Recentes declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sugerindo que policiais não são gente e que jovens roubam celular por falta de oportunidades, têm contribuído para afastá-lo ainda mais dos agentes de segurança pública. Por outro lado, os policiais, que nas eleições de 2018 contribuíram em peso para a vitória do presidente Jair Bolsonaro (PL), andam insatisfeitos com o atual governo. E ele corre o risco de perder grande parte da militância eleitoral da categoria – embora não necessariamente os votos dela.
Essa é a avaliação geral feita por parlamentares ligados ao setor de segurança pública, observadores e representantes de associações de policiais com os quais a reportagem conversou nos últimos dias.
Atualmente, o principal problema de Bolsonaro com essa base de apoio se concentra nas corporações diretamente subordinadas ao Executivo federal: Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Penal (formada por agentes penitenciários do antigo Depen). São cerca de 40 mil delegados, agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos.
Desde 2019, eles se queixam de terem sido incluídos na reforma previdenciária, com requisitos mais rigorosos para aposentadoria, contribuições maiores e pensões menores. De lá para cá, passaram então a batalhar no Congresso e junto ao governo para uma “reestruturação” de suas carreiras, de modo a aumentar salários e ampliar as possibilidades de promoção.
No orçamento do ano passado, após negociações com o ministro da Justiça, Anderson Torres, que é delegado da PF, e acreditando nas promessas favoráveis de Bolsonaro, os deputados da bancada da segurança na Câmara conseguiram reservar R$ 1,7 bilhão para reestruturação das carreiras e aumentos salariais de policiais.
Mas outras categorias de servidores, principalmente auditores da Receita Federal, protestaram contra a melhoria direcionada apenas para os policiais da União. E o governo, então, passou a sinalizar que usaria o recurso para conceder um reajuste linear de 5% a todo o funcionalismo federal.
Delegados da PF reagem mal à quebra de promessa do governo
Os policiais reagiram à nova diretriz do governo. No dia 18 de abril, numa reunião com Anderson Torres, dirigentes das principais associações da classe expressaram “descontentamento e surpresa” com o recuo na reestruturação das carreiras, segundo nota divulgada na ocasião. Desde então, as entidades passaram a discutir internamente que medidas tomar para aumentar a pressão sobre o governo.
Na quarta-feira (4), após dois dias reunida em assembleia, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) decidiu fazer paralisações “parciais e progressivas”, cujo calendário ainda será definido, além de “ações de mobilização e conscientização da população” em atividades de controle imigratório, de armas, produtos químicos e fiscalização da segurança privada, atribuições da PF.
A ADPF comunicou ainda que delegados poderão entregar cargos de chefia e recusar convites para assumir novos postos e, por fim, pediram a renúncia de Anderson Torres do Ministério da Justiça, “pelo desprestígio e desrespeitoso tratamento dado pelo presidente da República à Polícia Federal e ao próprio ministro”.
“A ADPF reforça a gravidade do momento e do posicionamento do presidente da República, que, depois de se comprometer publicamente e já com orçamento reservado para a reestruturação das carreiras, decidiu não honrar com a própria palavra, gerando um clima de revolta e insatisfação generalizada nunca antes visto entre os servidores da PF”, afirmou a associação em nota.
A entidade disse ainda que no atual governo, “que se dizia pautar pela segurança pública”, há desamparo a família do policial morto em serviço, trabalho de sobreaviso não remunerado, diárias insuficientes para gastos durante as viagens e ausência de apoio psicológico.
“A segurança pública foi a maior bandeira de campanha do governo Bolsonaro e o destacado trabalho das forças de segurança vem sendo utilizado, indevidamente, pelo presidente como instrumento de marketing para a sua reeleição. Os policiais federais merecem respeito. Investir em Segurança Pública é investir em seu principal ativo: o policial”, disse a ADPF.
Ainda na quarta (4), a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), que representa 85% dos agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos da PF, adotou tom mais ameno. Disse em nota não haver decisão em relação à saída de Torres e que ainda avalia “os melhores caminhos e estratégias para garantir a reestruturação” – a entidade ainda tenta negociar com o governo.
