Decisivos nas eleições de 2018, os policiais estaduais e federais podem ser destaque mais uma vez no pleito deste ano. Na esfera estadual, seus votos e apoios podem ser decisivos na eleição ou reeleição de governadores. Na esfera federal, são tidos como categorias indispensáveis pelo governo federal para o projeto da reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O peso que os policiais podem exercer em uma eleição é significativo. Estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que policiais militares, civis, federais e rodoviários federais somam cerca de 18 milhões de pessoas, somando servidores da ativa e da reserva, cônjuges e filhos. O alcance da influência dos agentes das forças auxiliares de segurança pública pode ser ainda superior se considerar o ciclo social mais próximo, defende o deputado federal Coronel Tadeu (União Brasil-SP), que vai se desfiliar e migrar para o PL de Bolsonaro até o fim do mês.
"Tem um círculo familiar e social bem básico que o policial não precisa se esforçar muito. O cara faz a campanha de bobeira num almoço com os amigos, por exemplo, e muitas vezes consegue convencer quem está em dúvida. Eu sempre tomo por base que um policial pode fazer outros dez votos", calcula o parlamentar, que é coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP).
O alcance potencial de pelo menos uma dezena de milhões de votos oriundo de policiais, familiares e amigos próximos que calcula Tadeu é, portanto, algo que não pode ser desprezado. Em 2018, por exemplo, Bolsonaro contou com um maciço apoio dos policiais e foi eleito no segundo turno com uma diferença de cerca de 10,7 milhões de votos em relação ao ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT).
Na esteira do "bolsonarismo" e com acenos às forças auxiliares de segurança, Ratinho Jr. (PSD), Romeu Zema (Novo) e João Doria (PSDB) foram eleitos governadores do Paraná, Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. O tucano, por sinal, superou na ocasião o concorrente Márcio França (PSB), então governador paulista, em 700 mil votos, com uma margem de 51,75% dos votos válidos.
Para 2022, o peso dos policiais nas eleições pode fazer ainda mais diferença. No caso de Bolsonaro, embora conte com o apoio da maioria dos agentes, segundo parlamentares e especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a adesão da categoria e de seus familiares e amigos mais próximos à campanha dele à reeleição não será "automática" como em 2018. No campo estadual, boa parte dos governadores enfrenta a rejeição das forças auxiliares de segurança e podem sofrer resistência para se reeleger ou eleger um aliado.
Que impacto os policiais podem ter na campanha de Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro chega em seu último ano de mandato ainda bem avaliado entre os policiais, mas com menos prestígio em relação a 2018. O cientista político Arthur Trindade, diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, avalia que o apoio junto à categoria seja mitigado por desgastes ao longo da gestão.
"Tem policiais que estarão desgastados com Bolsonaro pela condução na pandemia. Veja o caso do [ex-deputado federal Alberto] Fraga, um que rompeu relações [com o presidente] após 40 anos de amizade, não quer nem conversar após a situação da esposa dele [falecida em decorrência da Covid-19]. Isso pode ter um efeito, é o desgaste de quem está no poder", analisa o especialista em segurança pública.
Outro fator que pode levar Bolsonaro a perder apoio entre policiais é a candidatura do ex-juiz Sergio Moro (Podemos), analisa Trindade. Para ele, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo pode tirar votos dele principalmente entre policiais federais. De toda forma, o cientista político entende que o apoio de policiais na esfera federal é mais simbólico, de aprovação ou desaprovação a um presidenciável, do que o peso do voto propriamente dito — o que, para ele, impacta mais as candidaturas a governadores.
"É claro que, havendo um candidato forte com expectativas de ganhar uma eleição [estadual] e fortemente identificado, Bolsonaro pode sair fortalecido", pondera Trindade, ao analisar a pré-candidatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo. "O Tarcísio é o craque do time [de ministros do governo], não à toa que Bolsonaro insistiu para lançá-lo. Mas em estados onde ele não tiver um candidato forte, é possível que o voto policial se disperse em um espectro mais à direita", complementa.
