu em meio à disputa pelo legado de Miguel Arraes (1916-2005), que foi governador e deputado por Pernambuco.
Em 2020, Marília, já no PT, concorreu à prefeitura do Recife contra seu primo em segundo grau, João Campos (PSB). No segundo turno, Marília teve 43,73% dos votos, contra 56,27% de Campos.
Em nota divulgada na semana passada, o PSB afirmou que apoiaria a candidatura escolhida por Lula.
Projetos individuais diferenciam Marília e Raquel
Segundo Pimentel, da UFPE, a política de Pernambuco é caracterizada por ser familiar. Enquanto Marília carrega o sobrenome Arraes, Raquel é filha de João Lyra Neto, que também foi governador do estado.
“Tanto Marília quanto Raquel são dissidentes da Frente Popular de Pernambuco, liderada pelo PSB. A concorrência [entre elas] se dá por razões de projetos individuais, mas não exatamente por grandes dissonâncias políticas”, diz o professor.
A avaliação dele é de que o apoio de Lula e do PT terá peso na eleição. Mas Pimentel também diz que o cenário está confuso, principalmente com a morte do marido de Raquel. “Criou-se uma comoção. Emoção e política andam muito junto, então não sabemos qual será o impacto de tudo isso”, completa.
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