Os policias rodoviários federais também tentam pressionar o Executivo, mas em vão. Na manhã de quarta, 30 deles foram tentar falar com Bolsonaro no “cercadinho” da portaria do Palácio da Alvorada, mas ele não desceu do carro ao deixar a residência presidencial.
Presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara e um dos principais articuladores das polícias da União junto ao governo, o deputado federal Aluísio Mendes (PSC-MA) confirma o sentimento de “frustração e traição” em toda a categoria, o que pode prejudicar Bolsonaro em sua campanha pela reeleição.
“Há uma grande insatisfação dessas forças, que são base muito grande para o presidente. E a quebra na promessa de reestruturação criará efeito muito negativo. Neste momento, em que ele está tentando a reeleição, e verbaliza um apoio quase total da classe, os policiais vão reagir a essa falta de palavra, de compromisso. Embora sejam 40 mil, os policiais da União são formadores de opinião e têm capilaridade. Desagradar essa categoria não é bom”, diz Mendes.
Bolsonaro tem mais apoio entre policiais militares, mas desgaste aumentou
Se nas forças de segurança pública da União a insatisfação é crescente, nas polícias militares (PMs) estaduais Bolsonaro ainda conta com maior apoio, principalmente entre os praças – soldados, cabos, sargentos e subtenentes, de nível hierárquico inferior. A adesão, segundo observadores, se dá por dois motivos: a defesa histórica que Bolsonaro fazia da categoria em seus 27 anos como deputado federal e a identificação com o discurso duro de combate aos bandidos.
“Entre policiais civis e da União, Bolsonaro já perdeu mais de 50% de apoio. Entre os praças da PM, de 80% a 90% votam em Bolsonaro, por causa da identidade militar. Entre os oficiais [tenentes, capitães, majores e coronéis, de grau mais elevado na hierarquia], de 50% a 70% ainda apoiam o presidente”, estima o coronel Elias Miller, diretor legislativo da Federação Nacional das Entidades dos Oficiais Militares Estaduais (Feneme), que reúne representantes dos policiais militares de todos os estados.
Apesar disso, Miller diz que as PMs também estão decepcionadas com Bolsonaro. São dois motivos: extinção do Ministério da Segurança Pública, que, segundo ele, era um sonho antigo para integrar melhor as corporações estaduais; e a dificuldade em aprovar no Congresso medidas mais duras contra o crime e em favor da proteção dos policiais de rua.
“O Bolsonaro não é mais o deputado que sempre votou em defesa do policial ou do militar. O que ele fez pela segurança? De medida efetiva, nesses três anos e meio, nada. Os números são altamente favoráveis, mas o pacote anticrime do [ex-ministro] Sergio Moro foi atropelado”, acrescenta Miller.
Para ele, os homicídios e a letalidade policial diminuíram a partir de 2019 porque, com base no discurso duro de Bolsonaro contra os criminosos, criou-se neles uma percepção de que teriam muito mais dificuldade para escapar da punição e da prisão. “Só com a possiblidade de retaliação, o crime deu uma recuada. O criminoso só respeita se o Estado é eficiente ou se tem um criminoso pior que ele”, diz Miller.
Apesar da decepção com o governo, ele acredita que a maioria dos policiais ainda vai votar em Bolsonaro pela identidade com o discurso do presidente. Mas não significa que vão militar e ganhar mais votos para ele, como ocorreu em 2018. “Isso ele não está vendo. O militante multiplica o voto dele. Em 2018, foram eleitores militantes que elegeram Bolsonaro. Se ele não resgata esse eleitor militante e se a disputa ficar acirrada, ele perde a eleição. E esse é o grande perigo.”
Apoiador fiel de Bolsonaro, o deputado Coronel Tadeu (PL-SP), por outro lado, estima que, pelo menos em São Paulo, seu estado e que tem 146 mil policiais ativos e inativos, a maioria votará em Bolsonaro: “95% são bolsonaristas. Existem uns 5% que não gostam. Alguns são petistas, mas são minoria da minoria. Ele [Bolsonaro] tem coragem de falar aquilo que muita gente tem medo. O policial não pode falar por causa do regulamento, mas quando o Bolsonaro chama o vagabundo de vagabundo, o policial fica feliz”.