Ex-titular da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP), José Vicente da Silva Filho reconhece que o apoio de Bolsonaro é inferior entre policiais federais e civis em comparação com os policiais militares, onde o apoio é maciço. Mas ele descarta a possibilidade de Moro desidratar o apoio do presidente na categoria.
"Está certo que houve trava ao reajuste salarial de policiais na pandemia [em decorrência da PEC Emergencial], mas o apoio que Moro pode receber é quase nada. Policial é uma categoria sem muita nuance de cinzas, é preto e branco, ou seja, nessas eleições é Bolsonaro e o [ex-presidente] Lula. E como policial vive prendendo ladrão e Lula é o outro lado, a grande maioria não ficará com a esquerda, nem com a terceira via", avalia o especialista em segurança pública.
Coronel reformado da PM-SP, ele acompanha a categoria das forças auxiliares desde quando ingressou na corporação, em 1963, e diz que nunca viu um político que deu tanta atenção às polícias como Bolsonaro. "Nem governador, nem presidente, nunca vi alguém levantar uma bandeira muito simpática aos policiais assim antes, principalmente aos militares, e falo isso independentemente de questão de valores", diz.
Para Silva Filho, os gestos feitos por Bolsonaro à categoria reforçam a leitura de que o presidente terá maior apoio da categoria em relação aos adversários eleitorais. Ele alerta, contudo, que o presidente não conta com uma base incondicional. "Policial pode até ter simpatia e preferência política por ele, mas eles continuam mais preocupados no dia a dia com o capitão comandando a companhia", alerta.
Quais gestos Bolsonaro faz para assegurar a maioria dos apoios entre policiais
O presidente da República fez diversos gestos aos policiais ao longo de seu mandato. Além da proposição de medidas, ele também fez acenos simbólicos, como participações em formaturas de agentes das forças auxiliares de segurança pública e até mesmo a visita a uma viúva de um policial militar morto em confronto.
De proposições apresentadas pelo governo só do ano passado até o presente momento, ele pediu à sua base no Congresso que aprovasse o Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA) referente a 2022 prevendo um espaço fiscal para a concessão de reajustes a policiais federais e rodoviários federais e, ainda, lançou uma medida provisória (MP) que cria um programa habitacional para policiais e bombeiros. O texto foi aprovado pelo Congresso e aguarda a sanção presidencial, que deve ocorrer até 14 de março.
Bolsonaro também prepara um decreto para criar o programa sobre direitos humanos dos policiais e pode encaminhar ao Congresso uma nova proposta legislativa sobre o excludente de ilicitude, uma espécie de salvaguarda jurídica para o policial que matar em serviço. O tema foi debatido dentro do chamado pacote anticrime de Moro, que deu origem à Lei 13.964/19, mas o trecho foi retirado em sua tramitação na Câmara.
Por todos esses gestos e por uma lógica sociológica de policiais votarem em políticos de direita, segundo especialistas, o deputado federal Sargento Fahur (PSD-PR) não tem dúvidas de que Bolsonaro contará com a maioria dos agentes das forças auxiliares de segurança, embora reconheça que o presidente não contará com o apoio de toda a categoria e que a adesão pode ser inferior a 2018.
"Claro que é um governo que pegou uma pandemia severa e terrível, onde a economia desandou, foi tudo ao contrário do que esperávamos e não conseguiu atender aos policiais como queria. Mas ele tem acenado que o policial é parte importante da engrenagem da segurança, que em governos de esquerda não eram valorizados, eram simplesmente uma parte praticamente descartável", diz. "Em termos de um apoio em toda a categoria, acho que ele terá entre 70% e 80%, porque tem uns que são petistas, lulistas, isso faz parte", acrescenta.
O deputado federal Sanderson (PL-RS), vice-líder do governo na Câmara, nega que o gesto do presidente em reajustar o salário de policiais federais e rodoviário federais seja um interesse eleitoreiro, embora reconheça que ônus não traz à campanha presidencial e ainda a fortalece junto à categoria.