“As ações do Bolsonaro, de defesa do endurecimento das leis, principalmente as processuais penais, contam muito. Claro que o presidente não pode tudo, e por isso não consegue aprovar muita coisa no Congresso, mas se empenha. O apoio aos CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] também conta muito, porque os policiais são envolvidos nos clubes de tiro”, acrescenta o deputado, em referência à facilitação para o porte de armas para esse grupo.
Ele também pondera que Bolsonaro pouco pode fazer pelas polícias estaduais, controladas pelos governadores. Mas, mesmo assim, tenta ajudar.
Em março, o presidente sancionou uma medida provisória, relatada por Coronel Tadeu, que criou um programa habitacional para baratear a compra da casa própria por policiais com salário de até R$ 7 mil. Foi garantido um subsídio anual de R$ 100 milhões, retirados do Fundo Nacional de Segurança, para financiar os juros menores. O deputado ainda tenta garantir mais benesses para a classe, como isenção de tributos e financiamento do fundo para compra de armas próprias.
Apoio de policiais a Lula fica ainda mais distante
Se o apoio dos policiais a Bolsonaro já foi maior, mas ainda persiste, em relação a Lula, a postura dos agentes de segurança pública é de rejeição quase total, segundo os entrevistados. As recentes declarações do petista só agravaram a repulsa da categoria por ele. Lula disse que Bolsonaro “não gosta de gente, ele gosta de policial” e reclamou que jovens, “por falta de perspectivas”, são presos por roubarem celular. Lula pediu desculpas pela fala sobre os policiais.
“Claro que Lula não considera policial como gente, nunca vi bandido gostar de polícia. E Lula não gosta de polícia”, provoca o deputado Coronel Tadeu.
O coronel Elias Miller, diretor Federação Nacional das Entidades dos Oficiais Militares Estaduais (Feneme), diz que os governos do PT e a esquerda em geral nunca conseguiram cuidar da segurança pública pela “experiência traumática” que sofreram na ditadura militar, quando militantes eram perseguidos pela polícia.
“Não souberam o que fazer com a polícia. É como se você fosse mordido pelo cachorro, depois virou dono do cachorro e agora não sabe o que fazer. Agora, estão tentando acordar”, diz Miller, relatando que pessoas próximas de Lula têm procurado dialogar com representantes da categoria, mas ainda sem sucesso.
“Duas coisas do discurso petista ou de esquerda afastam as polícias. O primeiro é o garantismo excessivo para defender o bandido. Qualquer policial que troca tiro na rua e depois vê o bandido sair antes dele do local do crime ou no dia seguinte ser solto acha isso horrível. E vem a esquerda dizer que bandido vítima da sociedade? Isso para ele é loucura”, diz Miller.
O outro fator de afastamento dos agentes de segurança em relação a Lula é a defesa da esquerda da desmilitarização das polícias estaduais – o que faria a categoria perder direitos, como aposentadoria integral, amparo a viúvas e filhos de policiais mortos em combate, além de assistência médica diferenciada.
Mas, entre policiais federais, há o reconhecimento de que a gestão do PT deu autonomia para as operações da PF, que se multiplicaram no período. Ainda assim, o deputado Aluísio Mendes diz que os resultados que começaram a aparecer eram decorrentes de valorização e estruturação alcançada no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, entre 1995 e 2002.
“O que vejo hoje, e lamento, é que o presidente Lula tem errado muito nas questões da segurança pública. Não conseguimos compreender como fala uma coisa dessa”, afirmou Mendes, em referência à declaração sobre os policiais.
De político estudantil a prefeito: Sebastião Melo é pré-candidato à reeleição em Porto Alegre
De passagem por SC, Bolsonaro dá “bênção” a pré-candidatos e se encontra com evangélicos
Pesquisa aponta que 47% dos eleitores preferem candidato que não seja apoiado por Lula ou Bolsonaro
Confira as principais datas das eleições 2024
Deixe sua opinião