"O plano desde o início do mandato era fazer a chamada reestruturação das Forças Armadas — e ele fez —, e também o das forças policiais, o que não ocorreu, porque entrou a pandemia e ficamos os últimos dois anos em regime de economia de guerra. Não tem nada a ver com eleição, é algo que ele queria cumprir e a janela que ele tem para fazer isso vai até agora em abril", diz o deputado, que fez carreira como agente da Polícia Federal.
O deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG), que está de saída do partido devido à sua base eleitoral ser alinhada à Bolsonaro, afirma que o presidente tem e manterá o apoio da maioria dos policiais militares do Brasil. Ele pondera, no entanto, que o quadro é diferente em comparação a 2018 e há, hoje, uma visão mais crítica em comparação há quatro anos. "Não se trata mais de um alinhamento automático como foi, mas por falta de alternativa", diz.
O histórico da prisão de Lula e a visão que Moro tem de "traidor" entre policiais, segundo Gonzaga, são fatores que limitam o apoio de policiais a ambos os presidenciáveis. Já contra o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, pesa a falta de gestos e falas que busquem criar uma conexão com a categoria e a imagem da retroescavadeira usada por seu irmão, o senador Cid Gomes (PDT-CE), para tentar dispersar um protesto de policiais militares amotinados, em 2020.
"Aquilo ainda está muito presente na memória dos policiais militares, é um ponto que não é de interpretação de fala, é um fato concreto. A retroescavadeira neutraliza qualquer possibilidade enquanto movimento e um volume maior de policiais aderirem à candidatura do Ciro", analisa Gonzaga. O parlamentar frisa que sua posição é pessoal e não partidária.
Como está a relação entre policiais e governadores nos estados
Diferentemente de Bolsonaro, governadores ao redor do país não gozam do mesmo prestígio junto aos policiais, sobretudo pelo desgaste de arcar integralmente com os salários das forças auxiliares de segurança — à exceção do Distrito Federal. Não à toa que acenos têm sido feitos de norte a sul do país.
Segundo informou o jornal O Globo ao fim de fevereiro, governadores de 17 estados haviam concedido reajustes salariais ou enviado propostas de correção dos vencimentos aos legislativos estaduais. E nas outras dez unidades federativas, a publicação aponta que há "acenos diversos, como projetos de reestruturação de carreira, compra de equipamentos e aumento de efetivo".
Os gestos feitos pelos governadores são vistos pelo coronel José Vicente da Silva Filho, ex-titular da Senasp, como uma clara tentativa para buscar votos ou, ao menos, evitar a pressão da categoria. Contudo, ele avalia que o efeito prático disso é pequeno. "Pode atenuar um pouco a rejeição, mas eu tenho certeza que muitos governadores não irão conseguir a adesão que estão imaginando", alerta.
Mestre em psicologia social pela Universidade de São Paulo (USP), Silva Filho diz que estudou o paternalismo praticado no aspecto sindical em São Paulo entre as décadas de 1970 e 1980, e afirma que o paternalismo não "compra" facilmente os policiais. "A política invadiu muito os quartéis das polícias militares e tem uma politização de certa forma, mas o que se sabe na minha área de psicologia organizacional é que esse tipo de coisa não constitui fator de motivação", ressalta.
Silva Filho diz que, em alguns estados, reajustes salariais nem sequer cobrem as perdas inflacionárias dos últimos anos, a exemplo de São Paulo, onde Doria reajustou em 20%. "Aqui, a estimativa após sete anos sem reajuste era de que a reposição inflacionária estaria ao redor de 40%. Ele deu metade da perda salarial, é insuficiente", pondera.
Em outros estados, o especialista em segurança pública afirma que a estratégia adotada foi conceder promoções a policiais e não reajustes salariais, a exemplo dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte. "É uma saída malandra que alguns governadores encontraram para tentar comprar o eleitor no estado, já que a diferença na promoção é menor do que um reajuste", critica.
A estratégia de promoção é criticada por Silva Filho. Ele afirma, por exemplo, que o Ceará conta com um coronel para um efetivo de 55 homens. Em São Paulo, essa proporção é de um para 1,2 mil. Para o especialista, isso gera um desequilíbrio no organograma das polícias. "No Rio de Janeiro, por exemplo, há mais sargento do que soldado. Lá, tem mais capitão do que tenente, não tem mais tenente para fazer a supervisão do batalhão, porque viraram capitães", diz.
O deputado Sargento Fahur é um dos que também critica a postura de governadores. No Paraná, por exemplo, ele afirma que policiais da ativa e da reserva estão em negociações por reajuste. "Estamos há quase dez anos sem aumento real de salário e, agora, ele [Ratinho Jr.] foi acenar com 2%, 3%, mas com índices inflacionários assustadores, tanto que o governador está sendo literalmente atacado em lugares que vai em algumas cidades por policiais da reserva", afirma.
Que peso a categoria terá na eleição para governos estaduais
A relação desgastada entre policiais e governadores é um fator que pode comprometer as candidaturas de governadores à reeleição, o apoio a um sucessor ou mesmo a adesão a uma candidatura de terceira via, analisa o deputado Subtenente Gonzaga. "Há uma tendência natural de rejeição aos governadores, porque quase todos não entregaram sequer a inflação corrigida para os policiais e em alguns estados têm problemas de discussão de carreira também", diz.
Por esse motivo, ele acredita até que candidaturas com o mandato alinhado a Bolsonaro possam ter uma chance maior de adesão dos policiais, especialmente os militares. "E vice-versa. Uma candidatura apoiada pelo Bolsonaro nos estados vai ter maior chance de adesão da categoria", analisa.
Em Minas Gerais, por exemplo, onde policiais militares, civis e agentes penitenciários cobram uma recomposição salarial de 24% prometida por Zema, o discurso é de que o governador vai enfrentar forte oposição da categoria, diz Gonzaga. "Se ele declarar apoio a Bolsonaro seria até possível ter apoio maior dos militares, mas a entrega local também faz diferença, e apesar de ter atualizado os pagamentos, ele está muito intransigente e ameaçou o tempo todo a retirada de direitos com apoios à reforma administrativa e à PEC Emergencial", critica.
Já o deputado Sanderson entende ser natural os gestos feitos pelos governadores aos policiais. Ele avalia, porém, que o cenário compromete uma maior adesão a seus projetos políticos. "Eles viram que 'pegou bem' os gestos feitos pelo presidente aos policiais da União, mas é muito difícil conseguirem tirar votos do presidente e de aliados [de Bolsonaro a governos estaduais]", avalia. "Mas os gestos não estão errados, porque se pegarem os policiais como inimigos seria pior ainda, uma vez que não os teriam na neutralidade", pondera.
O apoio potencial que governadores possam ter de policiais é algo que eles terão de calcular meticulosamente, pois na esfera legislativa, a categoria se organiza para eleger seus membros aos legislativos estaduais e ao Congresso, mas na esfera do Executivo estadual o apoio costuma se dispersar, alerta o cientista político Arthur Trindade, diretor do Instituto de Ciências Sociais da UnB.
"E se dispersam exatamente como estratégia. O peso estadual é proporcionalmente maior do que o peso federal para a polícias, que têm capilaridade e impactam regionalmente", alerta.
Essa estratégia tem por intuito sempre assegurar à categoria um assento na Casa Militar, órgão dos governos estaduais que executa o apoio logístico e de segurança institucional, inclusive a segurança pessoal do governador e de seus familiares. "Em alguns estados, esses grupos que apoiam o candidato vencedor levam como 'prêmio' a chefia da Casa Militar. Em todos os estados do Nordeste, Centro-Oeste e Sul é a mesma coisa", diz Trindade.
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